• Nenhum resultado encontrado

OLhARES A PARTIR DE ExPERIêNCIAS COm A GRADUAÇÃO

Enquanto nos cursos de pós-graduação e formação con- tinuada de professores, desenvolvidos pelo grupo REGEDI, conta-se com apoio de políticas públicas de instituições como o MEC, que aportam condições materiais para a concretiza- ção de ações, na graduação todas as estratégias são motivadas pelo desejo intrínseco do grupo. Embora de menor enverga- dura, nem por isso as estratégias desenvolvidas no âmbito da graduação vêm demonstrando ser menos efetivas.

Nos cursos de graduação, o grupo tem realizado diferen- tes ações na temática desde o ano de 2006 e que serão bre- vemente descritas aqui, para que possam subsidiar/estimular experiências semelhantes em outras realidades. Os cursos da UFPR Litoral têm um Projeto Político-Pedagógico arrojado, com espaços curriculares que permitem a interlocução de te- mas de vanguarda, flexibilizando-se os conteúdos abordados e também a metodologia de ensino-aprendizagem.

As primeiras ações propositivas, referiram-se à inserção de temas, como violência, homofobia, gênero e diversidade sexual, no rol de temáticas ministradas aos cursos de gradu- ação, objetivando sensibilizar os/as futuros/as profissionais para tais questões. Muitas vezes, a inserção era de uma ou duas aulas dentro de módulos tradicionais, tais como, por exemplo, o debate sobre violência de gênero e sobre transe- xualidade no módulo de Saúde da Mulher e do Homem, da graduação em Fisioterapia. Outras vezes, os/as docentes do grupo participavam da elaboração dos projetos pedagógicos dos cursos e conseguiram propor módulos inteiros para dis-

cussão de tais questões, como os módulos de Gênero e Saúde ou Violência e Saúde, na graduação em Saúde Coletiva.

Entretanto, uma preocupação também era de oportunizar a vivência de tais conteúdos a estudantes de outros cursos, que não dispunham de tal espaço para debate dentro de sua ma- triz curricular. Um eixo curricular específico da UFPR Litoral se destacou nesse quesito, relacionado à flexibilização de conte- údos, permitindo incorporar a discussão de temas ligados aos estudos de gênero, diversidade e direitos humanos. Trata-se do eixo Interações Culturais e Humanísticas (ICH), que perfa- zem 20% da carga horária de todos os 15 cursos do câmpus.

As ICH, como são denominadas, têm o espaço na agen- da semanal às quartas-feiras, para todos os cursos do câm- pus, dentre eles as Licenciaturas (em Artes, Ciências e Lin- guagens), os Bacharelados (Saúde Coletiva, Gestão Pública, Serviço Social), e os Tecnólogos (Turismo), entre outros, que possuem interlocução com a temática dos direitos humanos. As ICH permitem o diálogo interdisciplinar entre cursos, uma vez que são ofertadas desvinculadas das respectivas caixinhas dos cursos. Basicamente há um cardápio de ICH, em que, in- dependente do curso de graduação, o/a estudante pode optar pela atividade que mais lhe interessa, e cursá-la ao longo de um semestre letivo, junto com estudantes de diferentes áreas de formação, permitindo o diálogo interdisciplinar.

Como exemplos de ICH com interfaces na temática, já ofertadas pelo grupo de professores/as, destacam-se: Ofici- na de Gênero e Cinema, Violência e cidadania e Saúde em foco, que deram ênfase a discussões de gênero, violência, ho- mofobia e bullying. Enquanto a maioria dessas ICH tinha du- ração de um semestre (sem continuidade), outra ICH merece destaque, pois durou ao longo de vários semestres. Era intitu-

lada bICHa – Transgressão, Gênero e Políticas Sexuais (um nome criativo para designar a atividade, inserindo o acrônimo de ICH no meio da palavra), com intuito de aprofundar a refle- xão teórica e dar visibilidade às questões de gênero e diversi- dade sexual. De acordo com Neves e Sierra (2013), a ousadia no nome da atividade tinha como propósito chamar a atenção da comunidade acadêmica e possíveis participantes para a atividade, bem como estimular, de certa forma, a saída do ar- mário. Nesse sentido, cartazes foram espalhados pela institui- ção convidando as pessoas para participar dessa ICH, porém alguns deles foram arrancados por indivíduos que se senti- ram ofendidos com a proposta do grupo, demonstrando ges- to tipicamente homofóbico. No espaço dessa ICH germinou o Coletivo Leque, um coletivo LGBT discente, que mais tarde capitaneou a organização de Encontros Universitários da Di- versidade Sexual, nas etapas Regional (ERUDS Sul, em 2011) e Nacional (ENUDS, em 2013), ambos realizados em Matinhos, município de 35 mil habitantes e sede da UFPR Litoral.

