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A definição de bullying remete a uma reflexão de suas causas propiciadoras dentro da instituição e da subjetividade de

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cada envolvido. É uma sequência repetitiva de comportamentos agressivos, que ocorrem sem motivação evidente, ocasionado por um grupo ou um indivíduo, que causa dor e sofrimento àquele que recebe a violência. O alvo nunca fica na posição de reagir, causando neste, prejuízo moral, físico e emocional. São exemplos desse tipo de comportamento quando um grupo de colegas coage um outro para pagar seu lanche, as “richas” ou brigas entre eles, a colocação de apelidos pejorativos, a difamação da imagem e disseminação de boatos, o isolamento do colega, que não se caracterizam apenas com uma brincadeira de mal gosto.

Hoje existem medidas previstas judicialmente, através da Constituição Federal do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que protegem o indivíduo alvo da ação. São elas:

a) O inciso X do Artigo 5 e o Artigo 227 da Constituição Federal

– “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a

imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; – “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à

criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profis- sionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, explo- ração, violência, crueldade e opressão”, respectivamente. b) Os Artigos 5, 15 e 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente – “Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer

forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer aten- tado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais”; – “A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao res-

peito e à dignidade como pessoas humanas em processo de

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desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Instituição e nas leis”;

– “O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integri- dade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Além do amparo legislativo e suas referidas sanções, o

bullying também é trabalhado tangencialmente em instituições

parceiras da sociedade, como o Ministério Público e o Conselho Tutelar, que tem projetos estruturados nas escolas.

Mas, por que, apesar de tudo isso, esse fenômeno existe e é mais frequente em algumas instituições do que em outras? É impor- tante, não culpabilizar o aluno do que acontece dentro da escola, até por que são – pais, educadores, funcionários e comunidade – os adultos das instituições e das relações, e consequentemente, os que podem atuar e tomar as providências cabíveis em cada caso.

Primeiro, devemos refletir sobre a instituição escola e a sociedade-sistema em que estamos inseridos. Segundo, nesse contexto, observar quais são os valores que transmitimos para os nossos alunos e como isso atua na singularidade de cada um.

Pensar criticamente sobre a escola é refletir sobre a socie- dade em que ela está imersa, pois uma é o recorte da outra. Através dela, as crianças deveriam ser orientadas a ter autonomia para enfrentar os desafios do mercado de trabalho e, paulatinamente, proteger sua moralidade. Essa ideia de educação remete ao início do século XIV (Ariès, 1978), e esta expectativa persiste até hoje, embora, nos últimos anos, a formação de valores e de moralidade está em suspenso, sendo priorizada a abordagem estritamente conteudista em decorrência da cobrança por resultados em exames nacionais de entrada nas universidades (Enem).

Dessa forma, no espaço tido como educativo, quase inexiste a formação de moralidade, sendo a prioridade o aluno que apenas

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decora os conteúdos, refletindo na inversão de valores da prestação de serviços da escola. Não somente nela, mas na nossa comunidade, é possível observar-se esse reflexo de inversão de valores. Por exemplo, nota-se uma postura indiferente, de ridicularização e menosprezo por aquele que foge aos padrões de estética, de inte- ligência. Ilustrativamente: quem é o alvo de piadas nos programas de humor, nos filmes de comédia, nos folhetins? É o diferente, é o não normal, o não estético, a minoria: os deficientes, os idosos, os marginalizados e as etnias distintas. Como pedir as crianças e adolescentes que respeitem o diferente, se isso não parte de cada um de nós, e consequentemente, de um todo que se chama sociedade?

Outro aspecto que inclui este viés são os “rankings” em que são valorizados apenas os melhores atletas, as melhores notas, as(os) meninas(os) mais belas(os), entre outros. Nesse contexto, só valorizamos os melhores resultados, mas não o esforço, o caráter, o altruísmo e a complacência. Infelizmente, vivemos o momento de desvalorização do SER, onde o TER é mais apreciado e desejado. Concomitantemente, isso perpassa os muros escolares e atinge as crianças e adolescentes dentro e fora deles, através de nós mesmos, de forma consciente ou não. As mídias (principalmente, a televisão e a internet) e os videogames são os meios pelos quais esta sociedade adoecida descarrega os seus sintomas.

É importante destacar a internet, e nesta, as redes sociais na discussão sobre bullying, tendo em vista o cyberbullying: quando a agressão ocorre via comunicação virtual. O abuso sofrido pela vítima do bullying virtual é, em sua maioria, de cunho psicoló- gico, e pode chegar a casos extremos. Ameaças e publicação de informações pessoais de vítimas são alguns dos meios mais violentos de cyberbullying. Como o espaço virtual é ilimitado, o poder de agressão se amplia e a vítima se sente acuada mesmo fora da escola. Nessas situações, a vítima não sabe de quem deve se defender, o que gera um sentimento de impotência e injustiça em quem sofre este tipo de violência.

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O comportamento de bullying é caracterizado por três perfis psicológicos quando consideramos os envolvidos na ação, são eles os expectadores, os alvos e os autores. Como se trata de meio educacional, não lidamos com os termos “vítimas” ou “meliantes”, pois implicam necessariamente em um padrão de comportamento adulto, e sem perspectiva de mudança, o que não acontece, necessariamente, com crianças e adolescentes.

Perfis psicológicos dos envolvidos no bullying