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CAPÍTULO II O EMPREENDEDORISMO

2.3. O Domínio do Empreendedorismo enquanto Campo de Estudo

2.3.2.3. Em Busca de uma Perspectiva Integrativa

Perante as limitações da teoria ecológica, por desprezar o papel do empreendedor no desenvolvimento de um novo negócio, e da abordagem pessoal do empreendedor, por negligenciar as condições ambientais onde as novas organizações são implementadas, vários autores se insurgiram defendendo, simultaneamente, a importância do empreendedor e do meio no empreendedorismo.

A partir do final dos anos 70, em paralelo ao campo do empreendedorismo, a perspectiva contingencial começa a afirmar-se nas ciências organizacionais, pela mão de investigadores proeminentes como John Child (1974) ou Miles e Snow (1978). Esta perspectiva vem advogar que o desempenho das organizações depende da interacção entre a estratégia adoptada e o meio onde a organização está inserida. A estratégia que os gestores, conscientemente, definem para a sua empresa, que julgam ser a mais

adequada num dado ambiente, influencia os resultados posteriores da organização. Vários estudos encontraram evidências para esta perspectiva conciliadora, tendo concluído que a relação entre a estratégia adoptada e o desempenho da empresa é moderada pelas características do ambiente, como a estrutura (emergente, estável ou maduro) ou a incerteza do mercado (e.g. Prescott, 1986; Zeithaml, Anderson & Paine, 1981). Estes estudos vêm apoiar o impacto do ajustamento entre a estratégia e o ambiente nos resultados organizacionais, considerando que o desempenho é tanto maior quanto mais elevado for o ajustamento entre a estratégia e o contexto onde a organização está inserida.

Também no campo do empreendedorismo tem vindo a ser obtido suporte empírico para a perspectiva contingencial (e.g. Sandberg & Hofer, 1987; Tsai, MacMillan & Low, 1991). Ambos os estudos encontraram evidências que o ajustamento entre a estratégia e o ambiente era um melhor preditor do desempenho das empresas recém-criadas do que cada um destes factores em isolado. O desenvolvimento das organizações empreendedoras está, assim, dependente da capacidade dos empreendedores para avaliar as capacidades organizacionais internas e as condições do ambiente externo, por forma a implementar as estratégias mais eficazes (e.g. Vesper 1980).

Alguns autores vão ainda mais longe, ao introduzir uma lógica dinâmica ao conceito de ambiente. Num estudo realizado na indústria dos semi-condutores, Tushman e Anderson (1986) concluiram que as descontinuidades tecnológicas introduzidas no mercado pelas novas empresas obrigavam a uma mudança radical das competências das organizações, o que aumentava a incerteza do meio. Este estudo vem demonstrar que os empreendedores podem mudar e/ou construir o ambiente em que estão inseridos, por forma a retirar maior vantagem das oportunidades.

A abordagem integrativa constitui, assim, uma síntese entre a abordagem centrada no empreendedor e a teoria ecológica, considerando a influência que as características exercem nas organizações recém-criadas e, simultaneamente, a agência do empreendedor para aproveitar e rentabilizar as oportunidades existentes. Esta abordagem vem, assim, tornar explícito que a criação de novos negócios é um fenómeno multidimensional, envolvendo o empreendedor, o ambiente, a organização criada e o processo de descoberta e exploração de uma oportunidade de negócio (e.g. Gartner, 1985). Cada uma destas dimensões explica apenas uma parte do fenómeno, pelo que para se compreender o empreendedorismo como um todo é necessário atender a todas estas dimensões em simultâneo (e.g. Bruyat & Julien, 2000) (figura 1).

Figura 1: O processo empreendedor. Baseado em Bruyat e Julien (2000) e Gartner (1985)

Assumindo uma abordagem mais integrativa, o empreendedorismo passa a ser considerado como o processo segundo o qual o empreendedor analisa o meio, identifica uma oportunidade de negócio e decide explorá-la criando uma organização. Esta descrição, em concordância com os estudiosos mais proeminentes (e.g. Gartner, 1989a; Shane & Venkataraman, 2000), constitui um passo em frente no estudo do empreendedorismo, ao encarar este fenómeno como um conjunto de actividades iniciadas pelo empreendedor que culmina na exploração de uma oportunidade de negócio. A abordagem comportamental revela-se muito vantajosa para o campo do empreendedorismo.