Mais recentemente, outra ICH organizada por um grupo de jovens estudantes do câmpus, em sua maioria mulheres, vem objetivando dar visibilidade à violência contra mulheres e refletir sobre o empoderamento feminino. Intitulada Mexeu

com uma, mexeu com todxs2, diversas ações já vêm sendo re-

alizadas pelo grupo. Uma das ações que chamou atenção para reflexão foi uma campanha visual, com cartazes feitos pelas próprias acadêmicas para o dia 25 de novembro, Dia Interna- cional pela não Violência contra as Mulheres. Foram espa-

2 Todxs é um modo particular de incluir todos e todas que vêm sendo grafada por este grupo, seguindo uma tendência comum atualmente em alguns movimentos e nas redes sociais, que propõe o abandono da generificação das palavras, na tentativa de minimizar binarismos de gênero.

lhados pelas paredes da universidade e traziam frases como Diga não à violência contra mulher, A cada 5 minutos uma mulher é agredida no Brasil, entre outras, visando sensibilizar a comunidade universitária para o problema. Entretanto, para surpresa das organizadoras, no dia seguinte todos os cartazes continham comentários machistas e sexistas, como, por exem- plo: E quanto aos homens que são agredidos por mulheres?, Hipocrisia, eu quero uma pra viver, ou então no cartaz em que o grupo escreveu Lugar de mulher é aonde ela quiser (em contraponto ao dito popular de que lugar de mulher é na co- zinha), o comentário foi Lugar de homem é aonde ele quiser. Diante dos fatos, percebe-se o quanto a sociedade é ma- chista e sexista. A violência não se configura apenas em atos físicos de agressão, mas também por meio de palavras, sendo denominada violência verbal, assim como a violência psico- lógica e simbólica por detrás de tais ações. Classificar a vio- lência contra mulheres com hipocrisia é negar que uma em cada três mulheres brasileiras é vítima desse tipo de violência. É não admitir que vivemos em uma sociedade em que o ma- chismo e a heteronormatividade são hegemônicos. Em sínte- se, é negar as assimetrias de gênero e naturalizar a violência contra as mulheres. Ressalta-se que estamos falando de uma experiência que ocorreu dentro dos muros de uma universi- dade federal, lugar que consideramos privilegiado no acesso às informações, ao conhecimento e à cultura. Lugar onde, em tese, discutem-se questões sociais emergentes, problematiza- -se a realidade. Imaginemos, então, como teria sido tal experi- ência em outros locais, fora dos muros de uma universidade? Já outra significativa experiência em torno da questão da violência na área em tela, desenvolvida em escolas públicas

do litoral do Paraná e que também germinou no âmbito da graduação, foi um Projeto de Iniciação Científica na área de Bullying e Cyberbullying. O projeto incluiu um levantamen- to piloto realizado por 12 acadêmicos do Bacharelado em Informática e Cidadania, realizado com 1.000 estudantes de escolas públicas de Educação Básica em três municípios da região litorânea (Paranaguá, Morretes e Guaratuba), sobre es- sas duas questões centrais, bem como suas repercussões para o campo da Educação. Os resultados revelam que, de um total de 1.000 estudantes, sendo 482 meninas e 488 meninos, 47% já sofreram algum tipo de agressão, ofensa ou intimidação no ambiente escolar, presencial ou virtualmente; enquanto que 53,40% foram vitimas de brincadeiras de mau gosto pe- los colegas. A partir da etapa piloto do projeto, que consistiu na aplicação do instrumento de pesquisa, observou-se uma realidade preocupante no que tange à violência escolar tanto para estudantes, professores e pais.

Para Wanzinack (2014), o bullying é uma expressão uti- lizada para indicar pessoa intimidadora, muitas vezes agin- do de forma agressiva, utilizando vantagens físicas ou morais para intimidar, amedrontar ou apavorar outrem, particular- mente relacionada ao ambiente escolar. Este termo vem sen- do adotado para definir comportamentos premeditados, re- petitivos, agressivos, perversos, intencionais, de violência, de forma física ou psicológica, com o intuito de coagir alguém para obter algum favorecimento ou por bel-prazer.

Segundo Gomes e Sanzovo (2013), o bullying se configura em uma subcategoria de violência, abrangendo muito mais do que desentendimentos cotidianos escolares e problemas estudantis, representa um verdadeiro processo maléfico às vítimas nele inseridas, podendo, inclusive, ser

fatal. Já o cyberbullying ou bullying virtual acontecem em situações opressoras semelhantes, porém substituindo a agressão física, por agressões virtuais, as quais se configuram em danos psicológicos diuturnamente. Para Casagrande, Tortato e Carvalho (2011), essas situações de violências podem produzir traumas que interferem na construção das identidades de muitos jovens.

Desse modo, a partir de tais experiências, o grupo de docentes da UFPR Litoral acredita que as ações desenvol- vidas com acadêmicos permitem a sensibilização para as questões debatidas até aqui, que versam sobre aspectos li- gados aos direitos humanos e que dizem respeito a todas as categorias de profissionais, embora com grande ênfase a profissionais envolvidos com a Educação. Proporcionar tais iniciativas, seja com estudantes de graduação ao longo de seu processo de formação, seja com profissionais já gradu- ados, no caso dos cursos de formação de docentes, apesar de atividades laborosas para o grupo, permitem vislumbrar resultados a curto, médio e longo prazo. O combate aos di- ferentes tipos de violência elencados ao longo deste texto não apresenta resoluções simples de serem encaminhadas. Cada escola/instituição deve pensar a sua realidade, suas li- mitações e suas possibilidades. Mas o mais importante de tudo é dar o primeiro passo.