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4. SOBRE OS POEIRAS: CIRCUITO ALTERNATIVO DE EXIBIÇÃO

4.2. Festivais de Cinema

4.2.1. Festival René Clair

Contudo, em 17 de fevereiro, foi publicado na íntegra o telegrama trocado entre Paulo Emilio Salles Gomes, que seria então o organizador do Festival e Paulo Tarso, o prefeito de Brasília:

Brasília Acolherá Festival de Cinema

Brasília será sede de um Festival de Cinema, patrocinado pela Prefeitura, e Câmara Júnior. A esse propósito o diretor da Cinemateca Brasileira, sr. Paulo Emilio Sales Gomes enviou ao prefeito Paulo de Tarso o seguinte telegrama:

A Cinemateca Brasileira terá satisfação em participar do Primeiro Festival Cinematográfico de Brasília. Sugerimos enviar um série de filme mudos e falados de Réne Clair, clássicos da cinematografia de alta categoria.

Urge conhecermos, o plano global, da Prefeitura, Fundação Educacional e Câmara Júnior a respeito do Festival assim como a data prevista.

O Prefeito Paulo de Tarso encaminhou o telegrama ao Dr. Paulo Novais para que sejam tomadas as providências necessárias a um entrosamento com a Cinemateca Brasileira e demais órgãos congêneres. (CORREIO BRAZILIENSE, 1961)

Esse festival foi parte integrante das comemorações para o primeiro aniversário da jovem capital60. Para a organização desse evento de grande porte é trazido a Brasília o jornalista Edvaldo Pacote. Ele assume o cargo de direção do Departamento de Turismo do Distrito Federal. As reportagens dos dia 03 e 04 de Março mostram a parceria entre esse departamento e a Fundação Cultural do DF.

Pacote Anuncia: D.F. terá ‘Dalilândia’

Chegou ontem a Brasília o jornalista Edvaldo Pacote que assumirá ainda esta semana o cargo de diretor do Departamento de Turismo da Prefeitura do Distrito Federal.

Falando à reportagem do CORREIO BRAZILIENSE o sr. Edvaldo Pacote declarou: ‘Estou planificando o programa de festividades para o próximo dia 21 de abril, segundo orientações do prefeito Paulo de Tarso. Várias sugestões estão sendo estudadas no sentido de garantirmos o sucesso das comemorações do primeiro aniversário de Brasília. Quanto às novidades, posso adiantar que os entendimentos com o pintor Salvador Dali já estão bem encaminhados. Êste artista excêntrico pretender construir em nossa Capital uma réplica à ‘Disneylândia’ de Walt Disney que, se chamaria ‘Dalilândia’.

Finalizando o sr. E. Pacote frisou que dentro de alguns dias dará conhecimento à imprensa do programa de festividades para 21 de abril vindouro. (CORREIO BRAZILIENSE, 1961)

60Além do Festival René Clair, outras atrações foram: uma peça de Cacilda Becker e o time de futebol do Santos

A primeira correspondência61 encontrada no acervo de Paulo Emilio Salles Gomes a Brasília foi para Edvaldo Pacote, após ter apresentado o programa da mostra René Clair, constando cinco filmes: Un Chapeau de Paille d´Italie, Les Deux Timides, A Nous La Liberté,

Le Million e 14 Juillet. A Cinemateca se encarregou da tarefa de redigir um programa e fornecer fotografias para ilustrá-lo, sendo a edição destes folhetos feita pela Prefeitura de Brasília.62

Uma carta posterior foi endereçada a Enrique Rentería, da Novacap. Nesta, ele lamentou que um projeto de cineclube não tenha vingado e menciona acreditar ser possível reatar esse projeto com o Festival René Clair.

O Festival René Clair está no seguinte pé: para o trabalho prático, o nosso contato foi com Edivaldo Pacote, da Comissão de Turismo de Brasília. Segundo nos informou, o Festival será ou no Cinema de Brasília ou no Teatro de Cultura da NOVACAP, dependendo ainda de entendimentos finais. Serão apresentados cinco programas, de 21 de abril, sexta-feira, até 25 terça. As projeções serão realizadas na parte da tarde, pois os horarios noturnos já estao ocupados pelo teatro da Cacilda Becker. Rudá vai seguir para aí dia 19, pelo Viscount que sai de S. Paulo às 7hs da manhã. O Almeida Salles e eu tomaremos o Viscount no dia seguinte no mesmo horario. Pacote deverá estar à nossa espera no aeroport de Brasília. Seria muito bom você se articular desde já com ele. Outro que tambem esteve aqui conosco e está dentro do assunto é o Ferreira Gullar, da Fundação de Cultura da Prefeitura de Brasília. Peço a você que examine bem com o Pacote o local onde ficarão guardados os filmes.

