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1. BRASÍLIA: UM MERGULHO EM UM ÁRIDO DESCONHECIDO

1.6. Correio Braziliense , o jornal pioneiro

O jornal Correio Braziliense foi fundado em 1808 pelo jornalista Hipólito da Costa (1774-1823). Ele se graduou em Direito na cidade de Coimbra, em 1798, e logo foi convocado para trabalhar na Imprensa Real. Pouco tempo depois, em 1802, ele foi preso pela Igreja da Inquisição, acusado por disseminação da maçonaria em Portugal. Hipólito conseguiu fugir do cárcere e se refugiou em Londres, onde passou a editar o jornal. Com este veículo, o jornalista publicou o impresso mais completo acerca da situação vivida entre Portugal e sua Colônia. Ele enviava os exemplares ao Brasil por meio de contrabando e nessas páginas defendia a liberdade de imprensa, a abolição da escravatura, a independência do Brasil e, entre esses vários ideais liberalistas, posicionava-se favorável a interiorização da capital do país. O jornal deixou de circular em 1822, quando finalmente foi proclamada a independência.

Anos mais tarde, o Correio Braziliense veio a surgir no Brasil a partir da ideia do jornalista e empresário Assis Chateuabriand (1892-1968), dono do conglomerado Diários Associados. Essa cadeia ajudou interligar diversas capitais, superando o isolamento de seus Estados, mas também se tornou um grande império de comunicação, sendo um dos maiores da América Latina, extremamente ligado às bases governistas.

Entre os integrantes dos Diários Associados, havia muita simpatia pela implementação do jornal na capital. João Calmon, que também era uma figura representativa dentro dos Diários Associados na época, acreditava ser estratégico para o grupo possuir um jornal na nova cidade. Também durante o 1º Congresso dos Diários Associados, em 1956, foi aprovada a fundação do Diário de Brasília. (CARNEIRO, 2002) Assim, Chateaubriand apostou o na empreitada de Juscelino, o que muitos da iniciativa privada não fizeram. Mesmo assim, o empresário ficou desconfiado e impôs uma condição: só fundaria o jornal se a cidade fosse inaugurada no tempo previsto. A inauguração do Correio Braziliense foi junto com o da capital, em 21 de Abril de 1960.

Sobre a implementação do Correio Braziliense na cidade, uma dissertação de mestrado de autoria de Ana L. F. Morelli21 é muito reveladora:

Os recursos financeiros foram obtidos junto ao Banco da Lavoura, em Minas Gerais, cujo diretor, Gilberto Farias, foi o primeiro assinante do jornal. Assis Chateaubriand enviou a Brasília, entre outros, o jornalista Ari Cunha a quem coube coordenar a implantação da redação do Correio, e Edilson Cid Varela, com a responsabilidade da construção do prédio. A pedra fundamental foi lançada em setembro de 1959, mas a construção do edifício, no Setor de Indústrias Gráficas, só foi iniciada em janeiro do ano seguinte. A sede do jornal foi construída em tempo recorde, em apenas três meses, prazo final que coincidiu com a inauguração de Brasília e do Correio. Parte do maquinário foi herdada de outras unidades da rede Diários Associados, onde estava subtilizada.

Enquanto não tinha edifício próprio, a equipe do Correio trabalhava na avenida W3 Sul, em prédio cedido pela estatal Novacap, vizinho à Escola Parque. Os primeiros jornalistas foram convocados por Chatô, principalmente, dos veículos Associados do Rio de Janeiro e São Paulo, através de um ‘voluntariado compulsório’ estabelecido por ele. Além destes, outros foram se juntando à equipe, oriundos dos nascente corpo de funcionários públicos da cidade de Brasília”. (MORELLI, 2002, pp. 47 e 48)

O Correio Brasiliense foi implementado com o apoio do Governo Federal e local. Por muito tempo teve uma postura de apoio ao Estado. A linha editorial era voltada, no âmbito local, para a defesa da fixação de Brasília no Planalto Central. Até 1965, o jornal era muito dependente da publicidade oficial. De tal maneira, o Correio era um jornal governista por tradição, a sua manutenção se devia muito à boa relação com o Governo. Além disso, Brasília não tinha ainda uma vida econômica que sustentasse o jornal, a iniciativa privada estava por surgir. Os classificados, ponto forte do veículo, só viriam a gerar retorno financeiro a partir do final da década de 60.

O setor mais desenvolvido na Capital era o político, o que levou a uma cobertura essencialmente engajada nesse sentido. Além do mais, grande parte dos jornalistas eram funcionários públicos. Foi presente também um profundo engajamento dos mesmos com a fixação da nova capital, a preocupação com serviços era muito grande, sendo publicados horários de voos, de ônibus, lista telefônica, etc. Daí surgiram as programações dos cinemas na agenda deste impresso. Afinal, a programação cinematográfica era a única opção de lazer fixa presente em Brasília nestes primeiros anos.

A relação entre os colunistas do Correio Braziliense e seus leitores era muito direta, sendo o impresso muitas vezes pautados pelos próprios leitores, que ligavam ou compareciam pessoalmente na redação para darem sugestões de pauta. Segundo Adirson Vasconcelos, “o jornal denunciava e brigava ao fazer editoriais, a grande pauta deste jornal aqui nos primeiros anos foi o retorno, defender a cidade para não se acabar, era essa a campanha.” 21 Trabalho defendido em 2008 por Ana L. F. Morelli no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

(VASCONCELOS apud MORELLI, 2002, p. 58) Mas era uma cobertura voltada para os habitantes de Brasília, e Ari Cunha não esconde o fato,

Nós fazíamos o jornal de Brasília, do Plano Piloto, dos – não tinha cidade satélite naquela época – acampamentos, vamos dizer assim. Aí nós fizemos o jornal sempre defendendo Brasília, porque tinha muita força querendo voltar a cidade e tudo. Nós defendemos. Fizemos um jornal de quarteirão. Daí nasceu o nosso sucesso. Porque nós fizemos um jornal enraizado na comunidade. A coluna social da Katucha dava: Ah, fulana de tal recebeu um chá, um não sei o que, um jantar e não sei o que. E fazia aquela divulgação das senhoras dos empresários, dos engenheiros. O jornal dava o noticiário, ontem faltou luz no canteiro de tal empresa. Um candango viu entrar um rato, uma coisa no gerador e queimou o gerador. E o candango foi se meter a consertar. As notícias eram assim. Depois os buracos na rua, as dificuldade na cidade, isso, aquilo e aquilo outro. Então o jornal nasceu enraizado com a população.’ (CUNHA apud MORELLI, 2002, p.59)

A equipe do jornal em seus primeiros anos era formada por cerca de vinte pessoas na redação e trinta nas oficinas de produção. Os jornalistas vieram de outros jornais da rede dos Diários Associados ou eram funcionários públicos que tinham o jornal como um trabalho extra, mas não o principal. Nessa época, como quase não havia curso de Comunicação, os jornalista presentes neste veículo se formaram no dia-a-dia do ofício da profissão. Quanto ao funcionamento do jornal, Ana descreveu:

Durante a década de 60, o jornal circulou, em média, com doze páginas e dois cadernos. No primeiro caderno eram publicadas: na página 2 notícias internacionais e os últimos fatos e a continuação de matérias publicadas na capa; a página 3 era dedicada basicamente à política, assuntos do Congresso, Judiciário e Executivo; o editorial, os artigos assinados e a continuação de algumas matérias publicadas na capa eram distribuídas na página 4; na página 5 notícias policiais, estaduais e locais; na página 6 anúncios; na 7 editais, avisos e balanços e na página 8 matérias de repercussão ou de interesse da cidade. No caderno 2, as colunas de Ari Cunha, “Visto, Lido e Ouvido”; “Sociais de Brasília” com a colunista Katucha; “Ensino dia a dia”, e “Esquinas de Brasília” com Yvonne Jean; notícias sobre Taguatinga, Anápolis e Goiânia (onde, inclusive, o jornal manteve sucursais durante a década de 60); a “Agenda CB” com informes sobre cinema e eventos da cidade (entre aniversários da nascente elite brasiliense); “Correio Informativo” com informações sobre o tempo, horário de aviões, ônibus e funcionamento de farmácias e bibliotecas; além dos classificados; e a última página do Caderno 2 era dedicada ao esporte nacional e o local.

