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CAPÍTULO III – União estável

1. Breve histórico

Importante a notícia histórica sobre a união estável, para esclarecer porque, a maior parte da doutrina, apresenta diferentes terminologias como, concubinato, união informal, família sem casamento, casamento de fato, companheirato198, concubinato puro e impuro. Posteriormente, será estabelecida a distinção entre união estável e concubinato.

Necessário também se faz o apontamento histórico, para que se possa compreender amplamente as questões relativas à união estável, ademais, este breve histórico parece possibilitar a compreensão do instituto, bem como toda a repercussão que esta figura jurídica projeta nos dias de hoje.

De acordo com Guilherme Calmon Nogueira da Gama, “entre os persas, hindus, chineses, em todas as áreas submetidas às suas influências, o concubinato era admitido.”199

Na Grécia antiga há notícia de concubinatos permeando a cultura grega, segundo Adahyl Lourenço Dias, “destacam-se, em a voz da história, célebres concubinas, que tiveram nobre atuação na cultura dos gregos, notadamente Aspásia, que ensinou retórica, em aulas próprias, a grande número de alunos, inclusive velhos gregos. Natural de Mileto, uma das cidades do Mar Egeu, considerada estrangeira, não podia casar-se com Péricles. Viveram juntos e felizes, em concubinato público e histórico. Antes de viver com Péricles, Aspásia se tornara concubina de Sócrates, e, depois da morte deste, de Alcebíades.”200

O direito romano também conheceu o concubinato como uma das formas de união, paralela ao casamento regulado pelo ius civili.

Foram os romanos que trouxeram a idéia de casamento, tratava-se de um casamento com conotação religiosa, as iustae nuptiae cum ou sine manu, modo pelo qual os romanos constituíam famílias legítimas. Ao lado das iustae nuptiae cum, o direito romano conheceu outras formas de uniões que se caracterizavam dependendo da solenidade e das pessoas que a celebrariam, assim, denominava-se sine connubio ou

198 Expressão utilizada por Hélio Borghi, União estável e casamento, São Paulo: Editora Juarez de

Oliveira, 1.ed., 2000, p. 01.

199 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 97.

matrimonium iuris gentium o casamento realizado entre peregrinos; o contubernium era

a união entre escravos ou entre estes e pessoas livres e, o concubinatus representava a união de pessoas livres e desimpedidas.201

Apesar de constante o concubinato no Império Romano, não era reconhecido como instituto jurídico, conforme Álvaro Villaça Azevedo, “o instituto do

concubinatus, que se apresentava, em Roma, pela convivência estável de homem e

mulher, livres e solteiros, como se fossem casados, mas sem a affectio maritalis e a

honor matrimonii. Não era proibido, nem considerado atentatório à moral.”202

Ebert Chamoun corrobora: “é certo que no primeiro século do Império o concubinato era freqüentíssimo, inclusive entre homens de grande moralidade, e não produzia quaisquer efeitos jurídicos.”203

Pode-se dizer, de acordo com Álvaro Villaça Azevedo, que tendo o Imperador Augusto aditado a Lex Iulia et Papia Poppaea de maritandis ordinibus estabelecendo impedimentos às uniões com mulher de classe social inferior e a Lex Iulia

de Adulteriis, sancionando relações extraconjugais com mulheres ingênuas e de posição

social honrada, essas leis teriam, indiretamente, regulado o concubinato, contribuindo para sua difusão no período pós-clássico.204

Ensina José Carlos Moreira Alves que “esse panorama se modifica no direito pós-clássico, sob os imperadores cristãos, que transformam o concubinato em instituto jurídico, e que, para combatê-lo em favor da família legítima, inferiorizam a condição da concubina e de seus filhos, procurando, de outra parte, estimular os concubinos a contraírem matrimônios legítimos.”205

Ebert Chamoun assevera que “no Baixo Império torna-se o concubinato um casamento inferior, embora lícito. Com os imperadores cristãos começa a receber reconhecimento jurídico. Distinguem eles os filhos nascidos de concubinato (liberi

naturales), que se podem legitimar per subsequens matrimonium, dos vulgo quaesti ou spurii oriundos de uniões sexuais passageiras. Favorece-se, assim, a transformação do

concubinato em matrimônio através da legitimação dos filhos.”206

201 Consultar Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 19; Ebert Chamoun, Instituições de Direito Romano, Rio de Janeiro: Forense, 5.ed., 1968, p. 166; Adahyl Lourenço Dias, A concubina, cit., p.23. 202 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 19.

