O mercado informal tem sido um lugar ocupado por muitos grupos sociais, haja vista
que esta situação de expropriação no campo gera consequências imediatas na vida urbana. Por
sua vez, no meio urbano, há uma constante diminuição de empregos na economia formal, seja
por períodos de crise econômica seja pelo próprio advento tecnológico que substitui a
mão-de-obra humana por máquinas.
A partir da década de 1990, com as redefinições dos movimentos sociais, as relações
de trabalho deixam de ser o foco das lutas de trabalhadoras e trabalhadores e “[...] a luta
básica passa a ser pela manutenção de um emprego, qualquer que seja, e não mais pelas
condições de trabalho dentro de uma categoria.” (GOHN, 2000, p. 296)
Neste sentido, ações como a Economia Solidária são fortalecidas, apoiadas por
instituições diversas como as ONG'S e universidades, como também por alguns governos,
crescem cada vez mais no Brasil na busca por uma sociedade menos injusta.
Assim como nas diversas regiões do Brasil, a Rede de Economia Solidária de
Dourados-MS nasce de um projeto que visa possibilitar às pessoas excluídas construir seus
próprios caminhos na busca de uma sociedade mais democrática. Dessa forma, as ações da
Rede estruturam-se em postulados teóricos que guiam ações e fundamentam discursos, bem
como incentivam a militância em prol deste projeto social. Pesquisas e publicações diversas
sobre o tema Economia Solidária discutem o sistema capitalista e as possibilidades de, no
âmbito deste sistema, encontrar mecanismos para uma vivência em sociedade de forma menos
desigual.
122
Um exemplo deste esforço teórico em discutir o sistema capitalista e a importância da
Economia Solidária são as obras de Mance. Conforme suas palavras, a seguir, a
responsabilidade pela transformação social está nas mãos da sociedade e uma das ferramentas
que possibilitam esta mudança são as Redes de Colaboração Solidária, que pregam a
comunhão de direitos, deveres e o repensar sobre nossos velhos hábitos de vida.
Está, pois, ao alcance de todos nós acabarmos com a pobreza e o
desemprego de uma vez por todas, compartilharmos uma riqueza cada vez
maior e aumentarmos o tempo livre de todos os seres humanos para que
possam desenvolver atividades culturais e de lazer, para que se possa
propagar o bem-viver. Tudo depende de que cada pessoa, que aderir a este
projeto, pratique o consumo solidário, colaborando com a preservação dos
ecossistemas, com a justiça social e com a promoção do exercício ético da
liberdade de todas as pessoas, independentemente de sua etnia ou credo.
(MANCE, 2001, p. 15)
Percebemos que há uma distância entre os objetivos, as teorias que orientam a
Economia Solidária e os desejos de muitas pessoas que ingressam na Rede. A maioria busca
uma solução imediata para seus problemas financeiros, de sobrevivência. Determinados/as
autores/as expressam em seus textos um caráter motivador para que a Economia Solidária
atenda às suas expectativas como alternativa a exclusão social.
Todavia, as pessoas comuns ao ingressarem na Rede não possuem esta perspectiva.
Para elas, a Economia Solidária foi a última opção em meio à crise de empregos, cujo
objetivo principal é gerar a renda e atender sua família. A construção de uma sociedade mais
justa e democrática, numa concepção socialista, na qual todos/as possam viver de forma
igualitária é um processo construído posteriormente por gestores/as e pesquisadores/as
Assim, o surgimento de diversas Redes de Economia Solidária é fruto de ideologias de
determinados grupos sociais e partidos políticos compostos de pessoas orientadas por essa
concepção socialista e relacionam a Economia Solidária a uma política pública que
corresponda ao seus ideais políticos.
Em Dourados-MS, a Rede de Economia Solidária surge da iniciativa da Prefeitura
Municipal que, em 2001, criou a Secretaria de Assistência Social e Economia Solidária.
Desde o início do mandato do prefeito José Laerte Cecílio Tetila, eleito no ano 2000, pelo
Partido dos Trabalhadores - PT, até o final de sua gestão em 2008, a Prefeitura desenvolveu
uma estrutura de política pública de apoio à Economia Solidária visando a geração de trabalho
e renda por meio de estímulos a iniciativas coletivas.
A decisão da Prefeitura em promover o desenvolvimento da Rede de Economia
Solidária emergiu como alternativa para diminuir os altos índices de desemprego no
123
município e implementar uma política pública de apoio às iniciativas populares de
emancipação como decorrência do perfil político e das ações de Prefeituras comandadas pelo
Partido dos Trabalhadores.
