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2. SALA E EXIBIÇÃO: UM POUCO DA CADEIA PRODUTIVA E UM SOBREVÔO

2.2. Uma breve revisão bibliográfica

Em uma primeira etapa da pesquisa, recorri a Enciclopédia do Cinema Brasileiro (1997), organizada por Fernão Ramos e Luis Fernando Miranda. Nesta compilação, há um verbete inteiramente dedicado às Salas de Cinema, escrito por Hernani Heffner. Nesse verbete, Hernani traçou um rápido panorama da história das salas de cinema no país. Um outro verbete muito útil a essa pesquisa foi o Exibição, escrito por André Gatti, com uma perspectiva bem mais mercadológica do que a trazida por Hernani.

O primeiro trabalho realizado com foco específico sobre salas de cinema que tive conhecimento foi Salões, Circos e Cinemas de São Paulo (1981), de Vicente de Paula Araújo, publicado pela editora Perspectiva. Nesse estudo, Vicente de Paula se utilizou basicamente de jornais que circulavam na época, principalmente os jornais O Comércio de São Paulo e O

Estado de São Paulo. Ele organizou o material pesquisado cronologicamente. Parte do texto são os próprios anúncios e notas encontrados nesses jornais, referindo-se às programações das mais diversas formas de lazer na cidade paulista, que incluíam desde exposições de animais a circos dos mais diversos. Todavia, o norte do livro é o cinema. Assim, a atenção do pesquisador sempre volta sobre este tema, por mais que outras opções de entretenimento estejam presentes na compilação.

Em um livro lançado quase uma década depois, também sobre as salas de cinema paulistas – Salas de Cinema de São Paulo (1990), de Inimá Simões – Maria Rita Kehl, responsável pelo prefácio do livro, levou-me a pensar em algo extremamente valioso para esta pesquisa: “(...) tão importante quanto o gênero do filme e o elenco era a sala de o cinema, parte integrante do sonho cinematográfico do paulistano. (KEHL In SIMOES, 1990, p.07). Ela alertou para a experiência de recepção cinematográfica distinta da que eu tinha vivido na adolescência. Na minha vivencia, o diretor e o título do filme eram o mais importante, enquanto que, para o espectador nos anos 60, o que tinha maior representatividade eram o gênero, os atores e a própria sala de cinema.

A pesquisa de Inimá Simões tentou entender o porquê de nos anos 80 ter ocorrido o desfalecimento de espaços de exibição, já que eles tinham sido verdadeiros palácios. O objetivo era compreender o que havia acontecido com esse mercado. Junto com a equipe Técnica de Cinema da Divisão de Pesquisas do Centro Cultural São Paulo/CCSP, Simões realizou um levantamento das salas de cinema na cidade. As fontes consultadas por essa pesquisa são bastante diversificadas, alcançando desde jornais e revistas da época a depoimentos, passando pelo vasto material quantitativo advindo do antigo Departamento de Estatísticas do Estado, atual SEADE (Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados).

No trabalho de Alice Gonzaga, Palácios e Poeiras: 100 anos de cinemas no Rio de

Janeiro (1996), publicado pela Record, há também uma diversificada gama de fontes primárias. Alice é filha de um dos primeiros grandes empresários do cinema no país, Adhemar Gonzaga29, fundador da Cinédia. Nesse livro, Alice contou com grande acervo de Adhemar e Álvaro Rocha, material recolhido ao longo de anos sobre as salas de cinema no Rio de Janeiro. Rocha acreditava que o registro desses espaços seria muito importante para a posteridade e tratou de documentar em registro fotográfico as salas de espetáculo cariocas. Anos depois da morte de Álvaro e Adhemar, Alice se deparou com esse material iconográfico e, com a ajuda de Hernani Heffner e Lécio Augusto Ramos, sistematizou esses documentos, então publicados em forma de livro.

Na organização do material pesquisado no acervo de Gonzaga, a preocupação recaiu na história do Rio de Janeiro, o contexto das salas de cinema. Para tal, foram incluídas outras fontes, como jornais da época. A sistematização se seguiu em ordem cronológica, assim como os outros trabalhos aqui elencados, com a presença de notas e trechos dos arquivos e principalmente com a presença de material iconográfico. O estudo abrange desde os primeiros espaços de exibição com cinematographo, passando pela formação da Cinelândia e a crise desse mercado, até a chegada das salas de cinema nos shoppings centers. A trajetória das salas de cinema seguiu as transformações urbanas. No final do livro, há um índice cronológico com todas as salas mapeadas ao longo de um século de história, de 1896 a 1995. Na organização dos dados, há informações como nome da sala (inclusive denominações anteriores), endereço, empresa exibidora, lotação, período de permanência e funcionamento.