203 Ebert Chamoun, Instituições, cit., p. 166.

204 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 20. 205 José Carlos Moreira Alves, Direito, cit., p. 377. 206 Ebert Chamoun, Instituições, cit., p. 167.

Foi com o Imperador Constantino que o concubinato passou a ser considerado ilegal, pois ele revogou a legislação do Imperador Augusto, incentivando o casamento aos concubinos.

Na época do Imperador Justiniano, foram traçadas algumas normas, favoráveis ao concubinato. Forçado a resolver o problema dos filhos advindos das relações concubinárias, o Imperador Justiniano, indiretamente estabeleceu certos requisitos ao concubinato, nomeando-o de concubinatus legitimus. Dentre os requisitos exigidos, os concubinos deveriam ser livres; a relação deveria ser única, o que implica em fidelidade e exigia-se a co-habitação, aos olhos de todos deveriam ser vistos como uma família.207

Conclui Álvaro Villaça Azevedo: “com o ensinamento de Pietro Bonfante, segundo o qual pode entender-se o concubinato, no direito justinianeu como uma relação estável de um homem com uma mulher de qualquer condição e de qualquer posição social, ingênua ou liberta, sem a affectio maritalis e a honor matrimonii. Este motivo espiritual é, na verdade, a única distinção que, a essa época, existia entre o concubinato e o casamento.”208

Com a invasão dos bárbaros e a queda do Império Romano, verificou-se o concubinato em algumas tribos, como a dos povos gauleses, onde a concubina do chefe era respeitada pelos demais, na tribo celta, a concubina era equiparada à mulher casada, entre os germanos e francos, por sua vez, o concubinato não era aceito.209

De acordo com Álvaro Villaça Azevedo, “o concubinato foi admitido pelas leis sálicas (dos francos sálios) e bárbaras, tendo sido tolerado pela Igreja Católica nos primeiros séculos. Acontece que ocorreu uma degeneração de uniões concubinárias, com costumes os mais variados, chegando ao interior dos conventos, em ameaça de quebra dos alicerces clericais.”210

O concubinato, a princípio foi tolerado pela igreja Católica, o que se verifica nos Concílios de Toledo (ano 400 d. C.) que admitiu o concubinato desde que o homem não fosse casado, no mesmo sentido os Concílios de Mayença (ano 815) e Tribur. Em outra fase, o Cristianismo combateu o concubinato, culminando essa

207 Consultar: Adahyl Lourenço Dias, A concubina, cit., p. 29; José Carlos Moreira Alves, Direito, cit., p.

377; Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p. 97.

208 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 23. 209 Adahyl Lourenço Dias, A concubina, cit., págs., 34/36.

210 Adahyl Lourenço Dias, A concubina e o direito brasileiro, São Paulo: Saraiva, 3.ed., 1984, p. 15, Apud

reprovação com o Concílio de Trento que em 1963 estabeleceu as seguintes medidas: “a) proibição do matrimônio presumido; b) estabelecimento da obrigatoriedade do matrimônio somente poder ser contraído perante um pároco, em cerimônia pública com duas testemunhas; c) criação dos registros paroquiais, que passaram a conter os assentos dos matrimônios, controlados pelas autoridades eclesiásticas da paróquia; d) proibição do concubinato, cominando penas severas contra os concubinos, tais como a excomunhão e a qualificação de hereges.”211

“Por toda a Idade Média até a Moderna, apesar da campanha empreendida pela Igreja, nunca foi evitado, nunca deixou de existir. E, se os canonistas o repudiavam de iure divino, os juristas sempre o aceitaram de iure civile.”212

Na Idade Moderna, “a união não-matrimonial só desponta como elemento de negociação jurídica a partir da instituição do casamento civil, no século XVI e nos séculos posteriores acentuou-se a tendência de legislar-se sobre essa matéria.”213

