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Sobre um debate e a problemática do mercado cinematográfico

2. SALA E EXIBIÇÃO: UM POUCO DA CADEIA PRODUTIVA E UM SOBREVÔO

2.1. Sobre um debate e a problemática do mercado cinematográfico

No dia 17 de outubro de 2012, presenciei um debate intitulado Por que os filmes não

chegam aos expectadores? em Brasília, parte integrante da mostra de cinema CCBB em

cartaz22. A discussão foi sobre a distribuição e exibição cinematográfica no país. Nessa ocasião, pude constatar um fato que ocorre tanto no mercado cinematográfico23 brasileiro quanto dentro do universo acadêmico: a negligência acerca da exibição e distribuição cinematográfica.

Nesse debate estiveram presentes cinco representantes de cinco distribuidoras

alternativas, com filmes programados nessa mostra. Os mesmos discutiram as dificuldades dentro desse panorama exibidor e reclamaram da falta de uma política pública a respeito. Estiveram presentes André Sturm (Pandora Filmes), Caio Baú (Moro Filmes), Raffaele Petrini (Petrini Filmes), Silvia Cruz (Vitrine Filmes) e Suzy Capó (Festival Filmes). Compunham a mostra ainda mais outras duas distribuidoras, cujos representantes não puderam estar presentes na ocasião: Lume Filmes e Tucuman Distribuidora. Transcreverei aqui parte dos depoimentos desses empresários, que foram transcritos de um vídeo gravado do debate, por isso o texto referenciado será de extrema oralidade.

Enfatizo o termo alternativo quando me referencio a essas distribuidoras porque não há uma nomenclatura realmente adequada para situar essas empresas no mercado brasileiro, fato inclusive questionado no debate. De acordo com documento24 publicado em 2011 pela

22A mostra CCBB em Cartaz ocorreu no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília, entre os dias 09 a 21 de

Outubro de 2012. Tratava-se da exibição de filmes que não ganharam espaços nas telas brasilienses e exibidos em outras cidades do país. Sete distribuidoras brasileiras alternativas foram responsáveis pela montagem da programação: dois filmes da cartela de distribuição de cada uma dessas empresas, totalizando quatorze obras, entre produções nacionais e internacionais.

23 As salas de cinema comerciais se inserem dentro de uma cadeia produtiva que envolve Produção, Distribuição e Exibição. A Produção é a etapa onde se realiza o filme e vai até a tiragem de sua primeira cópia. A Distribuição é o elo na cadeia entre a Produção e Exibição, com ela é possível o lançamento das cópias, negociação com as salas de cinemas para que as mesmas sejam exibidas e todo o merchandising em torno desse produto. E finalmente, a Exibição é quando o filme chega às telas de cinema e, consequentemente, ao público. Jean Claude Bernardet descreve esse processo de uma forma bem despojada em seu livro O que é Cinema: “Depois do filme pronto e antes de o espectador estar na sala e o filme na tela, um longo percurso deve ser cumprido: é necessário que o distribuidor se interesse pelo filme do produtor, que o exibidor se interesse pelo filme do distribuidor, que o espectador potencial se interesse pelo filme do exibidor.” (BERNARDET, 1995: 61) 24 “Mapeamento das Salas de Exibição”. Disponível em http://www.ancine.gov.br/media/SAM/Estudos/ Mapeamento_Salas_Exibicao_errata.pdf, última vez acessado em 19 de Novembro de 2012.

ANCINE – Agência Nacional do Cinema – sobre as salas de cinema no Brasil, as distribuidoras se dividem no país em três grupos: as majors, as independentes e as de distribuição própria. Essas primeiras são vinculadas

às principais produtoras/distribuidoras norte-americanas, as distribuidoras majors dominam o mercado cinematográfico mundial. No Brasil, temos quatro grupos/empresas em atuação: Warner, Fox, Paramount (que também distribui os títulos da Universal) e Columbia Tristar Buena Vista Filmes do Brasil Ltda, que distribui as obras da Sony e da Disney. É importante frisar que nem todas as obras lançadas no exterior por estas majors são lançadas no Brasil pelas suas filiais brasileiras.

