Em meu mapeamento anterior do cinema chinês pré-2000, aponto quatro tipos principais de produção de filmes: cinema al ternativo (pouco conhecido e independente), cinema de arte (ci nema autoral), cinema comercial (entretenimento) e cinema com propósito político (propaganda com patrocínio do Estado).5No novo século, o governo reduziu seu investimento monetário na propaganda via filmes, e o cinema com propósito político gradu almente perdeu seu espaço no mercado, embora alguns títulos ain da conseguissem chegar à lista dos dez filmes mais bem-sucedidos
com forte apoio governamental, tais como, Decisão Fatal {2000) e
D eng Xiaoping (2003).6 Em vez de investir dinheiro, o governo
agora regula o mercado de filmes, ao estimular empresas privadas a participar da produção e a competir com os sucessos de Hollywood. O resultado imediato é a eufórica “era dos campeões de bilhete
ria” ( dapian shidai), quando os investimentos não governamen
tais sobre as produções alcançaram 75% em 2005.
Sem dúvida, Hollywood é a primeira fonte de inspiração para os filmes de sucesso chineses. Há uma década, quando a China começou a importar os sucessos de Hollywood já com
5. Zhang, Yingjin. Industry and Ideology: a Centennial Review of Chinese Cinema.
World Literature Today, n. 3-4, p. 8-13, Oct./Dec. 2003.
6. Desde 1995, Dianyingyishu tern publicado a classificação anual dos dez filmes chineses de maior sucesso, mais frequentemente na terceira edição de cada ano, às vezes com receitas de bilheteria aproximadas.
compartilhamento de receitas, os cineastas chineses foram rápidos na resposta, ao assegurar financiamento privado (incluindo Hong
Kong) para alguns filmes de arte de alto orçamento, como The
Emperors Shadow (1996), de Zhou Xiaowen, que custou 40 mi
lhões de renminbis na produção. Ainda assim, em 2005, The
Promise ostentava uma produção recorde de 310 milhões de
renminbis, ultrapassando os custos de Herói em 70 milhões de
renminbis. Certamente, investimentos extravagantes como esses trouxeram resultados espetaculares: em 2004, quando a China im portou 21 filmes hollywoodianos (comparados com dez ou me nos antes de 2000), os filmes nacionais ultrapassaram os filmes es trangeiros em exibição e asseguraram 55% da fatia de mercado (que
subiria para 60% em 2005). A bilheteria nacional de O Clã das Ada
gas Voadoras (150 milhões de renminbis) bateu a do O Senhor dos
Anéis III(87 milhões de renminbis) em 2004 e, dessa forma, sinali
zou uma virada no destino do cinema feito na China.7
A corrida para produzir filmes de sucesso chineses é moti vada pela convicção dos produtores dominantes de que os filmes de alto orçamento são a única forma de assegurar retorno finan ceiro em um ambiente de negócios arriscado. A coprodução, por tanto, constitui uma estratégia de compartilhamento de riscos, e, devido a isso, seus números cresceram continuamente de 16, em 2002, para 38, em 2004. São dois os objetivos principais: atrair capital de Hong Kong e de outros lugares e entrar nos
7. Hong,Yin; Xiaoteng,Wang.“Zhongguo dianying chanye beiwang” (Memorando sobre a indústria de filmes chinesa), Dangdaidianying, n. 2, p. 2 4 ,2005.
mercados estrangeiros em parceria com distribuidores internacio
nais credenciados. Após o sucesso inesperado de O Tigre e o Dragão
(1999), de Ang Lee, que arrecadou 128,1 milhões de dólares somen te nos Estados Unidos, os diretores chineses perceberam que os mer cados estrangeiros continuam sendo um território novo a ser con
quistado na era da globalização. Na carona das artes marciais, Herói
facilmente recuperou seus custos de produção de 240 milhões de renminbis, quando recebeu 53,71 milhões de dólares nos Estados Unidos e 132,53 milhões de dólares pelo mundo (taxa de câmbio de 1 dólar = RMB 8.3).8 A atração pelos grandes lucros foi tanta que Feng Xiaogang abandonou sua marca de estilo comédia, que fez dele a bilheteria chinesa mais consistente desde o final da década de
1990, para dirigir um filme de época deslumbrante, The Banqueta
que se parece mais com H erói e The Promise e menos com as
comédias anteriores meio amargas centradas em moradores comuns da cidade.
O problema com os recentes filmes de sucesso chineses é seu conteúdo altam ente superficial in crem en tad o com efeitos audiovisuais fascinantes, incluindo a atuação de estrelas do cinema e efeitos especiais digitais de última geração. Invariavelmente fil mados na China antiga, esses filmes épicos tentam atingir muitas coisas ao mesmo tempo: arquitetura e paisagens espetaculares,
8. Rosen, Stanley. Chinese Cinema in the Era of Globalization: Prospects for Chinese Films on the International Market, with Special Reference to the United States. In:
Retrospective and Outlook. International Forum for the Centennial Anniversary of Chinese Cinema,ed. China Film Archive, uma conferência, Pequim, Dec. 2005. p. 570.
figurino e cenário coloridos, habilidades sobre-humanas de ar tes marciais, música e danças sensuais, assim como rostos e cor pos femininos bonitos. Um triângulo romântico banal é inseri do na narrativa, com pouca ou nenhuma lógica e com diálogos desinteressantes, até mesmo embaraçosos. Sexo e violência domi nam a tela, mas mitos antigos não conseguem disfarçar a cumplici dade ideológica dos sucessos recentes com o poder dominante, sua ambição imperial e decadência.
Ironicamente, igualmente espetacular como os recordes de bilheteria dos sucessos chineses é sua condenação difundida entre o público chinês. Espectadores desapontados desabafam sua raiva na internet, e os críticos expressam sua insatisfação na mídia. Cer tamente, os filmes de sucesso se tornaram eventos midiáticos na cionais no novo século: oferecem não somente entretenimento, mas também um convite para o público participar dos debates públi cos. De qualquer forma, os filmes bem-sucedidos recebem muita atenção, enquanto seus produtores e exibidores alegremente con seguem a publicidade de que precisam.