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Homofobia é a modalidade de preconceito, sentimento negativo em relação a indivíduos e grupos socialmente inferio- rizados, e de discriminação, materialização desses sentimentos negativos em atitudes que violam os direitos dos indivíduos e dos grupos, direcionada contra homossexuais (RIOS, 2009).

Diariamente, homens e mulheres, identificados ou não como Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT), mas que fogem do padrão estabeleci- do de masculino e feminino, sofrem preconceito e discrimi- nação, muitas vezes, pelo simples fato de andarem ou falarem diferente da maioria.

Essas manifestações de preconceito e discriminação se es- tabelecem em vários espaços sociais, e a escola não fica aquém desta relação. Este tem-se mostrado um espaço que permite a interação entre pessoas com culturas, sonhos, anseios, sexo, gênero, raça/etnia e orientação sexual diversas. Evidentemen- te, a homofobia encontra ali um espaço para se manifestar.

Meninos pagam um alto preço por não saberem jogar fu- tebol, por terem a letra bonita, por serem os mais inteligentes, educados e não falarem palavrão; em contrapartida, meninas sofrem por sentarem de pernas abertas, gostarem de artes-mar- ciais e não se identificarem com o cor-de-rosa. Em nenhum momento citamos a orientação sexual dos indivíduos, apenas seus gostos, mas que são suficientes para receberem rótulos.

Theo Chen, um jovem singapurense de apenas 12 anos, famoso na internet por postar vídeos cantando e dublando músicas de sucesso, usou a mesma ferramenta para postar um vídeo diferente do que costumara produzir. Chen (2013) postou um vídeo de pouco mais de seis minutos desabafando:

Basicamente, me chamam de bicha, ou gay, ou boiola, coisas assim [...] está atacando meus nervos, é torturante [...] não me apreciam por quem eu sou [...] precisam pa- rar de me julgar! Por favor, parem! Ok?.

No próprio vídeo, Chen afirma ter apenas 12 anos, e por isso não sabe se irá se tornar gay, mas gostar de cantar e dançar transformou-se na marca que o levou a ser vítima de bullying homofóbico, pois se entende que homens hete- rossexuais não devem cantar e dançar, tampouco ser gentis e educados.

O bullying homofóbico é um tipo de bullying motivado pela orientação sexual ou identidade de gênero real ou perce- bida da vítima, indivíduo este não enquadrados nas normas sexuias e de gênero preponderantes no meio, inclusive lésbi- cas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais (UNESCO, 2013), ou seja, não é necessário que o indivíduo se identifique como LGBT para sofrer bullying homofóbico. Segundo a ONG Stop Bullying Canadá, há um número maior de alunos que so- freram bullying homofóbico que o número que efetivamente se identificou como LGBT. Ou seja, é a partir de uma supos- ta homossexualidade que se pratica o bullying homofóbico. Muitas vezes a criança sequer tem idade de saber se é homo ou heterossexual, como afirma Chen, porém, com base em seu comportamento, visto pelos/as outros/as como suspeito, são rotulados/as e se tornam vítimas.

Os apelidos podem ser dos mais variados: fruta, bicha, boiola, florzinha, mulherzinha e o clássico viado, geralmen- te são palavras que remetem ao ofendido características femi- ninas. Cabe ressaltar que muitos entendem a mulher como um ser inferior, ideia desprezível, porém ainda existente na

mente de alguns/mas, e por isso tendem a associar aos supos- tos gays características femininas, tentando diminuí-lo.

Segundo levantamento da UNESCO (2013), no Brasil, mais de 40% dos homens gays foram agredidos fisicamente enquanto estavam na escola; na Guatemala esse número pas- sa para 53%; no México 61% e no Chile 68%. Questionamos se o Chile é um país mais hostil a homossexuais que o Brasil ou se a compreensão sobre a temática é maior no país vizinho.

