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DAS mARCAS VISÍVEIS (E INVISÍVEIS)

Quando se discute violência contra mulheres e crianças, em geral se pensa apenas na violência física – socos, pontapés,

empurrões ou na sua forma mais radical, o assassinato, sem- pre cometido com requintes de crueldade (TREVISAN, 2011). No entanto, antes de chegarmos a esse nível de violência, nos deparamos com uma sucessão de situações que envolvem a violência psicológica ou maus-tratos emocionais. Esse tipo de violência se caracteriza por uma série de comportamen- tos que envolvem a rejeição e adepreciação constantes, ridi- cularizando e humilhando, discriminando de alguma forma, numa clara ação de desrespeito, impondo, muitas vezes, o isolamento de amigos e parentes. Tais situações a que as mu- lheres são submetidas acabam por afetar de modo importan- te a autoestima delas. A ameaça de morte e as perseguições (como por exemplo, fazer escândalo no local de trabalho ou no ambiente de estudo, telefonar compulsivamente, escrever bilhetes ou cartas ameaçadoras, etc.), implicam o cerceamen- to da liberdade de ir e vir, instalando o medo e a fragilidade emocional. Por causa disso, tais comportamentos devem ser considerados como maus-tratos emocionais, que perpassam as demais formas de violência, tais como: a violência moral (ofensas em relação a sua conduta), a violência patrimonial ou econômica, em que o agressor se recusa a participar nos gastos básicos para a sobrevivência familiar (não querer dar pensão alimentícia aos filhos, por exemplo) ou ainda no caso de separação, tenta prejudicar ou se vingar da mulher, retiran- do seus bens ou estabelecendo acordos injustos, que a preju- dicam financeiramente. Também tal situação se expressa nas constantes tentativas, por parte do parceiro, de deixar clara a dependência econômica da mulher ou ainda sua incompe- tência para ganhar dinheiro. Outra situação consiste na tenta- tiva, por parte docompanheiro/marido/namorado ou filhos, de explorar financeiramente a mulher.

Outro tipo de violência muito praticada pelos maridos/ companheiros é a violência sexual. Por estarem casados, muitos deles se sentem no direito de impor seus desejos e impulsos sexuais às companheiras, mesmo que estas não estejam de acordo em manter relações sexuais com o parceiro. Além de imporem o ato sexual com seus desejos e fantasias, expressos em práticas sexuais com as quais a mulher não se sente confortável ou desejosa de praticar, o fazem com muita perversidade e violência. Machado (2011) relata a situação de uma mulher que foi obrigada, durante anos, a reproduzir as cenas de sexo presentes em filmes pornográficos a que seu marido assistia. É interessante perceber que muitas vezes esse tipo de violência fica encoberto pela violência doméstica, pois as próprias mulheres não denunciam por vergonha ou ainda por acharem que como se trata dos maridos, eles teriam alguma prerrogativa para satisfação de seus desejos sexuais. Também é importante considerar a violência sexual cometida contra crianças e adolescentes, que vem sendo alvo de preocupação por parte das políticas públicas nos últimos anos (HUERTAS et al. 1998; FALEIROS, 2000; FERRARI, VECINA, 2002; GUIMARÃES; MINDAL; SILVA, 2008).

A Lei Maria da Penha nº 11.340 (BRASIL, 2006b) dá visi- bilidade a essas outras formas de violência, que muitas vezes não são consideradas. Por vezes, temos a impressão de que a agressão só é percebida como tal, se houver marcas visíveis pelo corpo (TREVISAN, 2011). No entanto, é preciso consi- derar outras formas de violência, como as citadas anterior- mente, buscando estratégias para combatê-las desde a mais tenra infância (MYNAIO; SOUZA, 1999; FELIPE, 2012). Neste sentido, uma questão importante se coloca: o que estamos

ensinando a meninas e meninos e aos jovens em termos de relacionamento afetivo-sexual? De que forma estamos discu- tindo com as novas gerações as conjugalidades e os modelos de família existentes?

É fundamental também problematizarmos e discutirmos com as crianças e adolescentes (e também com os adultos) situações que envolvam o término das relações afetivas entre os casais, pois quase sempre temos uma representação muito idealizada das relações amorosas e do casamento. Brigas, ci- úmes, chantagem emocional, invasão de privacidade e vários comportamentos que indicam insegurança e sentimentos de posse em relação ao outro, são deflagrados por conta de tais idealizações (FELIPE, 2009).

Outro ponto importante que remete à educação diz res- peito ao fato de que muitas alunas, que abandonam a escola, o fazem porque são perseguidas por ex-maridos ou ex-namo- rados na porta da escola ou da faculdade, em geral inconfor- mados com a separação. O relato de uma das coordenadoras pedagógicas de uma escola de ensino normal em Porto Alegre mostrou que muitas alunas acabam desistindo do curso.

Há ainda um interessante aspecto a ser investigado em relação à escolarização e aperfeiçoamento das mulheres em nível universitário, pois, em muitos casos, os homens se sentem ameaçados pelo fato de suas namoradas, esposas, companheiras, terem uma maior escolarização do que a deles, gerando assim algumas inseguranças e manifestações de ciúmes por parte deles. Uma das respondentes relatou sofrer humilhações por parte de seu marido pelo fato de ela estar estudando no curso de Pedagogia. Ele a ridicularizava por seu salário como estagiária ser baixo, enquanto o salário

dele, mesmo sem estudos universitários, chegava a ser o triplo. O desequilíbrio financeiro vivenciado por muitos casais pode ser um problema de conflito nas relações (HOCHSCHILD, 2008). Tais situações de violência contra as mulheres precisam ser questionadas, debatidas, em especial no âmbito da escola, local privilegiado para a ampliação dos conhecimentos e do combate às injustiças sociais (BRASIL, 2006a; EGGERT, 2009).

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“ERA Só UmA BRINCADEIRA!”:

REFLExõES SOBRE bullying ESCOLAR