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CAPÍTULO 2: Números racionais

2.3. Aprendizagem das operações com números racionais

2.3.4. Números racionais e pensamento relacional

O caracter algébrico dos números racionais foi já realçado neste capítulo, por Llinares e Garcia (2000), principalmente em relação às frações, e também por Schifter (1997) e Slavit (1999) quando consideram que sentido de operação é a ponte entre a Aritmética e a Álgebra. Esta ideia é agora reforçada por Empson, Levi e Carpenter (2010) ao considerarem o pensamento relacional como uma ferramenta para novas aprendizagens sobre números.

Para Empson et al. (2010), existe uma relação entre as frações e a álgebra. Esta relação enfatiza a continuidade de uma relação concetual entre números naturais e fra- ções e mostra como as propriedades das operações e a igualdade, que são os fundamen- tos da Álgebra, são usados naturalmente pelas crianças nas suas estratégias de resolução de problemas envolvendo operações com e sobre frações. Baseados em 14 anos de investigação sobre como desenvolver, na sala de aula, o pensamento relacional dos alu- nos e como estes o podem usar na aritmética dos números naturais e frações, os autores consideram que existe um conjunto de estratégias que as crianças usam no trabalho com frações e que se baseiam nas relações matemáticas que são essenciais para a compreen- são da Álgebra, nomeadamente o pensamento relacional (relational thinking). Conside- ram ainda que o pensamento relacional pode ajudar a compreender as frações e a atri- buir sentido às operações com frações.

Na perspetiva de Empson et al. (2010), o pensamento relacional envolve o uso das propriedades fundamentais das operações e da igualdade para analisar e resolver um problema tendo em conta o seu contexto. Por exemplo, para calcular a criança pode pensar em como sendo e raciocinar que dá uma unidade e que uma unidade mais é . Na adição de frações, as crianças são levadas a calcular denomina- dores comuns e depois a adicionar os numeradores, o que encaram como um conjunto de procedimentos que devem seguir, e não são encorajados a usar com compreensão a propriedade distributiva para explicar os procedimentos que usaram. Esta perspetiva de mecanização de procedimentos já tinha sido realçada por Llinares e Garcia (2000) e

McCloskey e Norton (2009) como infrutífera para a aprendizagem das operações. Para Empson et al. (2010), a centralização nos procedimentos leva a que as crianças mais tarde não estejam preparadas para usar adequadamente as propriedades das operações e não estejam preparadas para justificar porque é que é mas não é . Os autores consideram ainda que as crianças aprendem Aritmética com com- preensão quando são encorajadas a desenvolver a sua compreensão intuitiva dos núme- ros e operações. Para aprender Aritmética é necessário pensar sobre Aritmética de for- ma relacional.

Para Empson et al. (2010), as frações não são difíceis se for desenvolvido o pen- samento relacional nas crianças. O foco no pensamento relacional pode ajudar as crian- ças a transformarem as frações em algo que através de um desenho ou do reforço das propriedades dos números e das operações os leve a raciocinar sobre as quantidades envolvidas. Na sua perspetiva, as crianças, antes de aprenderem a operar com frações, devem compreender a fração enquanto quantidade. Uma fração é definida por uma rela- ção multiplicativa entre dois naturais e o pensamento relacional ajuda a perceber as quantidades envolvidas numa fração. Consideram ainda que uma criança começa a pen- sar de forma relacional acerca das quantidades envolvidas numa fração quando conse- gue relacionar o número de partes iguais em que deve dividir o todo com o número de pessoas pelo qual deve distribuir igualmente essas partes.

Para estes autores, o pensamento relacional pode ser usado para dar sentido às operações com frações. A partir do momento em que as crianças compreendem as fra- ções como um conjunto de relações, começam a ser capazes de compor e decompor quantidades com o propósito de transformar expressões e simplificá-las no cálculo. Um ponto fundamental no crescimento da compreensão da criança é atingido quando estas começam a usar nas suas estratégias o pensamento relacional para realizarem adições ou subtrações sucessivas de frações de forma mais eficiente através da aplicação de pro- priedades fundamentais das operações e de igualdades para combinar quantidades. Uma criança que, para calcular 8 grupos de , pensa que se 8 grupos de é igual à unidade, então serão três unidades, tem um raciocínio que se baseia na propriedade comutativa e associativa da multiplicação.

Apoiando-se no caso de um aluno, Empson et al. (2010) exemplificam a forma como se pode usar o pensamento relacional na resolução de um problema de partilha

equitativa com números racionais. Considerando a situação: “Dois terços de um saco de café pesam 2,7 kg. Quanto poderá pesar o saco de café completo?” um aluno do 6.º ano resolveu-o recorrendo à transformação das quantidades envolvidas e ao uso flexível das propriedades fundamentais das operações e a igualdades, com o intuito de simplificar os cálculos. