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1. BRASÍLIA: UM MERGULHO EM UM ÁRIDO DESCONHECIDO

1.5. Sobre os primeiros anos de formação cultural da capital

A formação cultural da nova capital começou com a sua própria construção. Ignorou- se a vida cultural vivida pelas cidades já existentes na região por não se configurar como cultura de uma metrópole. Brasília precisaria importar arte vinda de outros espaços para legitimar a sua construção. Para que fosse o maior símbolo possível de um país novo e moderno, foi incorporada à nova cidade o que havia de mais arrojado no cenário internacional. Assim, essa construção artística da capital estava formada desde seus primórdios.

Com Brasília, retomava-se também uma tradição brasileira do patrocínio estatal à arte, ao encomendar a artistas de renome que construíssem marcos estéticos e monumentos que suprissem uma dupla função pedagógica: a educação estética e a cívica. Muitos artistas foram convidados a deixar suas obras nos halls e jardins dos Palácios, prédios importantes e residências oficiais. Mary Vieira, Sérgio de Camargo e Franz Weissmann, inteiramente identificados com o concretismo e com o abstracionismo, assim como os já consagrados Victor Brecheret, Bruno Giorgi, Maria Martins contribuíram para esse surto de arte pública, que veio valorizar e dotar de distinção os principais edifícios da cidade. Apesar das diferenças que os distinguem, todos eles, pode-se dizer, são artistas de renome internacional e marcados pela poética da limpeza e do purismo predominante nas experiências estéticas do Brasil dos anos 50. (LADEIRA, 2002, p. 190)

Além dos artistas presentes nos prédios oficiais, houve a concepção da cidade, que veio ligada a transferência da equipe de Oscar Niemeyer para a construção de Brasília.

12 Outros trabalho que também trata dessa simbiose entre JK e Brasília é dissertação de mestrado “E a história se fez cidade...”: construção histórica e historiográfica de Brasília (2005), de Viviane Gomes Ceballos.

A história do campo das artes e das instituições artísticas em Brasília pode ser focalizada desde antes mesmo da fundação da cidade. Inicia-se em 1958, ano emblemático, quando se tem em vista este tópico, pois, esse foi o ano em que se transferiu do Rio para Brasília a equipe de Oscar Niemeyer, arquitetos, calculistas, técnicos, dentre eles artistas como o já referido Samuel Rawet, engenheiro e escritor, e Athos Bulcão, artista. Athos envolveu-se profundamente com a cidade, nela realizando-se como grande inventor, pela face “pública” que pôde imprimir à sua arte e consagrando-se também como pintor, artista intimista, identificado com a arte de vanguarda desde muito jovem. (LADEIRA, 2002)

Em 1959, foi realizado na cidade o Congresso Internacional de Críticos de Arte13. Em Setembro, fotos de Brasília foram expostas em Bienais mundo aforam, a capital foi apresentada como uma cidade síntese das artes.

A arte e os artistas seriam imprescindíveis para a cidade legitimar-se como capital. A arquitetura, a primeira das artes, arte pública por excelência, por estar permanentemente exposta e por estampar as marcas da história, era o grande modelo pelo qual deveriam pautar-se as outras artes, integradas aos prédios, localizadas em espaços internos ou externos aos edifícios. A compreensão mais profunda dessa integração foi realizada na obra de Athos Bulcão que inventou um novo tipo de muralismo. (LADEIRA, 2002, p. 196)

Contudo, foi com o advento da Universidade de Brasília (UnB), que essa junção Arte e Cidade se amalgamou. A educação teve um papel preponderante. A instituição na capital surgiu dentro do contexto de crise universitária no país, onde as principais cabeças já pensavam a reformulação do sistema de ensino superior. Mas a sua concretização se deu em Brasília. Nas asas de um avião surgiu a UnB. Juscelino Kubitschek e Anísio Teixeira conversaram sobre a ideia de uma instituição de ensino superior na nova capital em um dos retornos de Brasília ao Rio de Janeiro. A universidade nasceu em um voo livre; contudo, em plano terreno, ela havia de ter muitos obstáculos. No plano do sonho, alçou aos céus o desejo da intelectualidade brasileira como nunca.

Queríamos trabalhar para a Nação, ser capazes de pensar e elaborar o saber brasileiro e contribuir para a formulação do nosso projeto de Nação. Mas para isso seria preciso haver liberdade de assumirmos riscos, cometermos erros na busca de nosso caminho. A UnB tinha que ser uma universidade de homens livres, e, a partir do momento em que não houve mais liberdade no Brasil, aquele sonho foi abaixo, e

13O Congresso Internacional Extraordinário da Associação Inter- nacional de Críticos de Arte (AICO) ocorreu

no Rio de Janeiro, em São Paulo e em Brasília, e visava dis- cutir o seguinte tema “A Cidade Nova – Síntese das Artes”, em outubro de 1959, sete meses antes da inauguração da capi- tal. Desse encontro participaram G. Carlo Argan (presidente), Will Grohmann, Sartoris, Crespo de la Serna, Meyer Shapiro, André Bloc, Sir Roland Penrose, Tomás Maldonado, Bruno Zevi, Stamos Papdaki, Romero Brest, Gillo Dorfles, André Chastel, W. Sandberg e Julius Starzinski. Os repre- sentantes do Brasil, coordenados por Ma- rio Pedrosa, eram Theon Spanudis, Os- car Niemeyer e, da mesma equipe, Israel Pinheiro, Flavio Motta, Mario Barata, Matarazzo Sobrinho, Niomar Moniz Sodré, Fayga Ostrower, Sér- gio Milliet. (cf. Amaral, 2001)

a UnB foi transformada em seu oposto, uma velha universidade, que reproduz os privilégios e as classes dirigentes de um País colonizado e dependente, existindo para outros povos que não para o seu. 14 (RIBEIRO, 1978)

A Universidade de Brasília foi um dos projetos mais ambiciosos da intelectualidade brasileira15, para ser concretizada passou por diversos desafios, primeiramente de ordem política. Para Darcy Ribeiro a construção da Universidade de Brasília era imperativa para o Brasil naquele momento. Afinal, ao se criar uma capital no interior do país, era inevitável o surgimento de cursos superiores. Darcy16 colaborou com Anísio – intelectual muito respeitado na época, com mais prestígio que o próprio Darcy naquele momento – na elaboração do planejamento da rede de ensino primário e médio a ser instalado em Brasília. Cercado por tudo isso, Darcy foi nutrido pela idéia do ensino superior na capital. Então, ele contatou Vitor Nunes Leal, chefe da Casa Civil, e Cyro dos Anjos, Subchefe, e os contaminou com a proposta de uma universidade tão inovadora quanto a própria nova cidade.

14 RIBEIRO, Darcy. Conferencia realizada em Brasília em 1978. Fragmentos reproduzidos no Boletim da

Associação de Docente da UnB, nº 3. Nov. 1978

15A criação da Universidade de Brasília se insere num contexto de discussões sobre a educação superior em

todo país. Desde os anos 30, tratava-se de um sistema catedrático, as universidades brasileiras eram aglomerados de institutos de ensino superior e nada mais. Ainda como Colônia, os portugueses nunca permitiram cursos superiores em terras brasileiras; ao contrario dos espanhóis, cujas primeiras universidade na América espanhola datam de 1536. A instituição pioneira de ensino superior no Brasil só foi fundada após a vinda da corte em 1808, mas a preocupação desses cursos não era acadêmica e sim de ordem militar. Após a independência, em 1822, foram criados dois cursos de Direito, um em São Paulo e outro em Olinda. E após a Proclamação da república, existiam apenas algumas universidades com cursos de advocacia, medicina e engenharia; totalizando somente 2.290 estudantes.

A primeira instituição de ensino superior não-profissionalizante foi a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo criada em 1932. Foi tal entidade que inaugurou os estudos de Sociologia, Antropologia, Economia, História, Psicologia e Estatística no Brasil. Mas apenas realizou discretamente suas grandes ambições. Também dentre as primeiras tentativas de criação de universidades está a Universidade do Rio de Janeiro, que tinha como finalidade conceder título de doutor honoris causa ao rei da Bélgica que visitava o Brasil para as festividades do Centenário da Independência. Depois do gesto, ela desapareceu.

A Universidade de Brasília seria a criação de uma instituição de ensino superior ainda sem precedentes no Brasil, iria retomar a linha criativa que tinha sido iniciada com a Universidade de São Paulo e a Universidade do Distrito Federal15. Em Brasília não havia escolas de ensino superior para disputar espaço, era uma universidade a ser criada a partir do zero. E para a construção desse projeto foi necessário reavaliar todo o sistema de educação superior brasileiro. O resultado dessa avaliação levantou os seguintes pontos: falta de sistema integrativo; estrutura profissionalista e unitarista; universidade elitista, colonizada e alienada; incapacidade de dominar o saber científico e humanístico moderno; o regime de cátedras, que dava controle de cada área a um professor vitalício todo-poderoso; carência de programas de pós-graduação; o burocratismo, que reduzia os atos acadêmicos a rotinas cartoriais; seu verbalismo, gerando carência de formação cientifica e treinamento prático; seu enclausuramento, que não permitia diálogo dentro da própria comunidade acadêmica, como com a sociedade que o cerca. Esse diagnóstico levou a um debate dentro das instituições de ensino superior conhecida como Crise Universitária. Tal discussão acabou por se consagrada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação.

16Na época da construção da capital, Darcy trabalhava no Ministério da Educação. Seu contato então com a

presidência era com os assessores de Juscelino Kubitscheck, Ribeiro redigia os capítulos referentes à educação na mensagem presidencial. Além disso, era vice-presidente do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos do Ministério de Educação junto com Anísio Teixeira. Também com Anísio participava da discussão da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em defesa da escola pública.

Em 1960, com empenho de Darcy e demais, o presidente enviou ao Congresso Nacional o pedido de autorização para a instituição da Universidade. Então foi criada uma comissão especial para projetar a Fundação Universidade de Brasília. Darcy Ribeiro foi nomeado presidente dessa comissão, que contava com a participação de Oscar Niemeyer, Cyro dos Anjos e outros.

O projeto era inovador para parâmetros nacionais, mas ao se pensar numa conjuntura internacional não era tanto. O modelo de universidade a ser implantado em Brasília já tinha sido experimentado largamente em vários lugares do mundo como Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos e Rússia. A renovação foi feita ao integrarem os cursos universitários, com o regime jurídico próprio da Universidade, com estrutura acadêmico-administrativa, com a inclusão de pesquisa. O ponto alto dessa mudança era a autonomia. No plano didático, a universidade era livre para organizar seu regime de ensino, currículo dos cursos, sem estar atrelada a exigências da legislação. A sua forma de organização viria prevista em seu estatuto. No plano financeiro, também era importante que a entidade fosse independente, obtendo recursos próprios para a sua gestão.

Todavia, não foi tão fácil levar a cabo esse tão belo projeto. Havia uma oposição clara à criação da Universidade na capital, uma delas era a de Israel Pinheiro17, pois ele acreditava que essa instituição significava uma ameaça por conta de manifestações estudantis e greves operárias. O impasse de Israel foi destinar um terreno afastado de Brasília para a criação da instituição, diferente do espaço previsto na asa norte próximo a Lago Paranoá. Um novo obstáculo seria a intervenção da Igreja Católica, que previa a criação de uma instituição de ensino superior em Brasília, sem acarretar ônus ao governo e com os melhores quadros do país. Para Darcy, se isso ocorresse, aniquilaria a criação do ambicioso projeto. De tal maneira, ele procurou estabelecer diálogo com os jesuítas e propôs a eles a criação de um Instituto de Teologia. Argumentou que a Universidade de Brasília formaria doutores e não apenas profissionais comuns como nas outras Universidades Católicas. Sua proposta foi bem aceita por parte do Papa. Tal acordo veio a gerar conflitos entre a intelectualidade, por considerar um ato de oportunismo ou traição ideológica.