Empreendedor Organização Processo

Em primeiro lugar, o comportamento empreendedor, em termos do que o empreendedor realmente faz para criar e desenvolver a sua organização, constitui a verdadeira essência do empreendedorismo (Covin & Slevin, 1991). O perfil psicológico ou as condições favoráveis do meio aumentam a probabilidade, mas não garantem a identificação e decisão de exploração de uma nova oportunidade. Só as acções do empreendedor ou da organização permitem avaliar se se está perante o empreendedorismo. Em segundo lugar, a análise do comportamento introduz uma maior objectividade no campo do empreendedorismo, uma vez que os comportamentos são, por comparação com outras características, melhor observáveis e mensuráveis (Boyatzis, 1982). Logo, a observação, a avaliação e a predicção do empreendedorismo encontra-se facilitada, o que permite uma compreensão mais aprofundada deste fenómeno (Palma, Cunha & Lopes, no prelo).

Em tom de sistematização, podemos afirmar que o estudo do empreendedorismo segundo a perspectiva integrativa contribui para uma melhor compreensão deste fenómeno, na medida em que introduz uma visão mais global, completa e científica do empreendedorismo. Desta forma, está-se a caminhar no sentido da construção de um referencial teórico capaz de explicar e predizer o fenómeno do empreendedorismo.

Seguindo esta abordagem teórica, vale a pena revistar o objecto de estudo do empreendedorismo.

2.3.3) Revisitando o Objecto de Estudo

Numa tentativa de delimitar de forma clara e precisa a actividade empreendedora, Venkataraman (1997) procedeu a uma extensa análise da literatura e avançou com uma concepção que tende a constituir actualmente a definição mais comummente aceite na

comunidade científica (e.g. Baron, 2002; Shook, Priem & McGee, 2003). De acordo com este autor, o campo de estudo do empreendedorismo compreende a análise científica do “como”, “por quem” e “com que efeitos” as oportunidades para criar futuros produtos/ serviços são descobertas, avaliadas e exploradas. Esta definição vem colocar a ênfase no indivíduo empreendedor em interacção com o seu meio, especificamente nas suas actividades de descoberta, avaliação e exploração de uma oportunidade

Algumas implicações para o estudo do empreendedorismo sobressaem desta orientação conceptual. Num primeiro plano, esta definição assume, explicitamente, uma perspectiva comportamental, focando o comportamento dos empreendedores na descoberta, avaliação e exploração de oportunidades. Num segundo plano, o campo do empreendedorismo encarna uma abordagem integradora, atendendo ao empreendedor, às variáveis contextuais, ao processo de descoberta e exploração de uma oportunidade e à nova organização criada. Em terceiro, em concordância com Venkataraman, o empreendedorismo não se limita à criação de novas organizações, envolvendo comportamentos anteriores - de monitorização do meio e detecção de oportunidades - e posteriores - de exploração e rentabilização dessas oportunidades. Em quarto lugar, esta definição de Shane e Venkataraman vem redireccionar o estudo do empreendedorismo para as questões que envolvem o processo de identificação e exploração de oportunidades, afastando-se do estudo de teorias e questões de outras áreas do saber. Assim, está-se a progredir no sentido da construção de um referencial teórico para a explicação e predicção do empreendedorismo.

Desta definição proposta por Venkataraman ressaltam três focos de estudo do empreendedorismo: 1) as oportunidades - porquê, quando e como são descobertas; 2) os empreendedores - porquê, quando e como algumas pessoas, e não outras, identificam e

decidem explorar as oportunidades; 3) os modos de acção usados para explorar as oportunidades (Shane & Venkataraman, 2000). A compreensão do fenómeno do empreendedorismo envolve, assim, a análise da dinâmica entre os seus elementos, tal como demonstrado na figura 2.

Figura 2: O fenómeno do empreendedorismo. Baseado em Shook, Priem & McGee (2003).

Importa, em seguida, analisar como se processa o fenómeno do empreendedorismo, em termos da interacção entre os seus elementos. Para além do empreendedor e do contexto, já anteriormente abordados, o empreendedorismo implica a descoberta, decisão e modos de exploração das oportunidades.

