Nostalgia imperialista
21. Byrne, David Strange Ritual' Pictures and Words San Francisco: Chronicle Books, 1995.
22. “A nostalgia imperialista gira em torno de um paradoxo: uma pessoa mata alguém e então fica de luto pela vitima. De uma maneira mais atenuada, alguém deliberadamente altera uma forma de vida e então se arrepende porque as coisas não permaneceram como eram antes da intervenção. Em mais uma eliminação, as pessoas destroem seu meio ambiente e então adoram a natureza. Em qualquer de suas versões, a nostalgia imperialista usa uma pose de ‘anseio inocente’ não só para captar a imagi nação das pessoas como também para esconder sua cumplicidade com a dom ina ção brutal.” Rosaldo, Renato. Nostalgia Imperialista. In: Culture and Truth: The Remaking of Social Analysis. Boston: Beacon Press, 1989. p. 69-70.
comprometimento do sujeito colonial - até mesmo por responsa bilidade - com o estado das coisas pelas quais ele está lamentando. De
Tristes Trópicos
de Lévi-Strauss até o contemporâneo turismo étnico, a cultura euro-americana é permeada por essa nostalgia, e, como os recentes documentários sobre a criação deFitzcarraldo
de Herzog ouApocalypse N ow
de Coppola (e os próprios filmes) mostram, é igualmente difundida no cinema contemporâneo.23A melancolia de
Baraka
em sua viagem mundial por lojas que exploram empregados, favelas, desabrigados, pobreza, casas de prostituição e cenários de guerra civil e internacional oferece um exemplo impressionante do que Rosaldo chama de nostalgia imperialista. Um filme comoBaraka
, Rosaldo poderia argumen tar, brota precisamente da culpa do Primeiro Mundo capitalista em relação à desordem social, econômica e cultural que ele gerou no mundo como um todo, acompanhada de uma nostalgia por um mundo puro e imaginário anterior à modernidade capitalista. Esse mundo imaginário, o objeto da nostalgia, é aparente na reve rência do filme ao meio ambiente, às sociedades aborígines e aos sistem as religiosos pré-m odernos do budism o, hinduísm o, islamismo e cristianismo. Assistir a filmes comoBaraka,
poderia se dizer, capacita o público do Primeiro Mundo a se comover com23. Estou me referindo ao documentário Burden o f Dreams (1982), de Les Blank, e também ao livro que o acompanha: Blank, Les; Bogan, James. Burden o f Dreams'.
Screenplay, Journals, Reviews, Photographs. Berkeley, California: North Atlantic Books, 1984; e O Apocalipse de um Cineasta (1991), de Fax Bahr e George Hickenlooper, Esses documentários de making o fpodem ser vistos como um subgénero emergente do cinema global contemporáneo.
o que o capitalismo destruiu, ao mesmo tempo que o absolve de qualquer responsabilidade sobre isso. O fato de ser precisamente a censura pública da ordem económica mundial o que faz de
Baraka
um filme possível em primeira instância não é o menor de seus tantos paradoxos.Confrontados com as realidades desconfortáveis da ordem mundial pós-colonial, os filmes da
National Geographic
, doDiscovery Channel
eBaraka
servem, em última instância, como uma fonte de reafirmação: mais do que o abismo económico que separa “nós” de “eles”, tais filmes mostram o que suposta mente temos em comum. Enquanto documentam realidades desconfortáveis, eles também sugerem que essas realidades não nos dizem respeito diretamente, eles amenizam quaisquer ansie dades que “nós” possamos ter e qualquer responsabilidade so bre isso. Em um mundo feito supostamente menor a cada dia pela mídia, negligenciamos o quão efetivas são essas mídias para manter o mundo em seu lugar, assegurando - como os limites que separavam espectadores dos povos nativos exibidos nas fei ras mundiais - que estes não se aproximem tanto para não causar desconforto.O livro do film e: rep en san d o o “ C in em a M u n d ia l”
Em 1994, o Instituto Britânico de Cinema publicou um livro intitulado
World Cinema: Diary o f a Day,
um dos vários projetos semelhantes produzidos naquela época para comemorar o cente-nário do nascimento do cinem a.24 O livro foi o resultado de um projeto por meio do qual se solicitou a cerca de mil trabalhadores de todos os setores da indústria cinematográfica m undial que m an tivessem um diário de suas atividades em um dia escolhido aleato riamente (10 de junho) durante o verão de 1993. Os apontam entos do diário produzido foram então editados e reorganizados em um a série de capítulos correspondentes aos estágios da produção de um filme, da concepção inicial até a exibição ao público, oferecendo por meio disso um olhar instantâneo global de “um dia na vida da indústria cinem atográfica”25.
O livro é talvez m ais interessante pelo que revela sobre a di mensão transnacional da produção de filmes m undiais da atualida de e sobre a econom ia cultural global dentro da qual essa produção acontece.26 N o geral, ele oferece um retrato fascinante de um dia
24. Cowie, Peter (Ed.). World Cinem a: D iary o f a Day. Woodstock, NY: Overlook Press, 1994. Ver também: Nowell-Smith, Geoffrey (Ed.). The O xford D ictionary o f World Cinema. Oxford: Oxford University Press, 1996; e Stone, Judy. Eye on the World: Conversations With International Filmmakers. Los Angeles: Silman-James Press, 1997. No próprio cinema, o filme francês Lum ière et Com pagnie{ 1995), uma com pilação de quarenta curtas feitos com a câmera original dos irm ãos Lumière por diretores de filme de todo o mundo, tem, de torma semelhante, pretensões globais. 25. Nos últimos anos, estes livros “ um dia na vida” apareceram com o um a variante
interessante do que eu chamei anteriormente d e “globalismo de cabeceira.” Tendo começado suas vidas como uma série de relatos de culturas nacionais {Um D ia na Vida da América, Um Dia na Vida do Japão etc.), eles recentemente foram além do nacional, com o o recente Um Dia na Vida do CyberEspaço, de Rick Smolan, atesta. As am bições panorâm icas e globais de tais livros fazem com que eles te nham uma forte afinidade com filmes com o Baraka-, ficamos imaginando quanto tem po vai levar para a publicação de Um D ia na Vida do M undo.
26. Sobre a econom ia cultural global, ver: Appadurai, Arjun. Disjuntura e Diferença