Na Idade Contemporânea, começam a surgir mudanças, através da jurisprudência francesa, começam a solucionar os problemas resultantes do concubinato. Segundo Rodrigo da Cunha Pereira, “começam a operar mudanças a partir da primeira metade do século XIX, quando os tribunais franceses apreciam e consideram as pretensões das concubinas. Esta relação passa a ser vista sob dois aspectos: sociedade com caráter nitidamente econômico e como obrigação natural quando, rompida a relação, havia promessa de certas vantagens à ex-companheira.”214 O Brasil, influenciado pelas Ordenações Filipinas215, não regulava o concubinato, mas também não o proibia. As proibições que se verificam são as doações feitas pelo homem casado à concubina. 216

Como anota Edgard de Moura Bittencourt: “no Brasil, anteriormente ao Código Civil, as leis referiam-se ao concubinato para aplicar sanções a atos que dele

211 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., págs. 100/101. Consultar ainda:

Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 27.

212 Caio Mário da Silva Pereira, Concubinato – sua moderna conceituação, Revista Forense, v. 190, p. 14. 213 Guilherme Calmon Nogueira da Gama, O companheirismo, cit., p.102.

214 Rodrigo da Cunha Pereira, Concubinato, cit., p. 17.

215 Segundo Everaldo Augusto Cambler, Comentários ao Código Civil Brasileiro – Parte geral, coords.

Arruda Alvim e Thereza Alvim, Rio de Janeiro: Forense, v.1 (arts. 1º a 103), 2005, p. 05: “As ordenações constituem os corpos de leis que os reis de Portugal, no período entre a metade do Século XV e o início do XVII, mandaram cumprir, principiando pelas Afonsinas, de D. Afonso V, a partir de 1446/1447, passando pelas Manuelinas, de D. Manuel I, editadas de maneira definitiva em 1521, e terminando com as Filipinas (Ordenações do Reino), de D. Felipe II de Espanha (Felipe I, em Portugal) – Cf. Ignácio M. Poveda Velasco, Ordenações do Reino de Portugal, pp. 57-75.”

decorressem, conforme as normas reproduzidas nas Consolidações de Teixeira de Freitas e Carlos Carvalho.”217 Álvaro Villaça Azevedo reproduz o artigo 147 da Consolidação das Leis Civis de Teixeira de Freitas, que “possibilita à mulher casada, independentemente de autorização do marido, reivindicar bens móveis ou imóveis, que tenham sido doados ou transferidos por este à sua concubina.” Assim como o artigo 1.483, parágrafo 2º, letra e, inciso 3, da Consolidação das leis Civis de Carlos Augusto de Carvalho, do qual se extrai que “em princípio, a mulher casada não pode estar em juízo sem autoridade e procuração de seu marido, prescindindo, entretanto, dessa autorização para a prática dos atos nesse dispositivo enumerados, dentre os quais a reivindicação dos bens doados ou alienados por seu cônjuge à sua concubina ou a qualquer outra mulher com quem tenha praticado relação sexual.”218

Com a proclamação da República, em 1890, surgiu o Decreto 181 de 24.01.1890 que de acordo com Álvaro Villaça Azevedo, “secularizou o casamento. A partir dele, o formalismo tomou conta da legislação brasileira, em matéria de casamento, reeditando-se o sistema no Código Civil. Com isso, deixou o Estado brasileiro não só de considerar o casamento de fato (por mera convivência duradoura dos cônjuges), bem como o casamento religioso, que hoje, por si só, sem o posterior registro civil, é considerado concubinato.”219

Regulado ou não, o concubinato, entendido como a relação informal e livre, entre homem e mulher sempre existiu em nosso país. E quando os concubinos se encontravam prejudicados ao término desta relação, ou melhor, a concubina era a mais prejudicada, pois em muitas situações, se os concubinos adquiriam bens, estes ficavam geralmente, registrados apenas em nome do concubino. Nesse panorama, os Tribunais resolviam os casos concretos no âmbito do Direito das Obrigações, tratando as relações concubinárias como sociedade de fato ou reconhecendo indenização por serviços domésticos prestados pela concubina ao concubino, visando coibir o enriquecimento ilícito.

Nesse panorama as palavras de Edgard de Moura Bittencourt: “o fundamento exato de toda a construção jurisprudencial não é, na rigidez dos conceitos, a sociedade de fato ou a prestação de serviços. O fulcro da decisão, confessada ou omitida

217 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato no direito, Rio de Janeiro: Editora jurídica e

universitária, v. 1, 2.ed., 1969, p.46.

218 Álvaro Villaça Azevedo, Do concubinato, cit., p. 69.

