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VIOLêNCIA DE GêNERO NO PAqUISTÃO: CULTURA VISUAL, ENSINO DE hISTóRIA E

RELAÇõES DE GêNERO

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Anderson Ferrari

Violência de gênero no Paquistão é o título traduzido de uma série de 10 imagens do fotógrafo espanhol Morenatti (2009), vencedor do concurso FotoPres 2009, da Fundação La Caixa da Espanha. São fotografias de 10 mulheres pa- quistanesas que sofreram ataques com ácido, desfiguran- do e deixando marcas nos seus corpos, sobretudo rostos, demonstrando como o corpo se torna local de poder, de disputa, de confronto e de ressignificação. De forma geral, elas evidenciam o sentido de construção que está presente quando analisamos ações que incidem sobre os corpos. As- sim, através das fotografias podemos ler não somente atos de violência e opressão, mas também ações de resistência e luta. Como nos lembra Ramoneda (2009, p. 38):

Con una gran dignidad por encima de todo, en estas imá- genes se entremezclan la valentia, el orgulho, la tristeza y la

1 Este capítulo é resultado de uma pesquisa financiada pelo CNPq, 408131/2013- 6, chamada: Chamada 43/2013 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas, intitulada Cultura Visual, Formação Docente, Currículo e Educação.

esperanza, reflejos de las distintas formas de afrontar la tra- gédia que impregna la vida de cada una de estas mujeres. Por estas palavras é possível identificar minimamente dois movimentos que atingem estas mulheres e seus corpos. Por um lado, temos a ação dos agressores que invadem os corpos destas mulheres e as deformam, algo que foge ao controle delas e que diz que seus corpos, por algum motivo e momento, se transformam em locais de dor e disputa, ou seja, não pertencem mais a elas. Por outro lado, são ressignificados depois da agressão, são assumidos como locais de denúncia, recuperados por estas mulheres como seus e, portanto, utilizados para outros fins, como por exemplo, a denúncia das agressões. De uma forma ou outra, o que parece atravessar esses dois movimentos é o entendimento do corpo como espaço de leitura, de informação, de apropriação e de encontro. Corpos que, ao serem fotografados, corporificam a violência e resistência, transformando-se em imagens e obra que podem ser tomadas de diferentes maneiras e que se desdobram em diversas possibilidades de leitura e trabalho.

Quero tomar essa obra e essas imagens para colocar em debate a relação entre cultura visual, ensino de História e re- lações de gênero. Quais as potencialidades e os desafios do trabalho com as imagens para o ensino de História? Como as relações de gênero atravessam essa articulação entre as ima- gens e o ensino de História? Trabalhando com a disciplina de Didática do Ensino de História e Estágio Supervisionado, ve- nho exercendo minhas ações em duas frentes que dialogam: a presença na escola como observação e intervenção dos alunos e alunas da Licenciatura em História e a discussão e proble- matização da educação, escola e ensino de História nas aulas

na graduação. Neste encontro entre escolas, educação e ensi- no de História, aposto numa formação que busca pensar que ocorrem nas salas de aula e nas escolas processos educativos para além do conteúdo e que dizem dos modos de subjetiva- ção. É um investimento que pode ser traduzido num convite para olhar para os alunos e alunas, para escutar com atenção o que dizem, como se organizam e para deixá-los falar, se expres- sarem. Quando nascemos, viemos num mundo já organizado discursivamente, de maneira que somos muito mais resultado deste mundo do que produtor dele (FOUCAULT, 1988). No en- tanto, podemos dizer que hoje estamos num mundo plural que nos possibilita entrar em contato e conhecer diferentes reali- dades, fenômenos e encontros bastante imprevistos. Trabalhar com as imagens de mulheres paquistanesas deformadas para pensar a relação entre cultura visual, ensino de História e cons- trução dos gêneros pode ser um destes encontros imprevisíveis e mesmo inesperado. Mas ele pode ser defendido por uma pro- vocação que nos faz Larrosa (2002, p. 20) ao chamar a atenção e criticar um aspecto da educação que nos convida a pensar a formação docente e o currículo: “Costuma-se pensar a edu- cação do ponto de vista da relação entre a ciência e a técnica ou, às vezes, do ponto de vista da relação entre teoria e prática”. A partir desta crítica, o autor faz uma espécie de provocação e que organiza a proposta deste capítulo de pensar as relações de gênero, ensino de História e imagens:

O que vou lhes propor aqui é que exploremos juntos ou- tra possibilidade, digamos que mais existencial (sem ser existencialista) e mais estética (sem ser esteticista), a sa- ber, pensar a educação a partir do par experiência/sen- tido (LARROSA, 2002, p. 20, grifos do autor).

Experiência que para Foucault (2013) está relacionada ao processo de dessubjetivação, algo do qual se sai transformado, diferente do que era antes. Processos que dizem da relação en- sino/aprendizagem, que dizem do investimento da História e do ensino de História em possibilitar aos alunos e alunas outras formas de pensarem, de olharem o mundo e de serem. Ensinar História não é um ato de dizer o que já se sabe, mas de colo- car em circulação diferentes maneiras de pensar, de provocar o pensamento em direção a algo que nunca se tinha pensado antes, enfim, diz de uma forma de experimentação e não um trabalho de teoria para construir um sistema geral. Isso tam- bém diz do trabalho com as relações de gênero, que muitas ve- zes se encontram camufladas no ensino de História, como se não houvesse construção de gêneros neste ensino. O ensino de História é generificado, ele está o tempo todo atravessado pe- las relações de gênero e de poder. Basta um olhar mais atento para os livros didáticos de História para perceber isso. A His- tória presente nele é do homem, branco, heterossexual, católi- co. As mulheres aparecem como transgressão à norma e estão presentes nos livros porque fizeram algo que não era esperado e, por serem exceção, merecem estar nos livros, reforçando muito mais seu papel de periferia do que de centro. É impor- tante deixar claro que não estou trabalhando com um entendi- mento da experiência que entende o ensino de História como um olhar reflexivo sobre o vivido para apreender suas significa- ções. Para mim, o ensino de História tem a potência de arran- car o sujeito de si mesmo, de maneira que ele está diretamente implicado nos processos de dessubjetivação, que se transforma em experiência. Com isso, quero dizer que a força não está no que se ensina, mas nas experiências que o ensino de História (o que se ensina, como se ensina) permite fazer na relação com os meninos e meninas, com a construção dos gêneros.