Foto 1 – II Conferência Regional de Economia Solidária
4. Os capítulos
A dissertação está estrutura em quatro capítulos. No primeiro capítulo, abordamos a
maneira como as pesquisas históricas têm estudado a participação das mulheres na sociedade.
Com a expansão de movimentos feministas no mundo e inovações nas pesquisas históricas –
fato conhecido como “nova história” – há uma preocupação em entender a atuação das
mulheres na sociedade. A história das mulheres é fruto de diversos questionamentos e lutas de
militantes feministas e pesquisadores/as sobre método histórico tradicional que se dedica ao
registro dos grandes feitos do “homem” e dos grandes acontecimentos.
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A partir da emergência do conceito de gênero formulado por pesquisadoras feministas,
há uma preocupação em não fazer uma história descritiva dos feitos femininos, mas
interpretar os fenômenos que permitem relações desiguais entre mulheres e homens. Neste
sentido, esta pesquisa sobre a Rede de Economia Solidária de Dourados-MS procura
compreender os meandros da dominação masculina que permeiam muitas ações de gestores/as
e empreendedores/as solidários/as.
Para compreendermos a emergência da Economia Solidária e de que maneira esta se
tornou alternativa para as mulheres, fizemos reflexões sobre o processo histórico de sua
participação no mundo do trabalho a partir do século XIX.
As reflexões teóricas sobre a história das mulheres e de gênero permitiram o
desenvolvimento da discussão sobre a internacionalização crescente do capital, com vistas a
um mercado mundial unificado, que torna a globalização um processo excludente ao
alimentar uma crescente desigualdade nas situações de trabalho das mulheres e dos homens.
Foi possível demonstrar que as mulheres sempre trabalharam tanto no âmbito
doméstico (o mais desvalorizado) quanto no âmbito público, mas sempre como mão-de-obra
mais barata e explorada. Desta forma, as representações sobre o trabalho de mulheres foram
construídas de modo a subjugá-las. Mesmo na chamada era da inovação, é possível encontrar
uma grande quantidade de mulheres pobres, trabalhando a baixos salários e sob péssimas
condições, e aquelas que conquistaram o mercado ainda ganham menos que os homens.
Estudamos o crescimento da participação feminina no mundo do trabalho,
principalmente, a partir da década de 1990, sinalizando erroneamente uma conquista feminina
e a superação de diferenças entre mulheres e homens. No entanto, essa participação feminina
no mercado de trabalho tem-se voltado a trabalhos informais e precários, demonstrando que
as oportunidades de empregos e trabalhos dignos continuam desiguais para mulheres e
homens. No âmbito doméstico, esta situação se agrava. Apesar do acesso feminino a um
número maior de postos de trabalho em diversos campos, suas “ditas obrigações domésticas”
tiveram poucas transformações. Os afazeres domésticos permanecem sob responsabilidade
das mulheres mesmo quando estas exercem um trabalho fora do lar.
Neste contexto, no primeiro capítulo, abordamos as realidades distintas do processo
globalizador que possibilita o surgimento de iniciativas como as Redes de Economia
Solidária, enquanto alternativas para mulheres em situação vulnerável da sociedade
capitalista.
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No segundo capítulo desta dissertação, apresentamos reflexões acerca do conceito de
Economia Solidária e da história de seu surgimento no Brasil. Nesta leitura histórica,
registramos a importância dos movimentos sociais e suas lutas desde as décadas de 1970 e
1980 até a de 1990, período no qual se consolida o que atualmente denominamos Economia
Solidária. Percebemos que seu surgimento está ligado às primeiras experiências de autogestão
e cooperativas populares, atreladas às iniciativas de movimentos sociais para a construção de
alternativas de geração de trabalho e renda, na busca por qualidade de vida.
Neste sentido, o surgimento da Economia Solidária no Brasil coincide com uma
mudança nas estratégias de lutas dos movimentos sociais a partir da década de 1990.
Diferente dos períodos anteriores, os movimentos sociais utilizam redes sociais como
ferramentas para dialogar com o Estado para a conquista de soluções para problemas sociais
diversos, através de fóruns, reuniões e debates para implementação de políticas públicas. O
crescimento das ONG’s favorece a interlocução com diversos agentes sociais visto que na
década de 1990 estas passaram a ter mais importância e visibilidade que os movimentos
sociais.
Assim, o surgimento da Economia Solidária e sua expansão é fruto de diversas
experiências na busca por uma vida melhor por diversos grupos. Estas experiências foram
amadurecendo, seus/as pensadores/as recriaram projetos, metas, estratégias. Os/as
participantes avaliaram seus resultados, refletiram sobre as especificidades dos grupos, por
classe social, gênero, etnia, idade, etc. Outras demandas surgiram e através do diálogo com
diversos setores da sociedade os movimentos sociais construíram várias possibilidades para a
vivência em sociedade de forma democrática para todos/as. Dentre estas alternativas, as
Redes de Economia Solidária se destacam enquanto ferramenta viável para a geração de
trabalho e renda com dignidade.