No âmbito nacional, as práticas de Economia Solidária apresentavam resultados
satisfatórios no que se referem à promoção da qualidade de vida de cidadãs e cidadãos através
da qualificação profissional, geração de renda, valorização da pessoa, estímulo à produção
local, respeito às especificidades regionais, fortalecimento das comunidades, orientação
profissional nas diversas áreas, desde a chamada gestão dos empreendimentos solidários até
as temáticas humanas e sociais como relações de gênero, saúde e alimentação, etc. Ligado a
este fato, o apoio de instituições, como as universidades e grupos sociais ativistas como a
Congregação das Irmãs Catequistas Franciscanas, motivaram o governo municipal a aderir a
este projeto promissor em outros municípios brasileiros, modificando o caráter assistencialista
das ações promovidas pelas administrações anteriores na Secretaria de Assistência Social.
Neste sentido, Gaiger salienta a simpatia por diversos organismos nacionais pelas
iniciativas de Economia Solidária e relaciona com os setores de esquerda da sociedade que
identificam nestas iniciativas a continuidade de seus projetos políticos e de transformação
social.
Esse quadro promissor, além de carrear rapidamente o apoio de ativistas,
agências dotadas de programas sociais e órgãos públicos, suscitou o interesse
dos estudiosos para o problema da viabilidade desses empreendimentos a
longo prazo, bem como para a natureza e o significado contido nos seus
traços sociais peculiares, de socialização dos bens de produção e do trabalho.
Setores da esquerda, reconhecendo ali uma nova expressão dos ideais
históricos das lutas operárias e dos movimentos populares, passaram a
integrar a economia solidária em seus debates, em seus programas de
mudança social e em sua visão estratégica de construção socialista. Vendo-a
seja como um campo de trabalho institucional, seja um alvo de políticas
públicas de contenção da pobreza, seja ainda uma nova frente de lutas de
caráter estratégico, visões, conceitos e práticas cruzam-se intensamente,
interpelando-se e promovendo a economia solidária como uma alternativa
para... os excluídos, os trabalhadores, um modelo de desenvolvimento
comprometido com os interesses populares, etc.; uma alternativa, ao
aprofundamento das iniqüidades, às políticas de corte neoliberal, ao próprio
capitalismo. (GAIGER, 2002, p. 18)
Em sintonia com o governo federal, a Prefeitura Municipal de Dourados reconheceu
nas experiências de Economia Solidária no país como “a nova expressão dos ideais históricos
124
das lutas operárias e dos movimentos populares”
4e fundou a Rede de Economia Solidária
como reflexo da visão estratégica de construção socialista do Partido dos Trabalhadores.
Assim, seguindo modelos existentes no Brasil de alternativas para a geração de
trabalho e renda, a Prefeitura iniciou suas atividades com a preocupação de oferecer
qualificação para a população em situação econômica vulnerável. Porém, não tinha ainda a
ideia de Economia Solidária consolidada. Lenita Gripa, presidente da ONG Mulheres em
Movimento em 2007, explica em seu relato o início desta experiência pela prefeitura:
Eu cheguei em Dourados em 2003 e logo em seguida já entrei na Prefeitura
prá trabalhar na Gestão de Empreendimentos de Economia Solidária.
Naquele tempo a gente não tinha muita idéia do que era Economia Solidária.
A gente falava mais em geração de renda só. E daí foi crescendo. A gente foi
pela Prefeitura oferecendo a população dos bairros cursos de qualificação
para o trabalho, de padaria, de eletricista, de costura, mais de trinta e cinco
cursos, artesanato, várias áreas.
5Percebemos pela fala que os/as gestores/as passaram a estudar para compreender
teoricamente o significado e objetivos da Economia Solidária no Brasil, e também a pesquisar
sua aplicabilidade, através de experiências de sucesso em Prefeituras, como as de Porto
Alegre-RS e Santo André-SP. Conforme apontam José Ricardo Tauile e Eduardo Scotti
Debaco, “[...] se a autogestão tem de fato tamanho potencial de beneficiar a sociedade
brasileira, parece evidente a necessidade de o poder público fomentá-la, suprindo as
deficiências que ela apresenta em seus estágios iniciais no Brasil.”(TAUILE; DEBACO, 2002,
p. 70)
Ou seja, mais do que o apoio de instituições e organismos sérios, o desenvolvimento
de iniciativas como a Economia Solidária dependem de políticas públicas específicas, pois
somente desta forma o Estado poderá promover o desenvolvimento social. Os autores
continuam e acrescentam que
Entre as experiências mais importantes de políticas públicas para a economia
popular solidária no meio urbano pode-se citar o Programa Economia
Popular Solidária (EPS) do Estado do Rio Grande do Sul, os programas de
algumas Prefeituras brasileiras e as incubadoras de cooperativas populares
existentes em diversas universidades públicas e privadas.” (TAUILE;
DEBACO, 2002, p. 70)
4 Disponível em: http://www.fbes.org.br. Acesso em 09/05/2007.
125
No entanto, apesar dos índices positivos de aceitação da Economia Solidária, Gaiger
alerta sobre um excessivo entusiasmo. O autor fala que “[...] interpretações ligeiras dessa
importante questão podem, em verdade, manifestar uma pressa de encontrar respostas
tranqüilizadoras” (GAIGER, 2002, p. 19), uma urgência em demonstrar que as iniciativas de
Economia Solidária conseguem superar as dificuldades impostas pelo sistema capitalista.