Ainda nos anos 90, outro estudo foi realizado por ocasião dos 100 anos do cinema em Belo Horizonte. O estudo foi coordenado por José Márcio Barros e a pesquisa histórica ficou a cargo de Ataídes Braga, que também realizou o texto junto com Carla Ferreti Santiago, Fábio Leite e João Maia. Esta publicação partiu da necessidade de se registrar os espaços dedicados à exibição cinematográfica como atividade principal em Belo Horizonte. Ao longo dessa trajetória, os autores identificaram quatro épocas distintas: “(...) a da novidade, que vai até o final dos anos trinta, a da difusão, que cobre os anos quarenta e cinquenta; o declínio, anos sessenta e setenta, e a fase do consumo, que vem dos anos oitenta até hoje.” (BRAGA et al, 1995, p. 07)

29 Adhemar Gonzaga (1901 – 1978) foi crítico, pesquisador, empresário, roteirista. Defendia a produção de

filmes brasileiros ao moldes hollywoodianos. Dessa maneira, chegou a estudar nos Estados Unidos e fundou a Cinédia, um estúdio cinematográfico, sendo a primeira tentativa de industrializar a produção nacional. Na Cinédia foram produzidos mais de cinquenta filmes, entre eles Barro Humano (1929) e Alô, Alô Carnaval (1936).

Em 2005, foi publicado o trabalho do historiador André Malverdes. Sua motivação foi a de buscar entender mais sobre esses espaços na cidade onde ele se criou e formou, Vitória (ES). O desejo pelo tema surgiu ainda na graduação e o acompanhou até o Mestrado, ambos realizados na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Dessa pesquisa, surgiu a publicação patrocinada pela Secretaria de Turismo, Cultura, Esporte e Lazer do Estado e do Conselho Municipal de Cultura da Serra (ES).

Malverdes partiu de consultas a vários acervos institucionais e pessoais, como também de entrevistas. Fez extensa pesquisa bibliográfica e estruturou o seu trabalho abordando a historiografia do cinema nacional; as políticas de Estado sobre o mercado exibidor; a EMBRAFILME e as pornochanchadas nos anos 70; as salas de cinema do Espírito Santo, desde as primeiras, passando pela época de ouro, até chegar ao fechamento das mesmas. Quando se referiu ao cinema no Brasil, Malverdes utilizou-se de Paulo Emílio Salles Gomes e Jean Claude Bernardet. Também citou o trabalho de Vicente de Paula Araújo, Salões, Circos

e Cinemas de São Paulo (1981). No segundo capitulo, Malverdes tratou as políticas estatais de proteção ao filme brasileiro, em especial a obrigatoriedade da exibição das obras nacionais. E então nos capítulos finais, dedicou-se a narração das salas de cinema na Grande Vitória, com presença de imagens e recortes de dados diversos.

Um dos trabalhados com recorte mais diferenciado sobre as salas de cinema certamente foi o de Alexandre Fleming. Essa etnografia partiu do mestrado em Antropologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), cujo objeto de estudo foi o grupo frequentador do Cine Jangada, em Fortaleza, durante os anos 70. Este período pesquisado foi próximo ao fechamento da sala, quando se observou uma reorganização do grupo frequentador deste cinema, por conta de alterações substanciais dentro do mercado cinematográfico. Trata-se de um estudo de cunho sócio-cultural em contexto específico. O grupo pesquisado era tido como marginal pela sociedade, por associar o imaginário do cinema pornô homossexual àquele espaço. Ao final do seu livro, Fleming listou os filmes exibidos na sala durante o momento de sua pesquisa. Esse fato me intrigou e motivou. Afinal, ele foi o único que considerou importante mapear a programação dessas salas, uma preocupação para além do espaço físico em si.

Em 2013 será publicado um trabalho sobre as salas de cinema de Niterói, fruto da pesquisa de Rafael de Luna Freire. O estudo está sendo realizado através de projeto selecionado em edital público do INEPAC (Instituto Estadual de Patrimônio Artístico e Cultural) do Estado do Rio de Janeiro. Enquanto não finaliza o livro, Freire alimenta

periodicamente dados referentes à pesquisa no blog Cinemas de Niterói30, com iconografia e um espaço aberto para quem tiver relato de vivencia em alguma dessas salas.

Percebe-se com esses trabalhos31, que os métodos são bem diversificados, assim como a formação da maioria dos pesquisadores que trabalham nessa linha. Pelas publicações aqui relatadas, percebemos que as pesquisas em questão se concentram majoritariamente na região sudeste, sendo o trabalho de Alexandre Fleming o único a se originar em outra região. Não foi encontrado ao longo do trabalho de pesquisa bibliográfica nenhum trabalho feito na região centro-oeste, o que nos revela um cenário muito desolador nesse campo. Entretanto, em Brasília, alguns pesquisadores contribuíram bastante para que esse trabalho fosse feito, como é o caso de Sergio Moriconi e Berê Bahia.

Berê Bahia publicou junto ao Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, um catálogo sobre os trinta anos do mesmo, o que tem muito valor para a pesquisa em questão, uma vez que relata a primeira edição desse Festival, ainda como Semana do Cinema Brasileiro. Já Sérgio Moriconi lançou no dia 20 de Dezembro de 2012 o livro Apontamentos para uma

história do cinema brasiliense (2012), parte da coleção de outros 13 livros sobre a história cultural de Brasília, mas que não esteve disponível até a conclusão dessa pesquisa em questão.