No terceiro capítulo, tecemos reflexões sobre a Rede de Economia Solidária de
Dourados, Mato Grosso do Sul. Inicialmente, apresentamos um breve histórico da formação
do estado, demonstrando que na formação história da sociedade sul-mato-grossense apenas
algumas famílias foram beneficiadas por diversas leis e políticas agrárias voltadas à formação
de grandes propriedades.
Este quadro fez com que as desigualdades sociais, os problemas sociais ficassem
sempre em segundo plano, o que gerou ainda mais conflitos e taxas alarmantes de desemprego
e pobreza.
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Numa mudança de mentalidade política na cidade de Dourados-MS, a partir do ano
2000, a Prefeitura precisou pensar em estratégias de geração de trabalho e renda além do
trabalho assalariado tradicional. Seguindo exemplos de outras experiências de Economia
Solidária nas diversas cidades do Brasil, a Prefeitura iniciou suas atividades visando criar uma
estrutura funcional para dar origem a uma Rede de Economia Solidária na cidade.
Para tanto, a Secretaria de Assistência Social agregou a Economia Solidária como
política pública para emancipação social. Ligada e subordinada à Secretaria, foi criada uma
Superintendência de Economia Solidária para pensar, organizar a Rede na cidade e articular
ações, fazer parcerias e estudar estratégias que viabilizassem a implantação da Economia
Solidária na cidade de Dourados-MS.
Toda a estrutura montada com a finalidade de trazer a Economia Solidária à
Dourados-MS trouxe resultados positivos. Outras entidades nasceram para apoiar a Rede, como a ONG
Mulheres em Movimento, o Banco Comunitário Pirê e o Fórum Municipal de Economia
Solidária. A Rede cresceu de forma significativa até o ano de 2008, quando há uma mudança
de governo. Depois de 2009, a Rede perde o apoio da Prefeitura que tinha na gestão anterior
e, com isto, muitas pessoas se desvinculam da Rede. No entanto, desde 2009, permanecem na
Rede de Economia Solidária de Dourados-MS pequenos grupos que realmente acreditam na
proposta de uma economia voltada para a solidariedade e igualdade.
Apesar do pouco incentivo por parte do poder público, muitas ações da Rede
permanecem ativas. O Banco comunitário Pirê continua fazendo os empréstimos para os/as
empreendedores/as solidários/as. A moeda social Pirapirê continua circulando. Também
parcerias com as universidades e outras instituições permanecem. Mas os cursos de
qualificação não acontecem mais, pois estes eram realizados mediante parceria da Prefeitura
municipal com as escolas profissionalizantes do sistema “S”.
No entanto, a Rede de Economia Solidária de Dourados-MS é referência no estado de
Mato Grosso do Sul e na região Centro-Oeste como instrumento para o combate à pobreza e à
exclusão social.
No capítulo quatro, aprofundamo-nos no estudo da Rede de Economia Solidária de
Dourados-MS para compreendermos a participação das mulheres. Percebemos que mesmo
com o mérito da Rede, em oportunizar às diversas pessoas a capacidade de gerar renda apesar
do desemprego, muitas ações continuam permeadas por uma oculta dominação masculina.
A igualdade proposta pela Economia Solidária é um objetivo de difícil conquista,
principalmente porque vivemos em uma sociedade na qual as relações são desiguais. Desde a
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família, quando a criança nasce esta já inicia seu desenvolvimento aprendendo que na sua
casa um manda e outro obedece. Na escola esta construção continua e as diferenças entre
meninas e meninos são acentuadas. Desta forma, transferidos estes entendimentos das
relações sociais para o âmbito de trabalho, como se as desigualdades e diferenças fossem
naturais, concebidas em esfera aquém da ação humana.
Para compreendermos esta manutenção de relações desiguais, utilizamos neste
capítulo as reflexões de Lefebvre e Bourdieu. O primeiro afirma que as representações são
construídas na prática social, caracterizando-se por serem de natureza social, psíquica e
política ao mesmo tempo. O segundo autor ressalta que a dominação masculina não necessita
de justificativa para sua existência, para pautar as relações sociais. Construída nas práticas,
nos discursos, ela se enuncia como uma evidência, uma lógica de difícil ruptura.
Ambos os autores contribuíram para o entendimento nesta dissertação de que as
relações sociais desiguais são construídas socialmente e de difícil ruptura. No entanto, a
Economia Solidária se mostra como alternativa viável para vivermos uma sociedade diferente,
pautada na igualdade. Mas a Economia Solidária em Dourados-MS está apenas no início de
seu desenvolvimento. É preciso reconhecer seus avanços e suas contribuições para a
emancipação das mulheres. Mas para que os empreendimentos trabalhem de acordo com seu
real significado, as relações de gênero precisam ser refletidas e discutidas nesta construção de
uma sociedade melhor.
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No documento
TECENDO A IGUALDADE: REFLEXÕES SOBRE GÊNERO E TRABALHO NA REDE DE ECONOMIA SOLIDÁRIA EM DOURADOS-MS (2000-2008)
(páginas 30-35)