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No Brasil, a Economia Solidária possui profundas raízes nos movimentos sociais. É

importante ressaltar que esta não é apenas um fenômeno econômico resultante das condições

e tendências históricas do mercado de trabalho brasileiro. Ela também é resultado do acúmulo

do movimento popular dos anos 1970 e 1980, e possui características dos novos movimentos

sociais, nascidos na década de 1990. Desta forma, podemos dizer que as Redes de Economia

Solidária espalhadas pelo Brasil buscam construir uma identidade de movimento social ao

mesmo tempo em que se afirmam como fenômeno econômico relevante nas localidades em

que se situam. (CRUZ, 2002)

As Redes de Economia Solidária no Brasil abrangem uma diversidade de práticas

econômicas e sociais organizadas sob a forma de associações, cooperativas, empresas

autogestionárias, etc, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços,

finanças solidárias e trocas.

Contudo, Lechat ressalta que ainda não temos condições de representar

adequadamente este setor em razão de sua diversidade. A Economia Solidária é composta por

setores qualitativamente distintos e diversos, como o setor da economia familiar, as

associações de trabalhadores/as, o setor de micronegócios ou de prestação de serviços.

Existem desde setores organizados sob a forma de microempresas, bem amparados e

organizados, até as prestadoras de serviços que sobrevivem com pouco capital, mas com a

solidariedade entre seus membros, fator que a qualifica. (LECHAT, 2002)

É esta característica de solidariedade entre as pessoas, do compromisso com a

sociedade e o meio-ambiente que une atualmente as Redes de Economia Solidária, fazendo da

diversidade de seus empreendimentos sua riqueza.

Singer afirma que

A construção de um modo de produção alternativo ao capitalismo no Brasil

ainda está no começo, mas passos cruciais já foram dados, etapas vitais

foram vencidas. Suas dimensões ainda são modestas diante do tamanho do

país e de sua população. Mesmo assim, não há como olvidar que dezenas de

milhares já se libertaram pela solidariedade. O resgate da dignidade humana,

do respeito próprio e da cidadania destas mulheres e destes homens já

justifica todo o esforço investido na economia solidária. É por tudo isso que

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ela desperta entusiasmo. (SINGER, 2002, p. 127)

As ações de Economia Solidária no Brasil vêm sendo estimuladas mediante as

atuações de organizações do Terceiro Setor, como as ONG's, as OSCIP’S, os movimentos

sociais, as igrejas, como também as incubadoras desenvolvidas dentro de universidades. Estes

agentes apoiam a Economia Solidária através de consultorias, comercialização, divulgação,

entre outras atividades. A principal contribuição destes ocorre na formação de cooperativas

populares, redes de produção e comercialização, feiras de cooperativismo e economia

solidária, eventos para reflexões sobre o tema, tais como seminários, encontros, e ainda o

desenvolvimento de pesquisas e projetos de extensão na área. (SINGER, 2005)

As primeiras referências à Economia Solidária na literatura brasileira ocorreram na

década de 1990. Em 1993, o livro organizado por Gadotti denominado “Economia de

solidariedade e organização popular” traz uma primeira definição de Razeto, pesquisador

chileno, do que hoje chamamos Economia Solidária. Para o pesquisador, Economia Solidária

é conjunto de experiências econômicas que compartilham traços de solidariedade, cooperação

e mutualismo, diferente de outras racionalidades econômicas. (LECHAT, 2002)

Para Lechat, apenas em 1995 os/as brasileiros/as escrevem sobre economia solidária

referindo-se a ela desta maneira. Todavia, desde 1993 a proposta de autogestão já era

temática de pesquisas e discussões. Em agosto deste ano o Instituto de Políticas Alternativas

para o Cone Sul – PACS e outras entidades organizaram o “I Seminário sobre Autogestão”

em Criciúma-SC. Em 1994 estas mesmas instituições realizaram em Porto Alegre-RS outro

seminário denominado “Autogestão: realização de um sonho.” (LECHAT, 2002)