219 Álvaro Villaça Azevedo, União estável antiga forma do casamento de fato, Revista dos Tribunais, n.

a verdadeira razão, assenta-se na inadmissibilidade do enriquecimento ilícito, pois o homem, que se aproveita do trabalho e da dedicação da mulher, não pode abandoná-la sem indenização, nem seus herdeiros podem receber a herança sem desconto do que corresponderia ao ressarcimento. O equilíbrio econômico, que impede o enriquecimento ilícito, é a principal razão da sentença; a construção da partilha pela sociedade de fato ou da remuneração de serviços constituem, em última análise, simples técnica de julgamento.”220

Lentamente, por força da jurisprudência, os concubinos foram conquistando direitos, até que a Constituição Federal de 1988, no artigo 226, §3º, reconheceu, com o nome de união estável, a entidade familiar formada pelo homem e pela mulher desimpedidos de casar. A Constituição Federal nada mais fez do que reconhecer e explicitar uma situação que era imanente e inegável em nossa sociedade.

Nota-se que antes da regulamentação do artigo 226, §3º da Constituição Federal, algumas leis avulsas foram conferindo direitos aos conviventes, como a Lei nº 6.015/73, art. 57, §2º que reconhece o direito da mulher em usar o nome de seu companheiro; Lei 8.069/90, art. 42 que prevê a possibilidade de adoção por concubinos; Lei 8.009/90, art. 1º que estipula bem de família imóvel residencial de entidade familiar; Lei 8.213/91, art. 16, I que dispõe ser o companheiro dependente; Lei 8.245/91, arts. 11 e 12 que sub-roga o companheiro nos direitos do locatário; Lei 8.560/92, art. 2º que dispõe sobre o reconhecimento de filhos.

Em relação à jurisprudência, destacam-se os seguintes avanços: indenização acidentária (Súmula 35 STF)221; meação dos bens (Súmula 380 STF)222; dispensabilidade da convivência more uxorio (Súmula 382 STF)223; testamento para filho adulterino (Súmula 447 STF)224, além, da já mencionada indenização por serviços domésticos prestados225.

220 Edgard de Moura Bittencourt, O concubinato, cit., p. 61.

221 Dispõe a Súmula 35 STF: “Em caso de acidente do trabalho ou de transporte, a concubina tem direito

de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio.”

222 Súmula 380 STF: “Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua

dissolução judicial, com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum.”

223 Súmula 382 STF: “A vida em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é indispensável à

caracterização do concubinato.”

224 O artigo 1.803 do Código Civil de 2002, consagra esta Súmula. Dispõe que: “É lícita a deixa ao filho

do concubino, quando também o for do testador.”

225 Sobre indenização por serviços domésticos prestados, alguns julgados: TJRS - quarto grupo de

câmaras cíveis - embargos infringentes nº 596160853 – Rel. Eliseu Gomes Torres – j. 08.11.1996; TJRS – 7ª Câm. – Apelação cível nº 597206499 – Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves - j. 17.12.1997; TJSP – Apelação cível nº 4.062-4 – Rel. Ruy Camilo – j. 18.11.1997.

Posteriormente, surgiram as Leis nº 8.971 de 29 de dezembro de 1994 regulando o direito a alimentos e sucessão entre os companheiros e a Lei nº 9.278 de 13 de maio de 1996 que trouxe direitos e deveres. Por fim, com o advento do Código Civil de 2002, Lei nº 10.406 de 10 de janeiro de 2002, a união estável se consolida no Direito de Família.

Gustavo Tepedino sintetiza em três fases a evolução doutrinária, jurisprudencial e legislativa referente à união estável: “a) a primeira tem início com a rejeição pura e simples do concubinato, estigmatizado pelo Código Civil de 1916 como relação adulterina, culminando com a sua assimilação pela jurisprudência no âmbito do direito obrigacional (...); b) em seguida, delineia-se nitidamente a relevância atribuída pelo legislador especial ao concubinato (desde que não adulterino), não mais como mera relação de direito obrigacional mas como vida lícita em comum (...); c) a terceira fase, finalmente, compreende a tutela constitucional das entidades familiares não fundadas no matrimônio (...)”226

No documento RESPONSABILIDADE CIVIL NA UNIÃO ESTÁVEL (páginas 60-67)