(...)

As distribuidoras majors foram responsáveis por 30% dos títulos exibidos nos cinemas em 2010, e conquistaram 71% do público. Entre as obras brasileiras, as majors distribuíram 21% dos títulos e totalizaram 25% dos espectadores. (ANCINE, 2011, p. 27)

Já as distribuidoras independentes (observe quadro abaixo) tem um rendimento total inferior a 20% desse mercado. No documento em questão, apenas é relatado seis principais distribuidoras independentes: Paris Filmes, Playarte, Imagem, Downtown, Europa e Califórnia. As outras restantes são classificadas como empresas de distribuição própria.

Tabela 1 –Principais distribuidoras independentes

Fonte: SADIS/SAM/ANCINE

Contudo, os filmes distribuídos pelas empresas presentes no debate aqui descrito não se enquadram dentro de uma perspectiva de distribuição própria, inclusive esses empresários lidam com filmes internacionais não distribuídos pelas independentes acima listadas. Percebe- se aí um problema na denominação dessas distribuidoras menores, como relatado por Silvia Cruz durante o debate.

Quando eu fui pensar em montar uma associação, falei já tem uma dos distribuidores. A primeira que tem é da Columbia, da Fox, da Warner. Não Preciso nem dizer porque que a gente não tá nela. Aí a segunda que tem chama associação dos distribuidores independentes, que é como eu queria que se chamasse a nossa, só que já existe. Só que independentes no Brasil é o que? É o que não é majors. Daí entra a Imagem, a Califórnia, a Paris, não sei se vocês conhecem, mas são quem lança Crepúsculo. A Paris comprou Crepúsculo e lança. A Imagem lança, enfim. São também um outro tipo de distribuidora, que também não dá pra gente se comparar. Eles querem ser major, mas eles se chamam de independente só porque não tem uma matriz em Los Angeles. Basicamente é isso. Então eles são independentes. Então se eles são independentes... Eu? Eu tive muita dificuldade para chamar o que realmente a associação porque... Do que eu vou me chamar, meu deus do céus? Aí a gente começou a pensar alternativos, porque somos pessoas de vários lugares do Brasil tentando, lançando filmes e pensando numa maneira de lançar. Tem as majors, as independentes, que querem ser majors e a gente não chega nem perto, e agora tem essa que a gente tá montando aqui. Esse é o primeiro encontro. Estamos aproveitando isso para sair do papel e chegar na Ancine (CRUZ, 2012)

André Sturm, responsável pela Pandora Filmes, com atuação no mercado exibidor desde 1989, problematizou ainda mais a questão. Primeiramente, ele mostrou como o mercado exibidor no Brasil era predatório, sendo preciso que o governo interferisse para que houvesse livre mercado. Ele defendeu sua argumentação com base nos números de salas em que foram lançados alguns filmes seriados. De acordo com Sturm, em 2002, A Era do Gelo foi lançado em 294 salas; em 2006, a continuação da série, A Era do Gelo 2, foi posto em exibição em 520 telas diferentes; em 2009, A Era do Gelo 3 alcançou 764 salas.

A crescente ocupação desses filmes nas telas brasileiras, não acompanhou o crescimento do público dos mesmos. Como Sturm demonstra com a comparação dos números de salas ocupadas e o público da série Harry Poter. Em 2004, Harry Potter e o Prisioneiro de

Azkaban foi exibido em 500 salas diferentes e fez um público de 4 milhões; em 2010, Harry

Potter e as Relíquias da Morte foi exibido 861 salas diferentes, alcançando 4.300.000 espectadores. A crescente ocupação das salas não significa um aumento do público, mas sim uma eliminação massiva da concorrência.

