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2 VIOLêNCIA E hOmOFOBIA NAS ESCOLAS

DO LITORAL DO PARANá: DESAFIOS LOCAIS

PARA Um PROBLEmA NACIONAL

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Marcos Claudio Signorelli Clóvis Wanzinack

INTRODUÇÃO

Este texto objetiva apresentar uma reflexão sobre ques- tões de gênero, violência e homofobia e sua articulação com a promoção dos direitos humanos nas escolas. O estudo tem como recorte territorial o contexto da educação pública da região litorânea do Paraná, uma das menos desenvolvidas do Estado. Entretanto, os aspectos aqui discutidos são extensivos a outros locais. São abordados, ao longo do texto, resultados de experiências oriundas a partir de estratégias de um coleti- vo docente da Universidade Federal do Paraná (UFPR) – Setor Litoral, atuantes no âmbito da graduação e da pós-graduação, especialmente em cursos de formação de professores/as liga- dos à temática.

1 Este texto é uma versão adaptada de uma análise prévia apresentada no VII Congresso Internacional de Estudos sobre a Diversidade Sexual e de Gênero da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura, realizado em maio/2014, na Universidade Federal do Rio Grande (FURG), Rio Grande/RS.

O litoral do Paraná é composto por sete municípios: An- tonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Para- naguá e Pontal do Paraná. É uma das regiões que apresenta alguns dos piores indicadores socioeconômicos, de saúde e de educação do estado do Paraná. Retrata um panorama so- cioeconômico muito semelhante a diversas outras regiões interioranas do país, marcadas pela má distribuição de ren- da e ausência de equipamentos públicos efetivos, que aten- dam às demandas da população. Longe de determinismos e sem querer associar pobreza com violência (ou em outras palavras, sabe-se que a violência permeia todos os extratos sociais), argumentamos que em contextos como este, mar- cados por situações de grande desigualdade social e lacunas do aparato Estatal, vêm à tona problemas como (re)produção de preconceitos, violências, homofobia e se acentuam as as- simetrias nas relações de gênero entre homens e mulheres.

Para Luz (2009), a violência é um fenômeno amplo e complexo e que não consiste apenas em manifestações de comportamento entre pessoas. Refere-se também a questões como desigualdades (sociais, étnicas, de gênero ou de classe), pobreza, desemprego, sobrecarga e precarização do trabalho, desvalorização profissional e salarial, perpassando por dis- criminação, ausência de atendimento aos direitos básicos e abandono, entre outros componentes.

Os estudos de gênero têm contribuído na visibilidade de tais problemas, uma vez que denunciam a desigualdade nas relações de poder entre homens e mulheres, construídas histo- ricamente em nossa sociedade. Importantes autores e autoras têm-se debruçado sobre essa questão, tanto no cenário inter- nacional, destacando-se dentre eles/as os trabalhos pioneiros de Mead (1949), Delphy (1984), Scott (1986; 1996), até os mais

contemporâneos de Nicholson (2000), Butler (2008), quanto no contexto nacional, como os de Suárez e Bandeira (1999), Louro (2001) e Pedro (2005).

Alguns desses estudos de gênero também desvelam a violência que é (re)produzida com base nas assimetrias de tais relações, denominada violência de gênero. A violência de gênero pode recair, majoritariamente, tanto sobre as mu- lheres, intensamente denunciada pelo movimento feminista e por estudos multicêntricos conduzidos simultaneamente em diversos países (GARCIA-MORENO et al., 2006), quanto sobre pessoas não heterossexuais, atitude mais recentemente visibilizada pelos movimentos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBT).

A violência contra pessoas LGBT tem distintas nomencla- turas/categorias, sendo homofobia a mais utilizada, embora não seja a única. É descrita por Vieira (1996) como um conjun- to de atitudes negativas em relação a sujeitos homossexuais, somados ao medo de tornar-se homossexual ou tomar gosto pela experiência homossexual. No caso do homem, ele teme ser suspeito de ser homossexual, reagindo com pânico, hosti- lidade e até violência contra os homossexuais, tentando man- ter um estereótipo macho. Já para Breiner (2007, apud REIS, 2009), a homofobia se manifesta de distintas formas: a pessoa homofóbica tende a se afastar, em estado de pânico, de qual- quer situação que, para ela, implicaria contato com homosse- xuais ou com questões ligadas à homossexualidade; até situa- ções de ódio irracional contra sujeitos homossexuais, podendo machucar ou até mesmo culminar no assassinato de algum LGBT que possa representar uma ameaça homossexual a ela.

