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CAPÍTULO II O EMPREENDEDORISMO

2.4. O Empreendedorismo e a Criação de Valor

2.4.2.3. O Crescimento Enquanto Processo

Procurando colmatar estas limitações, alguns autores procuram debruçar-se sobre o processo de crescimento. Na realidade, os estudos que examinam o crescimento na óptica dos factores que o promovem não têm contribuído para a construção de uma teoria sólida sobre o crescimento das organizações empreendedoras (e.g. Davidsson et al., 2005). Tal como enfatizado por diversos autores (e.g. Delmar, Davidsson & Gartner, 2003; Spilling, 2001), as organizações não crescem ao mesmo ritmo, pelo que, mais importante do que identificar os antecedentes do crescimento é estudar o crescimento em si. De facto, do ponto de vista metodológico, implica um estudo continuado da organização, com o recurso a diferentes medições no tempo para analisar as mudanças em termos de crescimento ao longo do tempo. A metodologia horizontal constitui, assim, a mais adequada para estudar o processo de crescimento (Davidsson & Wiklund, 2000). As teorias que estudam o crescimento como um processo apresentam, por conseguinte, uma visão mais dinâmica do crescimento organizacional, por comparação com as teorias que entendem o crescimento em termos de um aumento em quantidade.

Os modelos que procuram estudar o crescimento ao longo do tempo tendem a basear-se na metáfora do organismo (e.g. Kazanjian, 1988), concebendo a organização à imagem de um organismo vivo que nasce, cresce e morre. Na literatura, estes modelos são designados, de forma abrangente, como teorias do ciclo de vida. Alguns autores (e.g. Davidsson et al., 2005), contudo, tendem a diferenciar entre teorias do ciclo de vida e modelos de estádios de desenvolvimento, considerando que as primeiras estão centradas no estudo das fases do ciclo de vida da organização (e.g. Adizes, 1988; Churchill & Lewis, 1983), ao passo que os modelos de estádios de desenvolvimento (e.g. Arbaugh & Camp, 2000; Hambrick & Croizier, 1985) estão mais focalizados nos problemas genéricos que as firmas encontram ao longo do seu crescimento. Outros autores (e.g.

Davidsson & Wiklund, 2000; Hanks, Watson, Jansen & Chandler, 1993) preferem agrupar as teorias do ciclo de vida e os modelos de estádios de desenvolvimento em teorias do ciclo de vida, uma vez que ambos descrevem o desenvolvimento organizacional em estádios, alegando, fundamentalmente, diferenças em termos de nomenclatura – as teorias do ciclo de vida preferem o termo “estádio do ciclo de vida”, enquanto os modelos de estádios de desenvolvimento fazem uso dos termos “estádio de crescimento” ou “estádio de desenvolvimento”. Por esta mesma razão, adopta-se a visão destes autores, fazendo referência no texto apenas a teorias do ciclo de vida e utilizando os termos “estádio do ciclo de vida”, “estádio de crescimento” ou “estádio de desenvolvimento” de forma indiscriminada.

Ao longo dos anos, foram muitos os modelos propostos para descrever o crescimento das organizações ao longo do tempo (e.g. Adizes, 1988; Churchill & Lewis, 1983;

Hambrick & Croizier, 1985; Galbraith, 1982; Greiner, 1972; Kazanjian & Drazin, 1990; Miller & Friesen, 1984). Inspirados pelas teorias de Piaget (Piaget & Inhelder, 1969) sobre o desenvolvimento cognitivo ou Levinson sobre o desenvolvimento da carreira (1978), as teorias do ciclo de vida sugerem que o desenvolvimento organizacional se desenrola ao longo de estádios de desenvolvimento, que colocam diferentes problemas às organizações (e.g. Hanks et al, 1993; Smitt, Mitchell & Summer, 1985). O crescimento tem lugar à medida que as organizações se revelam capazes de resolver os problemas típicos de cada estádio, passando para um outro estádio de desenvolvimento mais complexo e exigente.