Com base nesses dados, André nos mostrou que o problema do cinema brasileiro não é a Distribuição, como tantos acham, e sim a Exibição. O distribuidor tem que investir financeiramente no filme para o seu lançamento nas salas comerciais. Entretanto, há uma grande chance de que o filme fique pouco tempo em cartaz, pois os blockbusters ocupam as salas de maneira massiva, impossibilitando o retorno financeiro. Os filmes brasileiros são lançados com mais cópias na França25 do que no Brasil, porque há subsídios para os

25 Na França, o investimento se dá em toda cadeia produtiva, há incentivo para a distribuição de filmes franceses

e para as salas francesas. Informações adquiridas neste documento aqui: http://www.cinefrance.com.br/arquivos/ o_sistema_frances_de_apoio_ao_cinema.pdf, acessado pela última vez em 3 de dezembro de 2012.

exibidores, evitando o risco inerente a sua atividade. Todavia, o investimento no mercado cinematográfico no país se dá basicamente no primeiro elo da cadeia produtiva, a Produção.

Esse ano no Brasil, vão ser investidos aproximadamente 450, 500 milhões. Momento maravilhoso, muito dinheiro pra produção. É difícil, muita gente fazendo filme e tem muito dinheiro pra fazer filme. Por que desses 500 milhões não tem 30 milhões? Trinta. Pra apoiar o lançamento desses filmes, pra garantir ou pra apoiar salas de cinemas que se dediquem a exibição exclusiva de filmes brasileiros, que não sejam os da Globo Filmes, obviamente, né? Esses não precisam. Porque 30 milhões, gente, não vai deixar de fazer nenhum filme, não vai prejudicar a produção do cinema brasileiro, mas vai garantir que os filmes brasileiros que o Estado Brasileiro, que investe 500 milhões, chegue ao público. Não tem sentido a gente pegar o público dos filmes brasileiros e ver diversos filmes que fazem 6.000 pessoas, 7.000 pessoas. Tudo bem, tem filmes, óbvio, que o público não quer ver. Tudo bem, mas não é possível que dos 100 filmes brasileiros lançados todo ano, 80 não façam 20.000 pessoas, gente. Tem alguma coisa errada. Não tem 80 filmes que não valham a pena ver assistir no Cinema Brasileiro. Com certeza vários desses filmes foram esmagados e impossibilitados de serem exibidos. (STURM, 2012)

Pela fala de André Sturm, pode-se inferir que há uma deficiência em política pública para essas outras etapas da cadeia produtiva: Distribuição e Exibição. Não há uma proteção do produto brasileiro dentro desse mercado dominado pelo oligopólio norte-americano. Apenas em 2012, no que tange a essa última etapa do processo, foi criado, através da Lei nº 12.599, o programa Cinema Perto de Você. De tal forma, o Governo visou dar conta da má distribuição das salas de cinema pelo país nos dias de hoje.

O Brasil já teve um parque exibidor vigoroso e descentralizado: quase 3.300 salas em 1975, uma para cada 30.000 habitantes, 80% em cidades do interior. Desde então, o país mudou. Quase 120 milhões de pessoas a mais passaram a viver nas cidades. A urbanização acelerada, a falta de investimentos em infraestrutura urbana, a baixa capitalização das empresas exibidoras, as mudanças tecnológicas, entre outros fatores, alteraram a geografia do cinema. Em 1997, chegamos a pouco mais de 1.000 salas.

Com a expansão dos shopping centers, a atividade de exibição se reorganizou. O número de cinemas duplicou, até chegar às atuais 2.200 salas. Esse crescimento, porém, além de insuficiente (o Brasil é apenas o 60º país na relação habitantes por sala), ocorreu de forma concentrada. Foram privilegiadas as áreas de renda mais alta das grandes cidades. Populações inteiras foram excluídas do universo do cinema ou continuam mal atendidas: o Norte e o Nordeste, as periferias urbanas, as cidades pequenas e médias do interior. (Cinema Perto de Você, 2012)26

Ainda assim, essas salas que já estão sendo lançadas dentro desse programa exibem filmes blockbuster, o que gera algo extremamente paradoxal, o governo financia salas para produtos estrangeiros, o que foi ironizado por André Sturm: “Seria como se o BNDES incentivasse a construção de MC Donalds” (STURM, 2012).

