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A voz parece ser a responsável pelos primeiros elos de contato entre professor e aluno, e, com certeza, é um dos principais recursos do trabalho docente (Behlau, Dragone, & Nagano, 2004). Abordar a voz do professor implica abordar a voz humana com todas as interferências socioculturais presentes na comunicação humana, com todas as exigências de uma profissão que utiliza a voz intensamente, sem ter ainda com ela uma relação profissional.

É um instrumento fundamental na atuação do professor e requer uma adaptação precisa dos órgãos da fonação sob pena do surgimento de sintomas disfônicos, mais ou menos precoces, prejudiciais ao prosseguimento do magistério. Assim, indivíduos com alterações vocais podem apresentar prejuízos, ou seja, difi- culdades nas comunicações sociais e profissionais decorrentes de problemas anatômicos e/ou fisiológicos relacionados com as estruturas envolvidas na produção da voz. Dentre esses prejuízos estão falhas na voz, esforço vocal, incomodo ao falar, característi- cos do impacto, podendo ainda tais prejuízos serem decorrentes do impacto emocional (causado na maioria das vezes pela ansiedade e pelo estresse) (Souza, 2010).

Muitos destes profissionais lecionam para um grande número de alunos por sala de aula, em condições inadequadas ou ambiente ruidoso, enfrentando uma extensa carga horária diária de traba- lho, fazendo com que estes fatores contribuam para uma maior incidência de sintomas e alterações vocais (Choi-Cardim, Behlau, & Zambon, 2010).

A responsabilidade em transmitir conhecimento e de cumprir os currículos escolares leva muitas vezes o professor a relegar

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seus problemas vocais a segundo plano, buscando ajuda somente quando se torna impossível produzir uma voz audível. Na presença de um problema vocal, muitas vezes continuam a utilizar a voz com a mesma demanda, demorando a procurar um especialista, continuando a agir sem tomar providências sobre o que fazer, a fim de minimizar o problema ou interromper o ciclo de fonotrauma e mau uso vocal (Behlau et al., 2004).

O ataque vocal brusco, a posição elevada da laringe, a tensão na região cervical e/ou a cintura escapular e o nível de frequência inadequada, aliados a fonotraumas como tossir, pigar- rear excessivamente, gritar e falar em alta intensidade por muito tempo, podem resultar em trauma mecânico para as pregas vocais, podendo ocasionar mudança tecidual, alterando as características vibratórias das pregas vocais.

O professor tem necessidade de uma voz que seja capaz de suportar uma intensa demanda vocal, como uso prolongado por várias horas. Essa demanda vocal pode variar de acordo com os níveis de atuação, as características ambientais da sala de aula, a maneira como o professor leciona, bem como com a influência do período letivo e a organização do trabalho. Dessa forma, o conforto vocal está relacionado com a saúde geral e a qualidade de vida do professor, demonstrando que há necessidade de se buscar um maior entendimento de como eles percebem suas vozes e a associam com os diferentes papéis no cotidiano, pois na sua rotina profissional diária convivem com um nível de ruído muito intenso.

Na escola, o barulho generalizado e o ruído frequente em sala de aula interferem na compreensão da mensagem transmitida ao aluno, acarretando modificações na voz do professor, o qual necessita se esforçar para vencer o ruído que mascara sua voz, obrigando-o, assim, a usar sua voz mais intensamente, realizando esforço vocal.

As alterações de um ou vários parâmetros da voz associadas a sinais de fadiga fazem parte do problema que afeta essa popula- ção comprometendo o seu desempenho. A fadiga e o fonotrauma

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Lourdes Bernadete Rocha de Sousa

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podem desencadear diferentes patologias e o aparecimento de graves problemas laborativos, entre eles a incapacidade de exercer a profissão.

A demanda vocal é frequentemente intensa com professores lecionando por até três períodos e muitas vezes ainda exercendo atividades profissionais paralelas, com o uso excessivo da voz. O desconhecimento com relação aos cuidados com a voz faz com que os professores não percebam se possuem ou não vozes alteradas, mesmo porque, para eles, a sua voz com alteração já faz parte de sua atuação profissional.

Nesse sentido, é importante que esse profissional seja capaz de identificar a presença de alterações em sua voz, aumentando a chance de busca por tratamentos específicos e impedindo o desenvolvimento de ajustes inadequados ao falar na presença dessas alterações, bem como os ajustes negativos que realiza, como falar em forte intensidade e com tensão e foco de ressonância inadequados, entre outros ajustes prejudiciais, que podem levar à sobrecarga do aparelho fonador, proporcionando o aparecimento de alterações vocais.

Ao associar a grande demanda vocal ao alto nível de exi- gência em relação à qualidade vocal, observa-se que a quantidade associada à qualidade insere estes profissionais como um grupo de risco para o desenvolvimento de alterações vocais, o que justifica a necessidade do acompanhamento fonoaudiológico desse grupo de profissionais.

A proposta de assessoria prestada pelo fonoaudiólogo para questões relacionadas à voz está baseada em dois pilares: saúde vocal e expressividade. Entende-se por saúde vocal o uso da voz de maneira equilibrada, sem sobrecarga e esforço, garantindo a resistência vocal para a demanda exigida. Já a expressividade, está relacionada à condição de comunicação na qual o profissional transmite a mensagem de forma clara, atraente, com credibilidade, conseguindo obter a atenção do ouvinte (Ferreira, 2005; Kyrillos, 2003).

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Portanto, o fonoaudiólogo deve, pela própria complexidade de atuação nessa área, definir qual o seu objetivo, se a prevenção, a seleção de profissional apto a desempenhar o seu trabalho, o diagnóstico da repercussão do trabalho na saúde do trabalhador, ou, ainda, a definição de benefícios, pois o profissional da voz que necessita de atendimento requer uma atenção diferenciada da população em geral com alteração na voz (Behlau et al., 2005; Ferreira, 2005).

Nessa perspectiva, o trabalho fonoaudiológico como pro- fissional da voz tem seu foco principal na orientação vocal com características e atendimento particular a cada atuação profis- sional. Na atuação fonoaudiológica com estes profissionais, o reconhecimento do ambiente de trabalho é uma das necessidades fundamentais. Faz-se necessário que o fonoaudiólogo conheça as condições específicas de atuação daquele professor como o ambiente, a acústica, a presença de ruídos internos e externos, a carga horária, bem como, os ajustes vocais, corporais e musculares utilizados. Além do trabalho individual do fonoaudiólogo atuando no diagnóstico e tratamento das alterações vocais é comum e muito importante o atendimento a grupo de professores, com orientações e palestras, orientando quanto à adequação vocal.

O diálogo com os professores é necessário para que o fonoaudiólogo compreenda o universo no qual estão inseridos, como o ambiente de trabalho, as relações entre sujeitos, o dia a dia de cada professor, quais são suas necessidades e dificuldades, mapeando as condições de desenvolvimento da produção vocal, como também considerando a dinâmica psicossocial do sujeito, com todos os anseios e desgastes das relações profissionais, ou seja, compreender este profissional numa visão contextualizada (Ferreira, 2005).