Assim, o crescimento organizacional tende a decorrer por fases evolucionárias distintas, sendo cada fase seguida de transformações revolucionárias até à fase seguinte. À imagem do modelo do Equilíbrio Pontuado proposto por Gersick (1991) para explicar a mudança organizacional, as teorias do ciclo de vida defendem uma perspectiva

descontínua do crescimento das organizações empreendedoras, considerando que o desenvolvimento se processa continuamente, de forma incremental, sendo pontualmente interrompido por fases de crises, de verdadeiras revoluções, em que a organização passa de um estádio para outro estádio. Em cada estádio de desenvolvimento, as organizações desenvolvem padrões estruturais ou, como alguns autores designaram, as organizações apresentam-se sob a forma de configuração, no sentido em que as variáveis organizacionais, como a estrutura ou a estratégia, se encontram alinhadas com o ambiente (e.g. Burns & Stalker, 1961; Miller, 1990). À medida que a organização vai crescendo, a configuração actual vai-se tornando inapropriada, gerando a necessidade de uma transformação organizacional, rumo a uma nova configuração (e.g. Adizes, 1988; Kazanjian, 1988). Após a transformação, a organização entra numa nova configuração, que corresponde a um novo estádio de desenvolvimento, e o processo repete-se (e.g. Kazanjian & Drazin, 1989). Como é o alinhamento entre as componentes organizacionais e o ambiente que assegura a sobrevivência da organização, pode-se definir o crescimento organizacional como um processo de busca e manutenção constante por este ajustamento.

Em cada estádio de desenvolvimento, as dimensões da configuração tendem a reforçar- se de forma circular, o que acentua as características da configuração, gerando inércia e resistência à mudança (Miller, 1990). Da análise da literatura, emerge uma grande diversidade na forma como os estádios são descritos nos diferentes modelos. Desta variedade, parecem insurgir-se algumas dimensões comuns a todos os modelos, relacionadas com o contexto organizacional e com o contexto estrutural. Com o

contexto organizacional são comuns as dimensões: idade, tamanho, taxa de crescimento, tarefas e desafios enfrentados pela empresa. Relacionadas com o contexto estrutural contam-se as dimensões: estrutura, formalização, centralização, diferenciação vertical e

número de níveis organizacionais (Hanks et al, 1993). Os modelos tendem a distinguir- se pelos padrões e pela magnitude destas dimensões. A tabela 4 pretende apresentar uma comparação entre diferentes teorias do ciclo de vida em termos das dimensões que utilizam para descrever e diferenciar entre os estádios de desenvolvimento.

Teorias do Ciclo de Vida Dimensões Contextuais Dimensões Estruturais Greiner (1972) Idade, tamanho, taxa de crescimento da indústria e foco da

gestão. Estrutura, formalização, estilo de gestão, sistemas de controlo e práticas de gestão das recompensas. Galbraith (1982) Idade, tamanho, taxa de crescimento, tarefas. Estrutura, especialização, sistema de recompensas,

formalização, centralização, estilo de liderança. Churchill & Lewis (1983) Idade, tamanho, taxa de crescimento, estratégias mais

importantes. Estilo de gestão, organização (forma e níveis), sistemas formais, relação empreendedor-negócio. Quinn & Cameron (1983) Idade, tamanho, critérios de eficácia organizacional. Estrutura, formalização, centralização, liderança,

cultura. Kazanjian (1988) Idade, tamanho, taxa de crescimento, problemas de gestão

dominantes. Estrutura, formalização, centralização, composição da equipa de gestão de topo. Smith, Mitchell & Summer (1985) Idade, tamanho, volume de vendas e número de

empregados, taxa de crescimento, prioridades da equipa de gestão.

Estrutura, sistema de recompensas, centralização, composição do topo estratégico. Scott & Bruce (1987) Idade, tamanho, taxa de crescimento, estado da indústria,

questões chave (fontes de financiamento, fontes de receita, grandes investimentos, segmento do mercado).

Estrutura, formalização, sistemas de controlo, estilo da gestão de topo.

Adizes (1988) Idade, tamanho, problemas normais e transições. Estrutura, formalização de políticas e procedimentos, características da liderança, gestão de topo, diversidade,

complexidade.

Tabela 4: Dimensões contextuais e estruturais utilizadas por diferentes modelos de ciclo de vida para descrever e diferenciar entre os estádios de desenvolvimento. Baseado em Hanks e colaboradores (1993)

Qualquer mudança, por mais pequena que seja, é acompanhada de um reajustamento de todo o sistema. Neste sentido, o crescimento pode ser entendido como uma mudança que coloca a configuração em desequilíbrio, necessitando de se mover no sentido de um novo alinhamento (e.g. Galbraith, 1982). De outro modo, as mudanças introduzidas na organização obrigam a mudanças nas variáveis organizacionais a fim de a atingir uma nova configuração.