“Oportunidade”, nas palavras de Cassan (1982), designa a situação em que novos produtos, serviços, materiais ou métodos podem ser introduzidos e vendidos a preços superiores aos seus custos de produção. No entanto, as oportunidades empreendedoras distinguem-se das meras oportunidades de lucro, uma vez que requerem não apenas a optimização, mas a descoberta de novas relações de tipo meio-fim (Kirzner, 1997). Neste sentido, por envolverem maior inovação, as oportunidades empreendedoras envolvem maior incerteza (Lee & Venkataramen, 2006).

Empreendedor • Características psicológicas • Características demográficas • Cognições. Descoberta da Oportunidade Decisão de explorar a Oportunidade

Modos de acção para explorar a Oportunidade

Organização Recém-criada

As oportunidades podem manifestar-se numa variedade de formas. Na literatura, encontram-se três formas de categorizar as oportunidades: 1) pelo locus da mudança que gera as oportunidades; 2) pelas próprias formas das oportunidades; 3) e pelo iniciador da mudança (Eckhardt & Shane, 2003). Schumpeter (1934) sugeriu que as oportunidades podem ser geradas a partir da descoberta de novos produtos ou serviços, novos mercados, materiais, métodos de produção ou formas de organização. As formas de oportunidades podem variar em função das assimetrias em relação à informação que as pessoas detêm do mercado, ou mais especificamente do conhecimento aprofundado que os empreendedores possuem relativamente às preferências dos clientes (e.g. Kirzner, 1997) ou às necessidades de determinados nichos de mercado (Christensen & Bower, 1996). Por último, o actor que inicia a mudança que leva à descoberta de oportunidades empreendedoras pode compreender entidades não comerciais, como o Governo ou as Universidades; entidades comerciais já existentes numa dada indústria, como clientes ou fornecedores; ou novas entidades comerciais, como empreendedores independentes (Klevorich, Levin, Nelson & Winter, 1995).

Depois de definidas as oportunidades, importa perceber como são descobertas. A descoberta de oportunidades foi durante um largo período de tempo abordada em termos económicos, considerando os estudiosos que os empreendedores eram capazes de reconhecer oportunidades por terem acesso a mais informação (e.g. Kirzner, 1979). A informação não se encontra igualmente distribuída entre a população (e.g. Hayek, 1945), em virtude das circunstâncias de vida e da especialização de cada pessoa. Os empreendedores detêm mais informação sobre a sub-utilização dos recursos, as novas

tecnologias ou as mudanças na regulamentação vigente na sua área de expertise, o que lhes facilita a descoberta de uma nova oportunidade (Venkataramen, 1997). Nesta continuidade, Shane (2000), com base na análise de oito estudos de casos de empresas

recém-criadas, veio defender que a descoberta de oportunidades advinha da informação que os empreendedores já possuiam. O autor concluiu, ainda, tal como Heyek, que são as diferenças, em termos da distribuição da informação na população, que explicam o empreendedorismo.

Para além das diferenças de informação, outras teses têm sido levantadas para explicar a capacidade dos empreendedores para detectarem oportunidades. Baseados no estudo das cognições, estudos recentes vieram tornar saliente que os empreendedores revelam uma elevada capacidade de alerta para novas oportunidades, dedicando mais tempo à busca de ideias, mudanças e desequilíbrios no mercado (Busenitz, 1996; Kaish & Gilad, 1991). Influenciados pelo conceito de “alerta” desenvolvido por Kirzner (1979), Gaglio e Katz (2001) designaram esta capacidade dos empreendedores para estar alerta a novas oportunidades de “alerta empreendedor”, que lhes possibilita a detecção de informação nova e a acomodação dos seus esquemas cognitivos a essa mesma informação, facilitando o pensamento “fora da caixa”. Com base na teoria do foco regulatório (regulatory focus theory) da psicologia cognitiva, que distingue dois tipos de foco - promotor, que visa o alcance de resultados positivos; e o evitante, que tem como objectivo evitar a ocorrência de resultados negativos - Baron (2002) hipotetiza que os empreendedores tendem a adoptar o foco promotor, que os leva em busca de novas oportunidades.