Por enquanto escrevemos, renovando o nosso pedido de interesse pelo projeto 711/59, e convidando para o Festival, a um grande numero de deputados [...].63

(GOMES, 1961)

No dia 22 de março de 1961, na página oito do primeiro caderno, foi publicado, pela primeira vez, o programa do Festival, de acordo com o telegrama enviado por Salles Gomes a Pacote:

Festival Renê Clair

O Festival de Cinema ‘Renê Clair’, organizado pela Fundação Cultural e pelo Departamento de Turismo para as comemorações de aniversário de Brasília, apresentará:

‘Chapeau de paille d’Italie’ ‘Le deux Timides’

‘À nour (sic) la Liberté’ ‘Le million’

‘Le 14 Juilet’

61 SALLES GOMES, Paulo Emilio. Carta a Edivaldo Pacote. São Paulo, s/d (provavelmente anterior a março de

1961). Arquivo Paulo Emilio. Cinemateca Brasileira.

62 Mais tarde quem editaria os folhetos seria a própria Cinemateca, ficando a Prefeitura de Brasília apenas com

os encargos financeiros.

Os filmes foram todos selecionados pela Cinemateca Brasileira, contando com a apresentação de Paulo Emilio Salles Gomes e Rudá de Andrade. (CORREIO BRAZILIENSE, 1961)

Deve-se a esse festival a primeira vinda a Brasília de Paulo Emilio. Esse episódio foi surpreendente para o crítico: o que ele antes imaginara ser uma cidade sem alma veio a se desenhar como uma cidade ideal para plantar os seus ideais. A reação do público ao festival foi animadora, as sessões diariamente contavam com 300 espectadores; além disso, havia o material impresso e as apresentações orais.

O namoro entre governo e cinemateca, o entusiasmo com o Brasil, certamente alimentaram sua paixão por Brasília. Afinal, a nova cidade representava tudo isso: era a cidade para o novo Brasil em desenvolvimento e a possibilidade de uma aproximação política para a Cinemateca. Representava o terreno propício e fértil para o pensamento de Paulo Emilio.

[...] Brasília foi para mim uma prodigiosa revelação. Não se trata de um conversão, pois fui sempre, por princípio e convicção, a favor da nova Capital. Aconteceu porém que inúmeros artigos, fotografias e filmes me tinham dado um idéia errada da cidade. Imaginava um conjunto arquitetônico monumental, maciço, pousado numa área humana sem estrutura urbana. [...] Brasília será provavelmente a cidade mais sutil do mundo. Conhecê-la foi uma das maiores sensações que experimentei. [...] Naturalmente que muito, e muito, ainda deverá ser edificado em Brasília. Mas é sobretudo sociologicamente que a cidade ainda está inacabada. Com apenas resquicios de burguesia e classe média, Brasília é fundamentalmente composta por um lado de uma aristocracia política e burocrática, e por outro da massa popular dos edificadores. Estes já fazem dela a cidade mais brasileira que a história nacional conheceu. [...] Os primeiro empreendimentos revelaram logo que, também no terreno cultural, Brasília abre perspectivas nacionais inteiramente novas e impossíveis de serem por ora tentada com pleno êxito em qualquer outro ponto do território. [...] É em Brasília e através dela que se processará a unidade íntima e sem preconceitos da inteligência nacional. [...] Abril em Brasília criou novos alentos e permitiu vislumbrar na realidade esperanças até agora imaginárias. (GOMES, 1981, pp. 341-344)

O ânimo coletivo foi tão grande que, após o Festival, foi feita uma reunião para se discutir a possibilidade da criação de um centro permanente de cultura cinematográfica na cidade. Isso leva a crer que em Brasília se criaria um centro cultural que girasse exclusivamente em torno de uma cultura cinematográfica.

Entretanto, no Correio Braziliense, a cobertura do festival foi muito pouco animadora. A programação apareceu apenas no primeiro dia, em uma pequena nota e no segundo dia de Festival, na coluna Sociais de Brasília, de autoria de Katucha.

Mesmo assim, os reflexos positivos são sentidos pelo texto publicado sobre a importância da Cinemateca Brasileira. Nele, percebe-se o tamanho da repercussão das

articulações de Paulo Emilio Salles Gomes na cidade. De fato, o Festival René Clair veio se revelar como o evento cinematográfico mais importante na capital até então, sendo inclusive um evento inédito, que impulsiona a dinamização das atividades culturais na capital, em especial as ligadas ao cinema.