Todavia, as transformações de uma configuração para outra constituem momentos vulneráveis para as organizações, podendo conduzir ao fracasso (e.g. Churchill & Lewis, 1983; Greiner, 1972). O crescimento gera problemas nas organizações que têm que ser resolvidos (e.g. Fombrun & Wally, 1989; Arbaugh & Camp, 2000). Tal se pode observar pela tabela 4, Greiner (1972) perspectiva o crescimento como uma série de evoluções e revoluções, precipitadas por crises relacionadas com a liderança, o controlo

e a coordenação. Já Kazanjian (1988), para além destes factores, acrescenta a composição da equipa de gestão como um agente gerador de crises que têm que ser ultrapassadas para que a organização possa passar ao estádio seguinte de crescimento. Como tal, pode-se concluir que não existe um consenso entre os autores relativamente às dimensões que definem a organização em cada estádio de desenvolvimento.

Também, em relação ao número de estádios de desenvolvimento que compõem o ciclo de vida das organizações, as diferentes teorias se revelam díspares entre si. Os modelos variam entre os três (e.g. Smith et al, 1985), os quatro (e.g. Kazanjian, 1988; Quinn & Cameron, 1985), os cinco (e.g. Churchill & Lewis, 1983; Galbraith, 1982; Greiner, 1972) ou os seis ou mais estádios (e.g. Adizes, 1988; Flamholtz, 1986). A procura de padrões entre os diferentes modelos levou alguns autores a propôr modelos integradores (e.g. Quinn & Cameron, 1983). Através de uma tentativa de sistematização entre nove modelos, Quinn e Cameron (1983) chegaram a um modelo integrador constituído por

quatro estádios: empreendedor, colectivo, de formalização e controlo e de elaboração e adaptação. O estádio empreendedor caracteriza-se pela inovação e pela tentativa da organização em criar um nicho de mercado. O estádio colectivo, por seu turno, orienta- se para a coesão e pelo empenhamento dos colaboradores. No estádio da formalização e do controlo, a organização visa a estabilidade e a institucionalização e no estádio da elaboração e da adaptação predominam a expansão e a descentralização.

Comum a estes modelos está a ideia de que as organizações crescem no sentido de uma maior complexidade. Em termos estruturais, os autores concordam que a organização passa de uma estrutura simples para uma estrutura divisional, com uma maior formalização e especialização de funções e uma menor formalização na tomada de decisão (e.g. Frombrun & Wally, 1989). À medida que a estrutura se vai desenvolvendo, as organizações sentem necessidade de alargar a equipa, procurando

pessoas especialistas no segmento de mercado em que a organização actua (e.g. Fombrun & Wally, 1989; Hambrick & Croizier, 1985). Consequentemente, surge a necessidade de uma maior delegação de tarefas, ao mesmo tempo que o topo estratégico sente que está a perder o controlo da organização (e.g. Greiner, 1972). Gera-se uma nova fase transformativa, em que aumentam os sistemas de formalização e coordenação, ao mesmo tempo que a equipa de gestão se vai especializando, progressivamente, no planeamento estratégico, por forma a gerir a complexidade interna e externa (e.g. Lumpkin & Dess, 1995; Miller, Lant, Milliken & Korn, 1996).

Como se pode constatar, os modelos do ciclo de vida dedicam-se ao estudo da organização desde o nascimento até ao declínio ou morte. Para efeitos do presente estudo, importa analisar mais exaustivamente como os diferentes modelos descrevem os estádios iniciais do ciclo de vida organizacional, concretamente os correspondentes ao nascimento e ao início do crescimento. A tabela 5 apresenta os modelos mais citados na

literatura. Não são feitas referências ao tempo que as organizações permanecem em cada estádio por não ser, na generalidade dos modelos, especificado pelos autores (Quinn & Cameron, 1983).