Embora a nossa discussão tenha feito uso de termos como “descoberta”, “identificação” ou “reconhecimento”, tal não significa que as oportunidades constituam entidades que objectivamente existem no meio, estando à espera de ser encontradas pelos empreendedores. Cada vez mais os estudiosos do empreendedorismo tendem a partilhar uma perspectiva construtivista, defendendo que os empreendedores criam as oportunidades, através do desenvolvimento de expectativas sobre o valor de mercado

dos produtos ou serviços no futuro (e.g. Chilles, Bluedorn & Gupta, 2007; Kaish & Gilad, 1991). A título ilustrativo, salienta-se o estudo de Baker e Nelson (2005), que demonstrou como alguns empreendedores foram capazes de construir oportunidades e gerar valor a partir de contextos pobres em recursos (e.g. exploração de um terreno tóxico). É por esta razão que a emergência de oportunidades está envolta em incerteza, mesmo quando os empreendedores detêm muita informação e desenvolveram o alerta empreendedor (e.g. Busenitz et al, 2003; Lee & Venkataramen, 2006).

Depois de descoberta a nova oportunidade, para estarmos perante um fenómeno de empreendedorismo, o empreendedor tem que decidir explorar essa oportunidade. A decisão de explorar uma oportunidade está dependente da oportunidade em si, no sentido em que o empreendedor tem que acreditar que o valor resultante será maior do que os custos envolvidos na exploração (e.g. Schumpeter, 1950; Shane & Venkataraman, 2000).

Para além da natureza da oportunidade, as diferenças individuais também ajudam a explicar a decisão de exploração de uma oportunidade. Alguns estudos (e.g. Simon, Houghton & Aquino, 1999) têm demonstrado que os fundadores de novas empresas, mais do que apresentarem uma elevada propensão para o risco, tendem a perceber o risco associado à criação de um novo negócio como mais reduzido. Tal ocorre, na medida em que os empreendedores tendem a sobrevalorizar as suas probabilidades de sucesso em relação à exploração de uma nova oportunidade (Cooper, Woo & Dunkelberg, 1988). Outras variáveis, como a auto-eficácia, também influenciam a decisão de montar um novo negócio. Chen, Greene e Crick (1998) evidenciaram que os indivíduos com maior auto-eficácia empreendedora, i.e., que acreditavam que eram capazes de ser bem sucedidos no desempenho do papel de empreendedor (que

compreendia a coordenação de actividades ligadas à gestão, marketing, inovação e controlo financeiro) demonstravam maior intenção em iniciar um negócio próprio.

Depois de tomada a decisão, os modos de acção para explorar a oportunidade envolvem a criação de uma nova organização e a gestão da mesma (Shane & Venkataraman, 2000). A literatura revela-se relativamente rica no que toca às actividades empreendedoras que têm lugar na fase inicial do novo negócio (e.g. planeamento, networking, venda, captação de recursos). No entanto, e pensando na definição de empreendedorismo proposta por Venkataraman, poucos são os estudos que se debruçam sobre o “porquê, quando e como” é que o empreendedor desempenha essas actividades (Shook et al, 2003).

Um estudo longitudinal realizado por McCarthy, Schoorman e Cooper (1993) identificou a escalada de empenho (escalation of commitment) como um importante preditor da exploração de oportunidades. Os autores verificaram que os empreendedores que já tinham iniciado o seu negócio estavam mais empenhados em expandi-lo, por sentirem que já tinham investido muito para deitar tudo a perder. Um outro estudo (Gatewood, Shaver & Gartner, 1995) revelou que as empreendedoras do sexo feminino que sempre desejaram montar um negócio próprio se mostraram mais persistentes na execução das actividades empreendedoras, do que os empreendedores masculinos que não partilhavam desta motivação.

O campo do empreendedorismo, ao contemplar o processo de identificação e exploração de uma nova oportunidade, o empreendedor, a organização recém-criada e o contexto tem contribuído para a geração de teoria melhor preditora deste fenómeno. Mais recentemente, alguns autores têm chamado a atenção para a necessidade de o campo do empreendedorismo incluir uma orientação para a criação de valor.