O evento durou cerca de três horas, os debatedores ali presentes concordaram que muito se gasta com a produção de filmes e quase nada é investido com a distribuição e exibição dos mesmos. Também afirmaram que dali surgiria uma associação a fim de pressionar o Estado para a criação de políticas publicas dedicadas ao setor.

De fato essa preocupação dos distribuidores, aqui retratada, pode ser constatada com regularidade nas telas brasileiras. Os filmes da saga Crepúsculo ocuparam mais da metade de todas as salas do país. De acordo com o jornal O Estadão27, cerca de 1300 salas (do total de 220628 salas pelo país) exibiram o filme Amanhecer (2012), último filme da saga, na primeira semana de estreia, de 15 a 22 de novembro de 2012. E de acordo com tabela publicada pela pesquisa realizada pela Ancine, grande montante dos filmes exibidos nos últimos anos (tabela comparativa dos anos 2009 e 2010) são estrangeiros, sendo o público desse último seis vezes maior do que o dos nacionais.

Tabela 2 – Relação de público das salas de cinema brasileiras nos anos de 2009 e 2010.

Fonte: SADIS/SAM/ANCINE

Dentro da realidade acadêmica, nota-se uma carência no que tange à pesquisa acerca da exibição cinematográfica. A Historiografia do Cinema tem deixado para segundo plano estudos que tratam sobre o contexto que cerca os filmes. A obra fílmica – seja em uma linha

27 Dado coletado da versão online do jornal, disponível em http://emais.estadao.com.br/noticias/cinema,capitulo-

final-de-crepusculo-amanhecer--parte-2-chega-a-1300-salas-do-brasil,3963,0.htm, acessado pela última vez em 18 de novembro de 2012.

de Teoria do Cinema, Análise do Filme ou História do Cinema – sempre esteve em primeiro plano. Há, portanto, uma brecha dentro do campo no que diz respeito aos estudos cinematográficos que privilegiem outros aspectos que não apenas o texto fílmico. Esses estudos surgiram com mais força a partir de 1970, com perspectivas sociológicas e econômicas – e não apenas uma história dos filmes em si. Percebe-se nesse cenário a importância das transformações trazidas por estudos como o da Nova História, que incorporou o Cinema como um objeto e fonte de estudo. Esse novo contexto alimentou o campo com novas perspectivas metodológicas, pensando o filme em um contexto maior, que não se encerrava em si mesmo.

Jean Claude Bernardet foi um dos primeiros teóricos no país a alertar para a não regulação desse mercado e revelou dados sobre a predominância do produto estrangeiro no país. Em seu livro Historiografia do Cinema Brasileiro (1995), Jean Claude entende que algo estranho que acontece no Brasil quando tentam dar conta da data de nascimento desse cinema. A data escolhida foi a de uma filmagem, que nem sequer há registro de sua exibição, enquanto que

(...) para Sadoul e seus sucessores, o nascimento do cinema é uma representação pública e paga, ou seja, um espetáculo, o filme na tela diante de espectadores que pagaram ingressos para ter acesso à projeção. Enquanto para os brasileiros, o nascimento do cinema é uma filmagem.(...)

A escolha de uma filmagem como marco inaugural do cinema brasileiro, ao invés de uma projeção pública, não é ocasional: é uma profissão de fé ideológica. Com tal opção, os historiadores privilegiam a produção, em detrimento da exibição e do contato com o público. Pode se ver aqui uma reação contra o mercado: à ocupação do mercado, respondemos falando das coisas nossas.” (BERNARDET, 1995, p. 25- 27)

Assim, para Bernardet, essa visão é uma filosofia adotada pelos cineastas brasileiros, que acreditam que a produção dos filmes é a etapa genuinamente nacional, ignoram inclusive que o material de insumo e confecção de um filme são todos importados. Já que citei um dos primeiros trabalhos acadêmicos a respeito do universo da Exibição, passo adiante para uma retrospectiva bibliográfica .