De maneira geral, o Correio não manteve uniformidade na distribuição de assuntos pelas páginas. O que se observou ao longo da década foi a manutenção do editorial na página 4, os assuntos políticos na página 3 e as colunas de serviço, como ‘Agenda CB’, os classificados, esportes no Caderno 2. Neste período, o jornal não possuía uma coluna de cartas do leitor, as cartas recebidas eram publicadas geralmente na ‘Agenda CB’ ou na coluna ‘Visto, Lido e Ouvido’. Vale ressaltar que às segundas-feiras o jornal não era publicado, e que não havia matérias assinadas, somente algumas colunas, cuja existência e autores variaram ao longo da década” (MORELLI, 2002, pp.51-52)

A primeira tiragem do jornal foi de 20.000 exemplares, possuía oito cadernos, dos quais apenas dois foram impressos em Brasília e os demais, no Rio de Janeiro. No primeiro mês, o jornal imprimiu apenas 500 exemplares, que foram vendidos aos órgãos da administração federal já sediados na cidade e ao público em geral. Foram necessários alguns anos para que os moradores de Brasília adquirissem o hábito de ler o Correio, ao invés dos jornais de suas localidades de origem. Segundo Ari Cunha, já em 1965, o jornal tinha uma tiragem de cerca de 5.000 exemplares, compreendendo 90% do público leitor de jornais da cidade. Bom lembrar também que nesses primeiros anos o Correio Braziliense não tinha concorrentes, o que contribuiu para seu editorial chapa-branca. O primeiro jornal a concorrer com esse impresso foi o Jornal de Brasília, foi inaugurado apenas em 1970.

1.6.1. O Cinema no Correio Braziliense

A primeira menção sobre cinema no jornal foi sobre a inauguração do Cine Brasília, no dia 23 de abril de 1960. Nessa mesma edição, observou-se algo que foi muito comum em todos os jornais pesquisados: pequenas notas sobre o cinema hollywoodiano. Essa primeira nota, presente na página 02 do Primeiro caderno, informava sobre o aniversário do ator Eddie Albert. Os atores realmente tinham grande destaque dentro desses noticiários, pouco se publicou sobre diretores, fotógrafos e outros integrantes da produção fílmica. Nos dias 26, 27 e 30 de abril de 1960, as únicas referências ao verbete Cinema no jornal, apareceram em notas

de cinema que tratava sobre o aniversário do ator Anouk Aimé ou sobre o de Sandra Dee e Ingrid Bergman e finalmente sobre o aniversário de Corine Covert. Essas notícias tinham maior enfoque no lado pessoal da vida do ator do que em sua trajetória profissional.

As programações de cinema apareceram inicialmente de forma desordenada e não eram constantes. Sendo cada vez mais frequente a medida que os anos avançam. Em 1963, foi averiguada a programação de cinema na coluna Agenda CB, publicada diariamente na página 5 do primeiro caderno. Nem todas as salas de espetáculo tinham sua programação publicada com frequência, apenas o Cine Brasília e do Cine Cultura tinham horários das sessões informadas constantemente. A presença da programação das outras salas de cinema era esporádica e sazonal. Na Agenda CB também foram anunciadas programações do circuito alternativo de exibição.

Esses dados serão mais desenvolvidos a partir do capítulo 3, onde desenvolverei sobre o circuito comercial de salas de cinema e, no capítulo 4, que tratarei a respeito do circuito

alternativo de exibição, a partir dos dados coletados nesse jornal. Todavia, será necessário antes partir para o percurso metodológico dessa pesquisa. Nesta etapa serão abordadas as principais fontes bibliográficas, inseridas no contexto dessa pesquisa na historiografia cinematográfica brasileira.

2. SALA E EXIBIÇÃO: UM POUCO DA CADEIA PRODUTIVA E UM SOBREVÔO