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Em algum outro lugar, nos estudos contemporâneos sobre cinema, uma atenção considerável foi dedicada ao estudo dos públicos globais, por exemplo: Ang, Ien.

Nostalgia imperialista

27. Em algum outro lugar, nos estudos contemporâneos sobre cinema, uma atenção considerável foi dedicada ao estudo dos públicos globais, por exemplo: Ang, Ien.

Desperately Seeking the Audience. New York; London: Routledge, 1991; e Living Room Wars-. Rethinking Media Audiences for a Postmodern World. New York; London: Routledge, 1996.

vas semelhantes dos poderes coloniais para supostamente impor categorias “universais” ao mundo como um todo. Por fim, vale a pena lembrar que, precisamente devido à dificuldade histórica do cinema com o colonialismo, muitos diretores pós-coloniais - refi­ ro-me a diretores do Terceiro Cinema em particular - se preocupa­ ram exclusivamente com a definição de suas práticas cinematográ­ ficas em oposição aos cinemas estadunidense e europeu. Embora tais diretores hoje tenham de operar dentro da economia cultural global como qualquer outro, provavelmente estarão mais apreen­ sivos com a assimilação dos seus trabalhos dentro da categoria “cinema mundial” do que, digamos, um diretor francês ou inglês. Resumindo, a categoria de “cinema mundial” prova, em uma aná­ lise mais detalhada, ser menos “natural” e menos problemática como pareceria em princípio e pode, até mesmo, ser vista como um construto totalizante que, de alguma forma, torna a categoria de “cinema mundial” a contrapartida dos estudos cinematográfi­ cos para

Baraka.

Outro problema do

Cinema Mundial\

e mais relevante para a presente discussão, como sugeri, é o fato de que, enquanto o livro revela muito sobre os processos globais que afetam a forma como a produção cinematográfica acontece hoje, pouco nos diz sobre a emergência de um discurso a respeito da globalização den­ tro do próprio cinema global contemporâneo. Está claro, pelo menos, que a globalização teve, e continua tendo, um impacto significativo sobre o conteúdo fílmico no mundo todo, seja a obra feita por um diretor etnográfico estadunidense, um diretor euro­ peu de vanguarda, um diretor africano morando em Paris ou um iraniano em Los Angeles.

A comparação entre o

Cinema M undial

e

Baraka

leva, en­ tão, à conclusão de que a categoria de “cinema mundial” precisa ser repensada. Enquanto o “cinema mundial” e o “cinema global” têm sido, nos últimos anos, matéria de atenção crítica crescente, um corpo substancial de filmes que se engajam em um discurso

sobre

a globalização - do qual

Baraka

é somente um exemplo - foi, até o momento, deixado de fora da discussão. Se for correto, vale a pena refletir por que isso acontece. Talvez se deva a uma confusão conceituai sobre os usos do próprio termo “cinema mun­ dial” que, embora cada vez mais presente na atualidade, é usado em um sentido muito diferente de “música mundial”. Como vi­ mos há pouco, o termo é mais frequentemente utilizado para sig­ nificar “a indústria de cinema global”, em vez do sentido mais res­ trito, que uso neste texto, de filmes que explicitamente se inserem em um discurso sobre algo chamado “mundo”. À parte das impli­ cações ideológicas de um termo tão globalizante, poderíamos que­ rer nos informar sobre a utilidade analítica de um a categoria conceituai que - na esfera da produção cinematográfica, pelo me­ nos - inclui potencialmente tudo.

Outra razão pela qual as discussões sobre o “cinema mundial” e o “cinema global” envolveram os tipos de filmes que venho dis­ cutindo aqui pode ser simplesmente uma suspeita sobre o global em si. Acostumamo-nos a valorizar a particularidade do local e a rejeitar discursos globalizantes, com suas pretensões de falar por to­ dos, como monolíticos e hegemônicos. Isso pode ser algo bom; mas, enquanto tivermos uma boa razão para suspeitar do global, não significa que, se o ignorarmos, ele simplesmente desaparece­ rá. De fato, o oposto parece mais verdadeiro: quanto mais o igno-

ramos mais difundido ele se torna. Estudos do cinema “global” ou “mundial”, entretanto, têm a tendência de se concentrar primeira­ mente nas práticas cinematográficas transnacionais ou locais, de­ finidas por

resistência

ao global (frequentemente tratado hoje em dia como sinônimo de capitalismo), em vez de se concentrar no global como tal.28 Sem negar a importância de práticas de resis­ tência, precisamos também perguntar o que está em jogo no con­ tínuo desejo euro-americano de enquadrar a diversidade cultural global dentro de seu olhar que inclui tudo, e se filmes como

Baraka

não são, de muitas formas, uma resposta contra-hegemônica aos cinemas atuais transnacionais de resistência. Em uma ordem m un­ dial pós-colonial na qual as sociedades do Primeiro Mundo se encontram cada vez mais fragmentadas pela imigração do Tercei­ ro Mundo, com sua homogeneidade cultural desestabilizada e con­ testada pelas culturas de suas antigas colônias, a visão global de

Baraka

pode ser vista como uma reação à ameaça que tal mundo apresenta à autoridade cultural euro-americana, que, ao reinscrever o mundo dentro do campo reafirmativo de um olhar euro-america­ no, procura uma estrutura discursiva neocolonial sobre um m un­ do escorregadio cada vez mais além de seu controle.

Repensar o “cinema mundial” hoje, em primeira instância, envolve diferenciá-lo das indústrias de filmes globais, uma catego­

28. Ver: Jameson, Fredric. The Geaf>oliticãiAesthetic". Cinema and Space in the World System. Bloomington, Indiana: Indiana University Press; London: British Film Institute, 1992; Ver: MacDonald, Scott. Premonitions of a Global Cinema. In: Avant-Garde Film:

ria que potencialmente inclui tudo, e dos cinemas transnacionais, definidos por sua política de diferença multicultural. Envolve tam­ bém realocar o próprio cinema como um meio dentro do contex­ to maior das indústrias culturais globais. Isso significa tratar o cinema, como historicamente tem sido o caso, não isolado de outras mídias, mas como parte de um

continuum

maior, desde diário de viagem, de moda até música popular, que articulam respostas euro-americanas para as novas realidades multiculturais da ordem mundial pós-colonial. O cinema euro-americano tem tido, e conti­ nuará a ter, um papel significativo na articulação dessas respostas, mas esse papel, até o momento, praticamente não foi analisado. Concentrar-se nele mais diretamente pode levar a um entendi­ mento certamente menos globalizante, mas, no final das contas, mais claro, do lugar do “cinema mundial” dentro da economia cultural global contemporânea.

O cinema intercultural