Atualmente, o movimento LGBT também criou as alcu- nhas lesbofobia, bifobia e transfobia, referindo-se especi-

ficamente aos casos de violências contra lésbicas, violência contra bissexuais e violência contra pessoas trans (transgêne- ros, travestis e transexuais), respectivamente. Assim, tornou- -se comum tanto o uso isolado de cada categoria, bem como somente a categoria homofobia, mais genérica, ficando su- bentendida a lesbofobia, a bifobia e a transfobia, ou ainda a alcunha homo/lesbo/bi/transfobia (SIGNORELLI, 2011). Ciente de tais especificidades, neste capítulo será adotada a categoria homofobia, partindo-se do pressuposto de que ho- mofobia é uma categoria de violência de gênero que inclui, mas que não pode ofuscar lesbofobia, transfobia e bifobia. Assim como a violência contra mulheres, todas essas moda- lidades de violência têm como pano de fundo as relações de gênero desiguais, construídas historicamente e intensamente debatidas por estudos de gênero.

A Organização Mundial da Saúde (1996) citada por Krug et al. (2002, p. 5) define violência como:

O uso intencional da força física ou do poder, real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha grande possibilidade de resultar em lesão, mor- te, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.

Dahlberg e Krug (2006) complementam a noção de vio- lência com a inclusão da palavra poder, ampliando a natureza de atos violentos e expandindo o conceito para incluir os atos que resultam de relações de poder, incluindo ameaças e inti- midação. Assim, o uso de poder também denota negligência ou atos de omissão, além dos atos violentos mais óbvios.

Os estudos de Mott (2009), Abramovay, Castro e Silva (2004) e os estudos conduzidos pela Organização Não Gover- namental (ONG) Transgender Europe (TGEU) evidenciam que a violência contra pessoas não heterossexuais é uma re- alidade emergente no Brasil, seja em atos de violência física, que culminam em homicídios, seja na violência verbal, psi- cológica ou patrimonial (BALZER et al., 2012). Atualmente, o Brasil é o país que mais registra assassinatos de pessoas não heterossexuais no planeta, crimes de ódio claramente motiva- dos pela homofobia. Ou seja, acaba-se com uma vida apenas pelo simples fato de o sujeito ser gay, lésbica, trans ou bisse- xual. Carrara e Ramos (2006) alegam que a violência homofó- bica contra LGBTs tem representado um tema central para o ativismo e progressivamente para os governos e a mídia.

Na sociedade brasileira contemporânea, a não heteros- sexualidade é gravemente condenada pelo discurso hegemô- nico que, influenciado pelo discurso religioso fundamentalis- ta e médico-científico, legitimou instituições e práticas sociais baseadas em um conjunto de valores heteronormativos, os quais levam à discriminação, marginalização e à punição de diversos comportamentos sexuais, sob a acusação de crime, pecado ou doença (PRADO; MACHADO, 2008).

Na tentativa de implantação de políticas públicas para atender a população LGBT, a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH) da Presidência da República lançou ao programa Brasil sem homofobia (2004), que propõe diver- sas diretrizes visando o combate à violência homofóbica por meio de parcerias com a sociedade civil organizada. Em 2008, o Ministério da Saúde apresenta a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais a ser implementada no Sistema Único de Saúde (SUS), na ten-

tativa de cumprir com os princípios de universalidade, equi- dade e integralidade que orientam o sistema.

Já o Ministério da Educação (MEC), por meio da Secre- taria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), vem fomentando a discussão a respeito de questões de gênero, homofobia e direitos humanos (entre outros temas de grande relevância), por meio de cursos de formação de professores das escolas públicas, ministrados por universidades parceiras.

E é neste cenário, de intenso debate e proposição/imple- mentação de políticas públicas, que emerge o trabalho que vem aqui ser relatado. Objetiva-se neste texto tecer algumas re- flexões sobre a experiência de um grupo de docentes da UFPR – Setor Litoral, que desde 2006 atua por meio de estratégias de formação de acadêmicos e professores/as, tanto em nível de graduação quanto de pós-graduação. Tal grupo foi nomeado como Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Representações de Gênero e Diversidade (REGEDI). Este coletivo acredita que a minimização de questões ligadas às desigualdades de gêne- ro, preconceitos, violências e homo/lesbo/trans/bifobia per- passa pela formação de acadêmicos e professores/as que terão a oportunidade de atuar como multiplicadores/as em seus res- pectivos ambientes de trabalho/atuação.

A hOmOFOBIA SEGUNDO OS/AS PROFESSORES/AS