Neste período, ocorrem alguns eventos importantes que marcam a construção de um

pensamento e movimento social em torno da Economia Solidária no Brasil. Lechat apresenta

alguns dos principais como o “7º Congresso Nacional da Sociedade Brasileira de Sociologia”,

em que uma mesa redonda discutiu “Formas de combate e de resistência à pobreza”, realizado

em setembro de 1995. No evento, foram apresentados trabalhos organizados por Luiz Inácio

Gaiger e publicados como livro em 1996. Em sua pesquisa, Gaiger analisa os projetos

alternativos comunitários da Cáritas Brasileira e os denomina como empreendimentos

solidários, classificando-os como experiências promissoras, inovadoras, viáveis para a

economia popular e seguidoras de princípios de solidariedade e cooperação econômica,

apoiadas na vivência comunitária. (LECHAT, 2002)

Outro evento o “III Encontro Nacional da Associação Nacional dos Trabalhadores em

Empresas de Autogestão e Participação Acionária – ANTEAG,” realizado em São Paulo nos

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dias 30 e 31 de maio de 1996. Neste evento não se utilizou o termo Economia Solidária mas

no livro do encontro, Paul Singer escreve no prefácio que, no bojo da crise do trabalho, a

Economia Solidária surge como solução, resultado da vontade de lutar, disposição ao

sacrifício e solidariedade. Lechat afirma que Singer já havia formulado esta proposta

publicamente em artigo publicado na Folha de São Paulo em julho de 1996, intitulado

“Economia Solidária contra o desemprego”. A autora ainda faz uma nota dizendo que a

proposta era de Paul Singer, mas foi Aloísio Mercadante que a batizou com o nome de

Economia Solidária. Esta constava também no programa de governo do Partido dos

Trabalhadores, por ocasião das eleições municipais na cidade de São Paulo, no período citado.

(LECHAT, 2002)

Ainda no ano de 1996 a Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus

Marília, forma o primeiro grupo de professores/as pesquisadores/as sobre a temática

Economia Solidária, denominado “Organizações e Democracia”, organizado por Cândido

Vieitez e Neuza Dal Ri. Em junho de 1996 este grupo de pesquisa realiza o “1º Simpósio

Nacional Universidade-Empresa sobre Autogestão e Participação”, que originou a primeira

publicação do grupo sobre suas pesquisas. Em novembro de 1998 o grupo realiza o 2º

Simpósio de mesmo nome do anterior. Nestes eventos participaram representantes de

empresas autogeridas, cooperativas e entidades diversas tais como a Confederação das

Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil – CONCRAB e a ANTEAG. A partir do 2º

Simpósio, o professor Singer uniu-se ao grupo de pesquisas e estudos da UNESP. (LECHAT,

2002)

Em dezembro de 1996 o Instituto de pesquisa da ONU para o desenvolvimento social

prepara a “Conferência sobre Globalização e Cidadania”, na qual o pesquisador Marcos

Arruda apresentou o texto “Globalização e sociedade civil: repensando o cooperativismo no

contexto da cidadania ativa”. Neste artigo o pesquisador defende o cooperativismo

autogestionário e solidário como proposta para o desenvolvimento social que privilegie a

diversidade do local e do nacional para a reconstrução do global. (LECHAT, 2002)

De 01 a 06 de dezembro de 1997, na cidade de Bertioga-SP, o PACS realizou o

“Encontro Internacional da Aliança para um Mundo Responsável e Unido”, no qual

aproximadamente duzentas pessoas, representando cerca de cinqüenta países, redigiram a

“Mensagem de São Paulo (da Aliança para um Mundo Responsável e Solidário)” em que

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estabeleceram os meios e objetivos para uma “[...] ação coletiva e coerente que no presente

reverta em um futuro benéfico para todos os povos e para o próprio planeta.”