Teoria do Ciclo de Vida Estádios Desenvolvimentistas Greiner (1972) Crescimento através da Criatividade

• Fundação da empresa; • Combinação produto-mercado

• Comunicação informal • Crise de liderança

Crescimento através da Direcção

• Introdução de uma estrutura funcional • Maior especialização

• Comunicação formal • Centralização

• Crise de autonomia dos colaboradores Galbraith, J. (1982) Estádio Princípio da Prova

• Número reduzido de colaboradores (todos técnicos) • Objectivo: inventar e fazer o produto

• Estrutura e controlo informais

• Empenhamento

Estádio Modelo de Loja

• Teste dos produtos

• Especialização • Hierarquia

• Coordenação • Decisão informal

• Objectivo: inventar e gerir

Estádio Start up • Investimento de capital • Produção e distribuição em volume • Mais colaboradores • Especialização e coordenação • Organização funcional • Objectivo: maior organização

Estádio Crescimento Natural

• Mais colaboradores • Especialização • Controlo • O empreendedor passa a gestor • Problema: gestão da diversidade • Objectivo: tornar a organização lucrativa Churchill & Lewis (1983) Estádio Existência

• Procura de clientes e de formas de entrega dos produtos • Organização simples

• O empreendedor “faz tudo” • Objectivo: sobrevivência

Estádio Sobrevivência

• Tem clientes e satisfaz as suas necessidades • Preocupações financeiras

• Organização simples • Baixa delegação • Planeamento mínimo • Alguma formalização Quinn & Cameron (1983) Estádio Empreendedor

• Ordenação dos recursos • Variedade de ideias

• Actividades empreendedoras • Pouco planeamento e coordenação • Formação de um nicho de mercado • Inovação

Estádio de Colectividade

• Estrutura e comunicação informal • Sentido de colectividade

• Investimento em tempo dedicado à organização e ao trabalho • Sentido de missão

• Inovação contínua • Empenhamento

87 • Desenvolvimento do produto ou da tecnologia

• Actividades focalizadas na componente técnica • Estrutura e sistemas formais quase inexistentes • Problemas: construção e venda do produto

• Desenvolvimento do produto ou tecnologia para comercialização

• Emergência dos sistemas administrativos e financeiros • Foco: Aprendizagens sobre o produto

Adizes (1988) Estádio do Namoro • Os fundadores sonham sobre “o que podem fazer”

• Actividades empreendedoras Estádio da Infância • Ênfase na produção • Pressão de tempo • Inexistência de tradições • Poucas reuniões • Pouco planeamento Estádio Toca-Toca • Rápida expansão • Liderança personalizada • Algum planeamento

• Decisões rápidas, frequentes e intuitivas Estádio da Adolescência • Planeamento e coordenação • Actividades administrativas ultrapassam as empreendedoras • Estabilidade e conservadorismo • Formalização de regras e políticas

Tabela 5: Estádios de desenvolvimento correspondentes ao nascimento e ao início do crescimento tal como descritos pelos modelos do ciclo de vida mais citados na literatura

Sistematizando, pode-se agrupar o percurso inicial do ciclo de vida da organização em duas fases. Numa primeira fase, mais empreendedora, a empresa nasce e as actividades estão dirigidas para a criação de um nicho de mercado, para a venda dos produtos/ serviços e para a produção. Predomina a inovação e a informalidade e o empreendedor ocupa uma posição central, “faz tudo”. O planeamento e a coordenação são escassos. Numa segunda fase de desenvolvimento, começa a formar-se uma estrutura funcional, apontando para a emergência de alguma especialização, formalização e centralização. Com o aumento do número de colaboradores, a comunicação vai perdendo o cariz informal e a autonomia vai diminuindo. O empreendedor começa progressivamente a assumir um papel de “gestor”, em termos de planeamento e coordenação, além de “empreendedor”. Sintetizando, constata-se que ao longo destas duas primeiras fases do ciclo de vida, as organizações evoluem no sentido de uma institucionalização das estruturas e processos e de um aumento em termos de novos colaboradores, tal como enfatizado por Kazanjian (1988) e Quinn e Cameron (1983).

Da análise da literatura, pode-se concluir que as teorias do ciclo de vida se revelam determinantes para uma melhor compreensão do crescimento organizacional. Ao considerarem que a organização se desenvolve por estádios sequenciais, de uma forma consistente e previsível, estas teorias permitem a antecipação dos principais problemas que assolam a organização em cada fase do seu percurso desenvolvimentista, o que facilita a gestão e resolução dos mesmo rumo a um maior crescimento. No entanto, estas teorias encontram algumas limitações, que importa apontar.