As consequências do bullying homofóbico se asseme- lham ao contexto geral de bullying, mas, neste caso específi- co, chama a atenção o índice de evasão escolar. Em pesquisa publicada pela UNESCO (2013, p. 21), na Argentina, “alunos transgêneros relataram ter parado de estudar por sofrerem bullyinghomofóbico de outros alunos, ou por serem impe- didos de entrar na escola por gestores escolares”. Naquele país, 45% dos entrevistados abandonaram a escola secundá- ria, sendo que apenas 2,3% concluíram um curso superior. Esses dados colaboram a derrubar a tese de que indivíduos não heterossexuais são promíscuos e que se prostituem por prazer ou imoralidade. Ora, qual opção os outros 98% que não concluem o ensino superior têm? Muitas vezes foram expulsos de casa, expulsos da escola, abandonados pelos/ as supostos/as amigos/as, qual opção lhes resta? Buscar um emprego com carteira assinada em uma sociedade que re- nega o diferente – heteronormativamente falando – a perife- ria da sociedade através de exclusão e violência física?

Infere-se também a importância da participação docen- te nos casos de bullying homofóbico, negativamente ou posi- tivamente falando. Na Europa, dos/as alunos/as que tiveram experiências negativas na escola em relação a sua sexualida- de, de fato ou aparente, 14% mencionaram que os/as profes-

sores/as eram a causa ou parte do problema, afirmando que esses eram “expectadores passivos que simplesmente não deram ajuda ou orientação, e não ofereceram apoio al- gum” (UNESCO, 2013. p. 39). Especificamente no Reino Uni- do, 7% dos/as professores/asafirmam reagir sempre que ou- vem um comentário homofóbico; em contrapartida, 62% dos/ as alunos/as gays ou lésbicas relataram que, ao informar um incidente de bullying aos/às professores/as, nada tinha sido feito (UNESCO, 2013).

O grande drama do Bullying homofóbico comparado aos casos gerais de bullying ou ao ciberbullying é que dife- rente destes, a vítima muitas vezes não encontra apoio de professores/as ou familiares, muitas vezes sofre em silêncio por medo de sair do armário e ser alvo de preconceito ou até mesmo sofrer violência física de membros de uma socie- dade preconceituosa.

CONSIDERAÇõES FINAIS

Muitas pesquisas ainda serão feitas sobre bullying, cyber- bullying e bullying homofóbico (sendo este último uma área pouquíssimo pesquisada em âmbito nacional); dos mais dife- rentes campos – pedagogia, psiquiatria, psicologia, pediatria – podem surgir diferentes perspectivas e diferentes conclusões sobre a temática. Porém os/as docentes, de todos os níveis de ensino, não podem esperar uma conclusão para arregaçar as mangas e começar a atuar rumo à extinção deste mal.

Em todas as escolas, de todos os níveis, de todas as clas- ses, crianças e adolescentes sofrem por serem diferentes da maioria, reprimem-se aceitando a violência, enquanto agres-

sores/as agem acreditando que não serão punidos/as. Quan- do o problema é gritante, a atitude tomada pela direção es- colar é a transferência de escola do/a agressor/a, o que não acaba com o problema, apenas o transfere a outro espaço.

A primeira ação que deve ser realizada na escola é a in- formação a todos/as os/as funcionários/as sobre a temática, conceitualmente falando. Do/a diretor/a aos/às zeladores/as, passando pelo/a motorista da condução, todos/as devem es- tar cientes do problema. Os/as alunos/as devem ser informa- dos/as, e, principalmente, chamados/as para participar das tomadas de decisões sobre as ações que serão implementa- das no combate ao bullying. Teixeira (2011, p. 80) afirma que: [...] quando os alunos participam da discussão dos pro- blemas, na criação de regras e punições por mau com- portamento, eles são mais aptos a segui-las e mais rígidos com os desvios de conduta.

Em relação ao cyberbullying, as/os docentes devem se desarmar do discurso:

o que acontece na internet não é problema da escola”, “a internet é um mundo livre, não podemos fazer nada!”, “o que querem que eu faça? Ensine as crianças a usarem o Facebook pra daí um monte de pais virem reclamar na escola”, “a prefeitura/o governo não disponibiliza computadores/internet, não tem o que fazer2.

Os problemas relacionados ao cyberbullying emergem e refletem-se em toda a sociedade, ou seja, o que acontecer na

2 Essas frases foram proferidas por cursistas durante o curso Gênero e Diversidade na Escola (GDE), ofertado no primeiro semestre de 2014 na UTFPR.

internet pode acompanhar o/a aluno/a na sala de aula. A ví- tima de cyberbullying passa a ser vítima também do bullying tradicional, cometido por colegas que acompanharam a hu- milhação on-line. São situações complementares e violentas que começam no mundo virtual e terminam – insere-se o suicídio no conceito de terminar – no mundo real, na frente do/a professor/a.

