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CAPÍTULO 3: Cálculo mental

3.1. Estratégias de cálculo mental

3.1.2. Cálculo mental com números naturais

O conjunto dos números naturais é o primeiro conjunto numérico que as crianças aprendem, mantendo-se esta aprendizagem até ao final da vida escolar. É com estes números que se começam a desenvolver as primeiras estratégias de cálculo mental.

A partir de um estudo realizado com 350 crianças, no início da escolaridade básica às quais não tinham sido ensinadas explicitamente estratégias de cálculo mental, Thompson (1999), verificou que as crianças desenvolveram um conjunto de procedi- mentos próprios para adicionarem ou subtraírem números até 20. Estes procedimentos foram agrupados em duas categorias: estratégias que envolviam contagem e estratégias associadas a factos numéricos ou derivações destes factos numéricos. O autor identifi- cou cinco tipos de estratégias de contagem: a contagem a partir do primeiro número; contagem a partir do número maior; contagem para trás; contagem até ao subtrativo e contagem a partir de. As estratégias em que usam factos numéricos ou outros decorren- tes destes são consideradas mais sofisticadas e contemplam a utilização de dobros; qua- se dobro para a adição e para a subtração; subtração como operação inversa da adição; uso de 5 como referência; e estabelecimento de pontes através do 10 na adição e na sub- tração; e a compensação.

Relativamente à estratégia de contagem a partir do primeiro número (e.g., 3+4 começa a contagem no 3…4, 5, 6, 7, é 7) é considerada uma das primeiras estratégias das crianças após aprenderem a contar e que envolve a atribuição de um número a um

objeto, em que cada vez que iniciam a contagem esta começa no “um”. Ao nível da con- tagem, é importante que a criança perceba que a sequência dos números pode e deve ser interrompida podendo a contagem começar em qualquer ponto dessa cadeia. A conta-

gem a partir do número maior (e.g., 4+6 opera 6+4) surge como uma necessidade para

fazer o cálculo de forma rápida. Isto implica comparar dois números a fim de decidir qual o maior e a utilização da propriedade comutativa. A contagem para trás (e.g., 8-5 inicia a contagem no 8 e conta para trás 5 números, ou seja 8… 7, 6, 5, 4, 3 é 3) é uma das estratégias mais usadas pelas crianças na subtração. Para além de dizer os números numa ordem decrescente tem ainda que mentalmente memorizar quantos passos andou para trás e perceber que a resposta corresponde ao último número referido na contagem. Um erro comum das crianças é considerarem o número em que iniciaram a contagem como fazendo parte do resultado. A contagem até ao subtrativo (e.g., 8-5 inicia a conta- gem decrescente no 8… 7, 6, 5 e a resposta é 3, o número de dedos levantados caso as mãos tenham servido de apoio à contagem, e não o último número referido como no caso anterior). Esta estratégia identificada por Thompson (1999) foi pouco usada pela maioria das crianças. A contagem a partir de, (e.g., 10-4 parte do 4, conta até a 10 e responde 6) apesar de também não ser uma estratégia usual nas crianças é importante conhecê-la pois é uma estratégia potente nas operações com números com dois dígitos. Deste estudo emerge também a ideia de que, crianças que revelem dificuldades na inter- pretação do sinal de menos como retirar, podem ter dificuldade em usar este tipo de estratégias.

No que se refere às estratégias em que as crianças usam factos numéricos ou outros decorrentes destes, o autor inclui nesta categoria o uso de dobros na subtração (e.g., 12 − 6 a resposta é 6, pois reconhece que 12 é o dobro de 6) em que a criança duplica o valor do subtrativo para deduzir qual a diferença ou então usa a operação inversa. Os quase dobro na adição (e.g., 6 + 7 é 13 porque se 6 + 6 é 12 então basta adicionar mais 1) ou os quase dobros na subtração (e.g., 8 − 5 é 3 porque 10 menos 5 é 5, mas como 8 é menos 3 que 5 o resultado é 3) envolvem a utilização da duplicação de números, que muitas vezes já e um facto interiorizado e que pode ser útil em diversas situações. O reconhecimento da operação subtração como a inversa da adição (e.g., 10 − 4 é 6, pois 6 + 4 é 10) é uma ferramenta potente, pois ao saber factos sobre a adi- ção pode relacioná-los com a subtração. A utilização de 5 como referência (e.g., 8 + 6 é 14, de 8 tira-se 5, de 6 tira-se 5 e sobram 4) consiste em retirar grupos de 5 unidades

para construir uma dezena e adicionar o que sobrou, ou seja, visualizam 8 como 5 + 3 e 6 como 5 + 1. Ao estabelecer pontes através do 10, quer na adição quer na subtração (e.g., 13 − 5 é 8, ao 13 retira-se 3 para ficar 10 o que significa que só falta retirar 2 uma vez que 5 é considerado como 3 + 2) envolve a decomposição de números e reco- nhecer e operar com 10, sendo este considerado um número especial e facilitador da operação. Por fim, a estratégia de compensação (e.g., 9 + 5 é 14, uma vez que 10 + 5 é 15) é considerada como bastante sofisticada para este nível, pois implica a adição de um valor superior ao apresentado e que no fim deve ser compensado através da sub- tração ou com o recurso a uma operação equivalente (e.g., 10 + 4 em vez de 9 + 5) o que envolve o cruzamento de outras estratégias como é o caso da utilização de 10 como uma referência facilitadora do cálculo. É uma estratégia que deve ser explorada com cuidado nos primeiros anos e que é útil no trabalho com outros números no futuro.

Num outro estudo, efetuado em escolas chilenas do ensino público, Gálvez, Cosmelli, Cubillos, Leger, Mena, Tanter, Flores, Luci, Montoya e Soto-Andrade (2011) identificaram entre quatro e seis estratégias diferentes de cálculo mental usadas pelos alunos do 1.º ao 4.º ano, tendo estes manifestando dificuldades em verbalizarem a forma como pensaram. Para além da aplicação mental de algoritmos escritos, algumas das estratégias dos alunos demonstraram que estes possuem algum grau de familiaridade com os números e as suas propriedades, como é o caso do uso da propriedade comutati- va em adições, da distributiva na multiplicação em relação à adição ou à subtração, ou da decomposição de números. Muitas destas propriedades não tinham sido ensinadas, o que segundo os autores, revela que a partilha de estratégias na sala de aula permite cons- truir conhecimento, com sentido, acerca das propriedades das operações.

Na multiplicação e divisão utilizaram factos conhecidos, associados por exem- plo, à multiplicação e divisão por 10, 100 e 1000. No entanto, foi possível verificar em alguns casos, um retrocesso na escolha de estratégias para a realização de determinados cálculos, optando os alunos por estratégias mais primitivas. Este retrocesso relacionou- se com as dificuldades dos alunos em perceberem a ordem de grandeza dos números envolvidos. Estas estratégias, que os autores consideram mais primitivas, estão ao nível das estratégias de contagem identificadas por Thompson (1999).

As estratégias identificadas por Gálvez et al. (2011) representam um avanço quando comparadas com as identificadas por Thompson (1999). Esta evolução poderá estar relacionada com o facto de se contemplar a multiplicação e a divisão e o uso de

números maiores. Quanto mais complexos são os números e as operações envolvidas, maior a possibilidade dos alunos estabelecerem relações e criarem estratégias pessoais mais complexas. A partir das estratégias identificadas por Thompson (1999) e Gálvez et al. (2011), organizei um quadro síntese (Anexo A) onde apresento possíveis estratégias de cálculo mental dos alunos com números naturais.