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qUEm SÃO ESTES hOmENS E DE qUE LUGAR FALAmOS?

A aproximação ao estudo realizou-se, primeiro, a partir de um levantamento de dados retirados dos prontuários de atendimentos de 125 homens que participaram das atividades sócioeducativas em grupo específico para homens autores de violência, por meio do serviço de atendimento às famílias em situação de violência da SEMASCRI, considerando o período de junho de 2004 – quando se iniciaram essas atividades com o grupo de homens – a junho de 2012. Segundo, ativemos-nos às narrativas coletadas por meio de entrevistas com homens que foram atendidos neste serviço e com homens participan- tes das ações sócioeducativas. Foram realizadas entrevistas em profundidade com 5 homens, dentre os que possuíam ca- dastro como titulares no serviço. Isso significa dizer homens que frequentavam as atividades do serviço de atendimento, com cadastro próprio, e que ficaram no serviço mesmo se já não estivessem em relação marital com a denunciante. Estes critérios foram assim delimitados para facilitar o processo de aproximação entre o pesquisador e a experiência deles, os ho- mens. Também o fizemos porque entendíamos que o fato de que eles estivessem no serviço, mesmo que separados de suas companheiras, nos levaria para outra reflexividade em relação aos conteúdos do elaborado por eles e de sua agência de vida. O fato de que eles mesmos tivessem escolhido permanecer no serviço, nos parecia rico para nos fornecer elementos sobre o seu vínculo com o lugar, sobre se tinham ou não interesse em

reconquistar a companheira, ou dos desejos deles, ou mostrar aspectos de suas metas e do que almejavam como mudanças para sua vida. Ou, ainda, poderia nos mostrar aspectos de sua vontade de narrarem-se o que contraria uma perspectiva de senso comum – que acredita ser difícil falar com homens em campos de entrevistas, porque algumas experiências mostra- ram como eles pouco ou nada falam de si.

Todavia, contrariando muitas reservas a respeito de pes- quisas com homens, durante as entrevistas, estes revelaram fa- cilidade em contar o seu vivido, no seu relacionamento violento e, ainda, que nem sempre falassem diretamente sobre si e se fa- lassem mais das companheiras, ou sobre o que outros homens faziam, ou sobre a polícia, sobre sua família de origem, ou a res- peito dos parentes atuais. Quando falaram do que fizeram, dos sentimentos e do que pensam sobre o que aconteceu, foram detalhistas e, sugestivamente, se fizeram entender a respeito de suas motivações, de sua história presente e passada e sobre o porquê do seu agir. Apresentaram com toda teatralidade o que viveram e também refletiram a respeito dos elementos imbri- cados nas relações com a violência. Ou seja, demonstraram o que acreditavam ser importante no relacionamento familiar com os filhos, com as esposas, ou com os amigos, vizinhos, com a polícia, parentes, trabalho, a respeito do comprar, do dinheiro e sobre o modo de ser homem e de ser mulher. Estes relatos revelaram uma experiência ancorada em valores bem patriar- cais, contida no interior de noções sobre apropriação, posse, regramento do outro, que passam a ser processos de anulação do eu, da reflexividade e da agência de si, para o feminino.

A entrevista semiestruturada foi desenvolvida a partir de um roteiro orientador com 31 perguntas, utilizadas de manei-

ra aberta e flexível, em ambiente seguro, no tempo e na di- nâmica em que ocorria a condução da interação face a face, durante a entrevista e, em sua condição de reflexividade. Esta escolha criou condições para a aproximação entre o pesqui- sador e as narrativas destes homens que se encontravam em relações de violência contra companheiras. A construção de ambiente seguro para que elesse sentissem à vontade e falas- sem da violência vivida ou da violência praticada foi necessá- ria, porque não dizia respeito só ao ambiente físico, mas tam- bém à postura livre de julgamentos e de normatizações.

Assim, forma buscou-se manter a abertura para escutar, o que não significa estar isento de quadros valorativos, ou de ter posição teórica ou política, da parte do/a pesquisador/a. Trata-se de não tomar partido nas lutas simbólicas (LENOIR, 1998), mas de abrir condições para o surgimento da fala, dos sentidos, dos significados, das crenças, das imagens, das ex- pressões de si, ou seja, choro, ou outras, como a teatralização e ritualização da raiva, expressão frequente durante a entre- vista. Esta atitude de abrir espaço à fala, à reflexão e ao modo de produção dos sentidos permitiu-nos acessar a expressão de sentimentos, as lembranças e os valores necessários à compreensão e à análise das experiências subjetivas e dos acontecimentos vinculados com o entorno da violência e com a intimidade da vida destes homens.

Partindo dos dados abordados, observou-se que o perfil dos homens aproxima-se da realidade de Blumenau e de ou- tras cidades do Brasil1.

1 Motivos que geram a violência, o alcoolismo e o ciúme aparecem em todas as pesquisas com os maiores índices (INSTITUTO AVON/IPSOS, 2011; FUNDA- ÇÃO PERSEU ABRAMO, 2010).

