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Breve histórico do espetáculo

No documento A atenção e a cena (páginas 129-133)

4. A atenção como vetor de criação da cena

4.1 Breve histórico do espetáculo

Há muito tempo tinha a vontade de fazer uma montagem do texto ―Noites Brancas‖ de F. Dostoiévski. Imaginei uma montagem realista do texto. Seria possível? Em 2004 vi uma encenação realista do texto, que tinha o mesmo nome do

texto em português, ―Noites brancas‖, empreendida pelos atores mineiros Luís Artur e Débora Falabella, sob a direção de Yara de Novaes. Percebi que era muito difícil, em uma montagem realista, feita através dos procedimentos estabelecidos por Stanislávski de uma criação psicológica, atingir a ironia contida no texto do romancista e novelista russo. Deixei o projeto da montagem congelado por mais um tempo.

Em 2007 formou-se o ―Núcleo Sofia‖, núcleo interdisciplinar de pesquisas em arte e educação que se propunha a ser um espaço de pesquisa no qual cada membro poderia trazer sua própria pesquisa para ser desenvolvida. Por ocasião da formação de tal núcleo, retomei o projeto de construção do texto ―Noites brancas‖, já pensando na possibilidade de desenvolvê-lo com um olhar não psicológico.77

Aliaram-se nesta pesquisa duas coisas: os estudos sobre a obra de Dostoiévsk e os estudos sobre a atenção do ator no processo criativo. Isto acabou por marcar o espetáculo como um desdobramento de nossa pesquisa de mestrado.

Depois de um período de intensos estudos, ao invés de trabalhar com atores, decidi convidar as pessoas do próprio ―Núcleo Sofia‖, já envolvidas no estudo da obra ―Noites Brancas‖, para participarem do espetáculo como atrizes. Ravena Sena Maia e Hanna Araújo, respectivamente formadas em Comunicação Social e Pedagogia, aceitaram prontamente participar como atrizes do espetáculo, apesar de não possuírem uma experiência anterior como tal.

Tal convite não se deu por acaso. Pensei que uma pessoa que tem formação de ator, qualquer que seja, já está imbuída de uma técnica, o que inviabilizaria o método de trabalho que queria desenvolver. Mesmo eu tive muitas dificuldades em

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Esta pesquisa foi em 2008, contemplada pelo Fundo de Investimentos Culturais de Campinas (FICC), que através do seu financiamento possibilitou a realização do projeto.

me apropriar da questão da atenção, como ator, sem me remeter a todo treinamento Stanislávskiano, brechtiniano, grotowiskiano, entre outros, dos quais estou totalmente impregnado. Na verdade meu corpo não consegue esquecer esta técnica pela qual o treinei durante os quatro anos de graduação e a qual, ainda hoje, utilizo para o ensino de teatro.

Mas as não-atrizes78 Hanna e Ravena, que não tinham nenhuma técnica

anterior, eram sujeitos interessantes para testar a possibilidade de construir um treinamento e uma criação baseadas na atenção. Em julho de 2009 demos início aos ensaios.

Construí uma série de jogos e exercícios de atenção. Estes foram complementados por uma preparação corporal ministrada por Nadya Moretto, participante, e por uma preparação vocal conduzida por Rafael Vanazzi, pesquisadores do Núcleo Sofia - formados, respectivamente, em dança e em música.

Também convidei para participar do projeto Milton de Almeida, artista plástico e professor da Faculdade de Educação da UNICAMP, que ficou responsável por trazer, a partir da cena, estímulos em forma de textos, músicas e imagens; e Lucia Reily, arte-educadora e professora do Instituto de Artes e da Faculdade de Ciências Médicas da UNICAMP, que ficou responsável pela orientação estética a fim de tornar o espetáculo acessível a deficientes visuais e auditivos.

Toda a equipe somou esforços visando a desenvolver estratégias para que o espetáculo cênico fosse desenvolvido a partir da atenção. Muitas vezes a atenção também serviu como mote direto de nossas pesquisas. Por exemplo, quando ao ler

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Utilizo o termo não atrizes para designar, neste caso, Hanna Araújo e Ravena Sena Maia. Digo isto para salientar não só sua inexperiência no fazer teatral como também a ausência de um treinamento técnico anterior ao projeto.

o texto ―Noites brancas‖, nos perguntamos o que chamava a nossa atenção, ainda hoje, neste texto.

O primeiro tema que surgiu das discussões sobre a leitura do texto foi o da incapacidade de comunicação entre as pessoas, falar e não ser entendido. Nos deparamos com uma crescente dificuldade em estabelecer uma comunicação direta e efetiva com o outro, mesmo com a proliferação dos meios de comunicação dos últimos anos. Este ponto me remeteu diretamente à questão do teatro e à dificuldade dos atores em dizer o que querem aos espectadores, e por isso tomei-a como pertinente.

Ao desenvolver o assunto chegamos à compreensão de que uma comunicação efetiva, ou a impossibilidade de que ela aconteça, só poderia ser descrita, metaforicamente, por meio da ideia de encontros e desencontros, e que este era o assunto da obra de Dostoiévski que mais ressoava em nós. Mas o resultado que eu queria, na cena, não poderia ser alcançado através dos procedimentos tradicionais de treinamento. Decidi reinventar estes procedimentos exacerbando o que tinham de atencionais.

Partindo do mote encontro e desencontro todos trouxeram diversos materiais de trabalho para o processo de criação, dentre os quais podemos citar textos, músicas, cartas e histórias pessoais, entre outros. Mais que isso, todos trouxeram à sala de ensaio sua história pessoal.

Em paralelo ao trabalho de levantamento de materiais, pesquisa e discussão, foi desenvolvido com as não-atrizes um processo de preparação, baseado na atenção, sobre o qual discorreremos adiante.

Dentre as principais obras que nos inspiraram, partindo do eixo temático encontro/desencontro, acabaram restando de forma direta no espetáculo os textos:

―Noites Brancas‖ de F. Dostoiévski, ―Balada do Café Triste‖ de Carson McCullers e ―Uma boa, boa cidadã‖ de Abbas Kiarostami.

No documento A atenção e a cena (páginas 129-133)