Superados os primeiros embates, em 15 de dezembro de 1961, a Lei 3.998 foi sancionada pelo presidente João Goulart. Assim, autorizou o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade de Brasília, uma entidade autônoma com personalidade jurídica, que tem como objetivo manter a instituição de Ensino Superior de Pesquisa e Estudo em todos os

ramos da Ciência. A administração da recém-fundada universidade ficou a cargo de um Conselho Diretor, composto por seis membros e dois suplentes. O primeiro Conselho foi assim composto: Anísio Teixeira, Darcy Ribeiro, Hermes Lima, Abgar Renault, frei Mateus Rocha, Osvaldo Trigueiro, Alcides da Rocha Miranda, João Moagem de Oliveira. Tal grupo elaborou o regimento, estatuto, realizou convênios e outras atividades administrativas. Os primeiros reitor e vice-reitor foram, respectivamente, Darcy Ribeiro e frei Mateus Rocha. Os primeiros institutos criados foram de Matemática, Física, Química, Biologia, Geociências, Ciências Humanas, Letras e Artes. O primeiro vestibular já foi realizado em Março e em abril foram inaugurados os cursos de Direito, Administração e Economia, Arquitetura e Urbanismo e Letras Brasileira. Ainda sem estrutura, graças ao apoio de Anísio Teixeira, as primeiras aulas foram realizadas nas dependências do antigo Ministério da Educação e Cultura.

A aula inaugural ocorreu em 21 de abril de 1962, sendo essa ministrada por Anísio Teixeira, no auditório Dois Candangos. Neste momento, Darcy já não era mais o reitor, pois aceitara o posto de Ministro da Educação, sendo frei Mateus Rocha o reitor. Neste período, a UnB era um grande canteiro de obras, metade das verbas destinadas a Fundação eram desembocadas na construção do Instituto Central de Ciências, ICC, carinhosamente conhecido como Minhocão18. Faltavam habitações para os professores e alunos. Inicialmente foram construídas quatro OCAS, eram construções em madeira, com instalações elétricas e sanitárias. Essas foram destinadas aos professores, os alunos se improvisavam como podiam na cidade.

Havia muita lama e poeira no campus, o que dificultava a circulação e a construção. Não tinha estrada, ao sair da L-2, era só mato, havia muitos buracos no caminho. Em meio a essa estrutura um tanto improvisada, estavam 75 professores, cerca de 140 funcionários e os vários operários encarregados da acelerada construção dos edifícios do campus universitário. Afinal, a instalação plena estava prevista apenas para o ano de 1966. Até o ano de 1964, a universidade funcionou com instalações provisórias. A persistência com o modelo inicial foi grande. Mas com o aumento da presença militar19 dentro do campus universitário, em 24 de Outubro de 1965 ocorreu a diáspora de professores e não foi mais possível em restabelecer o

18Este edifício foi projetado por Oscar Niemeyer e tem extensão de 800 metros.

19 Após o Golpe Militar de 1964, a interferência dos militares passou a ser cada vez mais frequente, depondo

reitores e vigiando os professores. Afinal, eles temiam que um levante comunista surgisse dentro do ambiente universitário. Depois da demissão de alguns colegas, os professores se uniram e, em ato político, assinaram a demissão coletiva. Contudo, eles não acreditavam que tal ato seria irreversível.

que fora a UnB até então. “Nós entregamos a UnB de bandeja aos militares”20 (BERNARDET, 20009).