Tabela 1 – P

erfil dos entrevistados da cidade de Blumenau

Nome idade tempo de relaciona - mento escolar - idade tempo em que frequenta o grupo uso de álcool ou drogas

Faz tr atamento Profissão renda Filhos Situação habitacional

tipo de violência que cometeu

Pietro

37

Separado há 8 meses

6ª série

Desde 2007

Sim (álcool e drogas ilícitas)

Nunca fez

Zelador (formal)

R$ 1.100

3 filhos do último rela- cionamento Reside com sua mãe Física e psicológica

Ciro

47

Separado há 1 ano e 2 meses

4ª série Desde março 2012 Sim Álcool Faz tra ta -

mento já esteve internado em instituição tera

pêutica

Pedreiro (formal)

R$ 1.050

5 filhos

Reside em casa cedida pelo seu pa

trão

Ateou fogo na casa. Física e psicológica

Ari 54 Separado há 3 anos 6ª série Desde março 2012 Não Pedreiro (Autôno - mo) R$ 680

4 filhos (possui a guarda dos mesmos) Reside em casa com dois cômodos cedida por seus famili

- ares Física e psicológica Antenor 39 Separado há 2 anos 4ª série Desde 2006 Álcool Faz tra tamento

e também já esteve internado em instituição tera

pêutica Pintor (Autôno - mo) R$ 680 4 filhos

Reside em casa cedida por seus fa

- miliares Física e psicológica Moisés 36 Separado há 1 ano Desde 2008 Não Aux. Ser viço Gerais R$ 1.100 4 filhos

Reside com outra comp. em casa alugada Física e psicológica

Fonte:

A Tabela 1 construída é só das entrevistas e dos regis- tros nos boletins de ocorrência dos que foram entrevistados, mas pode-se dizer para o geral da violência que a relação de violência vivida, frequentemente, está na interface com os se- guintes elementos:

a) sua relação com a propriedade, casa, bens, patrimônio, salário, domínio de espaço físico e moral. No campo desta pesquisa somente dois moravam em casa cedida por alguém; e este ponto não foi utilizado para demons- trar problemas com sua maneira de ser homem – aqui eles são hegemonicamente reconhecidos por si mes- mos como capazes de dar conta de si e de prover outros. Não foram acionadas características, como as apresen- tadas por Nolasco (1995), que se vinculariam à falta de poder e riqueza, como fontes de desprestígio por sua ausência. Os conflitos são produzidos pela relação com o trabalho, o salário e a renda e com o cuidado dos fi- lhos. Estão diretamente envolvidos com a ideia de que eles proveem a casa, o que faz que eles, ao narrarem-se como homens, são portadores de prestígio próprio; b) o segundo aspecto diz respeito ao fato de que estes ho-

mens estão frequentemente na dependência de subs- tâncias psicoativas (SPA). Embora não possamos vincu- lar a violência de gênero ao uso de SPA diretamente, não só pelas entrevistas, mas também por observação empí- rica no serviço, sabemos, pela revisão de literatura, que este é um dos fatores que potencializa os conflitos entre os indivíduos, mesmo que não seja uma causa única; c) o terceiro aspecto vincula-se à baixa escolaridade

desses homens, que não passa do Ensino Fundamen- tal incompleto. Este é um dado relevante, porque faz

parte da estrutura majoritária do perfil dos homens que cometem violência contra companheiras; contu- do, ele não é generalizável, no sentido de que se possa afirmar que os homens são violentos porque também possuem baixa escolaridade. No caso desta pesquisa, faz-se necessário também considerar que o perfil as- sim se apresenta, porque o contexto desta pesquisa é o de um público-alvo específico, vinculado ao serviço de atendimento da Política da Assistência Social do Município. Pessoas com maior nível de escolariza- ção possivelmente teriam renda mais alta, possuindo condições financeiras melhores para buscar outros caminhos, se estivessem em relações de violência e, normalmente, não vêm a este serviço;

d) os boletins de ocorrência e os históricos de atendi- mento trazem conteúdos de relatos que elas, suas companheiras, fizeram, e neles eles estão caracteriza- dos como: nervoso, alcoolista, provedor do lar, usuá- rio de drogas, debilitado, não tem emprego fixo; e) outro elemento deste perfil dos entrevistados foi a gra-

vidade da violência cometida; todos cometeram vio- lência física e psicológica. Este fato coincide com outra pesquisa realizada pelo Instituto AVON/IPSOS2, na qual foram entrevistados 831 homens; nele se mostra que 15% dos homens (totalizando 124 homens) afirmam ter praticado agressão grave. Destes, 38 homens justifi- caram a prática da violência por ciúmes, 33 por alcoo- lismo, 21 por traição, 19 por alegação de provocação, 18

2 Dados de pesquisa realizada pelo Instituto AVON/IPSOS (2011). Foram entrevis- tadas 1800 pessoas em 70 municípios brasileiros, homens e mulheres maiores que 16 anos.

por problemas econômicos, 12 por desconfiança e 12 que não identificaram o motivo. Estes dados apontam questões significativas no campo da compreensão da violência de gênero. Entre os diversos tipos de violência doméstica sofridos pela mulher, 80% dos entrevistados citaram violência física, como: empurrões, tapas, socos e, em menor escala (3%), até morte. Ou seja, a violên- cia física é a face mais visível do problema, mas mui- tas outras formas foram apontadas pelos entrevistados. Em 62% dos casos, os entrevistados reconhecem terem cometido agressões verbais, xingamentos, humilhação, ameaças e outras formas de violência psicológica. Com relação aos tipos de violência cometida, conforme pes- quisa intitulada O mapa da violência 2012, realizada pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLASCO), estes se centraram na violência física, que é preponderante, englobando 44,2% dos casos. A psico- lógica ou moral representa acima de 20%. Já a violência sexual é responsável por 12,2% dos atendimentos.