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Também no ano de 1997 a Fundação Unitrabalho criou um grupo de pesquisas sobre

Economia Solidária, coordenado pelos professores Cândido Vieitez da UNESP, Paul Singer

da USP e Newton Brian da UNICAMP. Vários pesquisadores de outras universidades foram

convidados para compor o grupo. Após vários eventos e seminários o grupo propõe um

projeto de pesquisa de âmbito nacional intitulado “Economia Solidária e Autogestionária”

tendo em vista a amplitude desta realidade no Brasil. (LECHAT, 2002)

Em 1998 a terminologia socioeconomia solidária torna-se mais freqüente como

conseqüência dos estudos sobre o assunto, tanto por parte da acadêmica quanto das entidades

envolvidas na construção de uma proposta de economia solidária. Como resultado deste

quadro o PACS criou o “Canteiro de Socioeconomia Solidária” que promoveu diversos

eventos, dentre eles o “Encontro de Cultura e Socioeconomia Solidária” realizado em de 11 a

18 de junho de 2000, em Mendes, Rio de Janeiro. Tal acontecimento surgiu como efeito de

diversos encontros internacionais sobre autogestão e economia solidária ocorridos entre os

anos de 1988 e 1998. A magnitude do encontro revela-se com a consolidação da Rede

Brasileira de Socioeconomia Solidária – RBSES. No site da RBSES, Mance afirma o que

segue:

Constituída em junho de 2000 no Encontro Brasileiro de Cultura e

Socioeconomia Solidária realizado em Mendes, no RJ, com organizações de

economia solidária das diversas regiões do país, a Rede Brasileira de

Socioeconomia Solidária-RBSES é um bloco histórico em formação,

confrontando o sistema e a globalização capitalista, tendo um projeto de

construção, de baixo para cima, da socioeconomia solidária, afirmando os

valores do trabalho emancipado, propriedade e gestão cooperativas dos

meios de produzir as riquezas e reproduzir a vida, a constituição de sujeitos

do seu próprio desenvolvimento pessoal e social e o combate toda forma de

opressão e exploração econômica, política e cultural. A RBSES não disputa

a representação deste bloco histórico, sendo simplesmente uma parte dele,

interligada de forma colaborativa e mesmo confrontativa com outras partes

deste mesmo bloco.

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Em 1999 a Universidade Católica de Salvador reuniu em um Seminário intitulado

“Economia dos setores populares: entre a realidade e a utopia” os grupos de pesquisas já

citados dentre outras universidades e entidades com a finalidade de debaterem os

entendimentos teóricos que tais pesquisadores/as construíram ao longo de suas trajetórias. As

7 Texto integral disponível em http://www.socioeco.org/text/saopaulo.html. Acesso em 20/07/2010.

8 MANCE, Euclides. Rede Brasileira de Socioeconomia Solidária - Objetivos e Estratégia: uma apresentação sintética. Disponível em: http://www.solidarius.com.br/mance/biblioteca/rbses2.htm. Acesso em 20/07/2010.

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divergências e especificidades apontadas durante o seminário tornaram-no ainda mais

profícuo e resultou em um livro intitulado com o mesmo nome do evento. (LECHAT, 2002)

Muitas universidades têm se interessado cada vez mais pela temática de Economia

Solidária. Após este breve processo histórico do crescimento do tema na academia, é

importante ressaltar que atualmente há uma gama de pesquisadores/as responsáveis por uma

produção acadêmica rica no Brasil sobre Economia Solidária, que dialogam e trabalham

continuamente com as demais entidades apoiadoras de diversos modelos de grupos solidários.

Destacamos por fim a criação em 1995 da Incubadora Tecnológica de Cooperativas

Populares (ITCP), da Universidade Federal do Rio de Janeiro que, a partir dos pedidos para a

formação de cooperativas de trabalho tomaram a iniciativa de criar um modelo que mais tarde

resultaria numa expansão de incubadoras no Brasil e na criação em 1999 da Rede

Universitária das Incubadoras. (LECHAT, 2002)

De acordo com o site oficial da Rede Universitária de Incubadoras Tecnológicas de

Cooperativas Populares, seu objetivo principal e finalidade são “[...] desenvolver e disseminar

conhecimentos sobre cooperativismo e autogestão, contribuindo para o desenvolvimento da

Economia Solidária. Ela surge para integrar de forma dinâmica as incubadoras e favorecer a

transferência de tecnologias e conhecimentos.”