A principal arma que um/a professor/a pode assumir perante o cyberbullying é o conhecimento, ao invés de deixar- mos a máquina nos dominar, devemos dominar a máquina. Conhecer as ferramentas da internet e das mídias sociais per- mite que o/a docente conheça as possibilidades negativas – violências e agressões – e positivas desta tecnologia, para que aquelas sejam extintas e estas possam ser utilizadas dentro de sala de aula, potencializando o processo de aprendizagem. Não se trata de ensinar a usar o facebook, trata-se de orien- tar; a questão é: quanto mais as/os docentes souberem sobre o funcionamento das mídias sociais, melhor poderão orientar os/as alunos/as sobre como utilizar a internet, presente e ins- tituída na vida dos/as jovens, de forma saudável e lúdica.

Sobre bullying homofóbico, inferi-se a dificuldade em trabalhar com a temática. Vivemos em uma sociedade precon- ceituosa onde falar sobre homofobia em sala de aula é, muitas vezes, interpretado pelos pais como ensinar o/a filho/a a ser gay. Mas contra tudo e contra todos deve-se buscar o esclare- cimento dos/as jovens sobre a temática, mostrando, mesmo que seja através das entrelinhas, que, como diz Chen (2013): não tem problema nenhum em ser gay. Deve-se sempre ter o norte de que educação é um direito de todos/as, refletido nos objetivos de desenvolvimento do milênio, e isso com- preende acesso à escola, qualidade da educação e, principal-

mente, direito a um ambiente escolar seguro; independente do contexto social – religioso – em que a escola esteja inse- rida. A/o docente pode – e deve – revisar o material didático, garantindo que nenhuma mensagem estereotipada chegará aos/às alunos/as, baseando o currículo na abordagem dos di- reitos humanos. Jamais se deve esquecer: sexo (biológico) e gênero (construção social) são dois conceitos distintos e in- dependentes, homens podem chorar e gostar de poesia e mu- lheres podem gostar de futebol e querer ser engenheiras, isso não influencia, necessariamente, em sua sexualidade.

Mais do que buscar culpados e punições, a atitude dos/ as profissionais da escola deve ser de carinho e acolhimento às vítimas. Mais do que vingança, o que as vítimas precisam é ser admiradas pelo que são, elogiadas pelos seus atos po- sitivos; precisam aprender a importância e o valor da escola; precisam de autoestima e o direito de estudarem em paz.

Durante a última edição do Curso GDE, ofertado na Uni- versidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), uma cur- sista, professora de ensino infantil, nos agraciou com um belo relato. Em sua turma, uma menina negra veio à professora, cabisbaixa, afirmando que seus colegas zombavam dela di- zendo que seu cabelo era ruim. A professora, sem pensar em suas palavras, respondeu rapidamente:

Você tem cabelo ruim? Eu é que tenho cabelo ruim! Nesse meu cabelo liso não dá para fazer nenhum penteado diferente, se eu coloco uma presilha ela escorrega; você que tem cabelo bom, dá para fazer vários penteados bonitos.

No dia seguinte, a menina veio toda alegre com o cabelo trançado e cheio de continhas coloridas. A mãe da criança foi

agradecer a professora, dizendo que a menina sempre lhe pe- dia para alisar o cabelo, e que, agora, os pedidos são para que a mãe realize penteados diferentes todos os dias.

A professora não buscou um culpado, não estipulou pu- nições, mas com um simples gesto mudou a vida daquela me- nina que passou a se aceitar e, independente do que as outras crianças diziam, tinha orgulho de seu cabelo.

Claro que devemos seguir rumo a ações políticas as- sertivas que contemplem a totalidade institucional e social na busca pela minimização das ocorrências de bullying, po- rém mais importante que relações legais e ações judiciais, a grande arma contra esse mal pode ser um simples abraço, um simples gesto de carinho, para que a experiência escolar seja sempre lembrada com a alegria de bons tempos, com aquela saudade de momentos que não voltam mais, mas que foram vividos com a intensidade que só a juventude, no processo de crescimento pessoal e acadêmico, permite.

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