Desta perspectiva decorrem duas reflexões.
Primeiro, podemos dizer que de um lado o capitalismo engendra condições para o
surgimento de novas formas de violência, barbárie, crescimento do narcotráfico, prostituição,
banalização da morte, diversos conflitos sociais por etnia, gênero ou classe social, aumento da
fome e miséria, caos nos serviços públicos, por outro lado este mesmo capitalismo favorece,
não por opção que lhe é própria, mas por sua omissão, repensar as relações sociais, refletir
sobre a reprodução de desigualdades, propor novas relações de trabalho, de produção e de
consumo, pensar na distribuição da riqueza e no aproveitamento real do tempo e espaço pelo
ser humano. (MANCE, 2001)
Em segundo lugar, devemos pensar que os conceitos impostos pelo sistema capitalista
não são apenas objetivos, como lucro, dinheiro, competição, mas também subjetivos. Sua
expansão histórica e a superação de suas crises demonstram que, para sua sobrevivência, o
capitalismo fez com que grande parte da sociedade almejasse superar o outro para conquistar
seus objetivos. Convenceu as pessoas que estas são incapazes de promover uma
transformação real e que suas escolhas e ações estão deslocadas da construção histórica da
sociedade a qual pertence. Assim, mentalizamos e somos construídos culturalmente para
acreditarmos que qualquer alternativa ao capitalismo que vivenciamos não pode dar certo.
O capitalismo inteligentemente privatiza os bens materiais e socializa os
sonhos. Você não tem pão para comer na favela, mas passa a noite assistindo
uma belíssima novela que o leva ao Pantanal adentro, a Hollywood, as
mansões... E você sonha que isso está ao seu alcance. O limite entre o sonho
e a realidade é uma telinha eletrônica. (BETTO, 2005, p. 70)
Como resultado destas reflexões, consideramos que, apesar de todo potencial positivo
das ações das Redes de Economia Solidária, há um contínuo desafio a ser enfrentado na
realidade das pessoas que compõem os grupos solidários: romper com as ideias, conceitos e
modo de viver em sociedade que o capitalismo nos apresenta para deixar florescer na prática o
que a Economia Solidária propõe teoricamente.
As Redes de Economia Solidária têm apresentado resultados positivos em suas ações.
Em Dourados-MS, houve um aumento significativo de participantes da Rede principalmente
126
entre os anos de 2005 e 2008, tendo como fator determinante deste crescimento o contínuo
apoio do governo municipal aos empreendimentos solidários.
Em abril de 2005, o Jornal da Economia Solidária do referido período noticiou que na
data da publicação do jornal existiam em Dourados-MS 40 empreendimentos solidários. Ao
final do ano de 2008, o mesmo jornal informava um total de 240 empreendimentos. Este
crescimento ocorreu principalmente pelo sucesso no oferecimento gratuito dos cursos
profissionalizantes para a população mais carente.
Os grupos de empreendedores/as solidários/as eram formados nos cursos para a
qualificação oferecidos através de parcerias entre Prefeitura Municipal e SEBRAE, SENAC,
SENAI e SESI. De início, a principal meta da Prefeitura era possibilitar a qualificação de
pessoas desempregadas ou sem outro tipo de renda. O propósito de formar uma Rede de
Economia Solidária surge depois de um período, quando os programas de qualificação já
estão em funcionamento. O jornal citado, uma matéria sobre o programa “Coletivos de
Qualificação para o Trabalho” afirma o seguinte:
De 2001 a 2004 foram qualificadas aproximadamente 500 pessoas. Essa
qualificação contribuiu para o surgimento de aproximadamente 40
empreendimentos solidários – pessoas que a partir da Economia Solidária
têm gerado renda, pautados em uma nova visão de sociedade e de mundo,
em que a solidariedade é o lema principal.
6Observamos que o investimento do governo municipal para a qualificação profissional
não está obrigatoriamente ligada à Economia Solidária, ainda que exista um estímulo para que
as pessoas ingressem na Rede. Através dos cursos, há um esforço por parte do poder público
para viabilizar a geração de trabalho e renda. Muitas pessoas que se qualificam não ingressam
na Rede, pois encontram emprego no mercado formal.
No documento
TECENDO A IGUALDADE: REFLEXÕES SOBRE GÊNERO E TRABALHO NA REDE DE ECONOMIA SOLIDÁRIA EM DOURADOS-MS (2000-2008)
(páginas 122-127)