Até o presente ano, 2010, fazem parte da Rede Universitária as seguintes instituições

de ensino superior

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:

Centro Federal de Educação Tecnológica/BA - CEFET/BA; Centro Federal

de Educação Tecnológica/RJ - CEFET/RJ; Centro Universitário Cerrado -

Patrocínio – UNICERP; Centro Universitário Feevale – FEEVALE; Centro

Universitário La Salle – UNILASALLE; Faculdade Frassineti do Recife –

FAFIRE; Fundação Getúlio Vargas/SP- FGV; Fundação Santo André –

FSA; Fundação Universidade de Rio Grande – FURG; Univerisdade

Católica de Salvador – UCSAL; Universidade Católica de Pelotas – UCPEL;

Universidade Comunitária Regional de Chapecó – UNOCHAPECÓ;

Universidade de São Paulo – USP; Universidade do Oeste de Santa Catarina

– UNOESC; Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI; Universidade do

Vale dos Sinos – UNISINOS; Universidade Estadual da Bahia – UNEB;

Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP; Universidade Estadual de

Montes Claros – UNIMONTES; Universidade Estadual de Ponta Grossa –

UEPG; Universidade Estadual de São Paulo – UNESP; Universidade

Estadual do Mato Grosso do Sul – UEMS; Universidade Federal da

Bahia – UFBA; Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD;

Universidade Federal de Itajubá – UNIFEI; Universidade Federal de Juíz de

Fora – UFJF; Universidade Federal de Lavras – UFLA; Universidade

Federal de São Carlos – UFSCar; Universidade Federal de São João Del-Rei

– UFSJ; Universidade Federal de Viçosa – UFV; Universidade Federal do

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Espírito Santo – UFES; Universidade Federal do Mato Grosso do Sul –

UFMS; Universidade Federal do Paraná – UFPR; Universidade Federal do

Rio de Janeiro – UFRJ; Universidade Federal do Rio Grande do Sul –

UFRGS; Universidade Federal do Tocantins – UFT; Universidade Federal

Rural de Pernambuco – UFRPe; Universidade Regional de Blumenau –

FURB; Universidade Regional do Nordeste do Estado do RS – UNIJUI;

Universidade Salvador – UNIFACS.

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Infelizmente não há espaço para citarmos tantos/as autores/as importantes e tantas

pesquisas que foram e são realizadas sobre Economia Solidária, mas enfatizamos que a

temática de gênero precisa ser relevante nas discussões tanto nos grupos solidários, como

nos/as gestores/as e nas universidades.

Com o passar do tempo, os/as empreendedores/as e gestores/as da Economia Solidária

passaram a se organizar melhor, promovendo fóruns estaduais e regionais de Economia

Solidária, para a discussão sobre sua área de atuação, troca de experiências e para o

fortalecimento deste modelo econômico.

Algumas experiências de Economia Solidária marcam o início de uma trajetória que

culminará na expansão da temática na academia, citada anteriormente. Há um reconhecimento

que tais iniciativas merecem reflexões, pois são resultados da própria situação de exclusão

social na qual muitos grupos se encontram. Indagações sobre a maneira encontrada por estas

pessoas para a solução de suas demandas são apenas as primeiras de tantas outras tendo em

vista a diversidade de situações e especificidades dos grupos. Esses fatos requerem uma

reflexão, o registro histórico e entendimento teórico de como e por que determinados setores

da sociedade reagem às crises e as imposições do modelo capitalista.

A seguir relataremos três das primeiras experiências em autogestão conhecidas no

Brasil e das quais outras iniciativas seguiram o modelo. Esclarecemos que no mesmo período

de surgimento de tais experiências, outras aconteceram tão importantes quanto estas, no

entanto, apesar de não serem citadas não são desconsideradas. São elas: a Usina Catende, a

Cresol e a ANTEAG.

2.4 As primeiras experiências de Economia Solidária no Brasil: alguns exemplos de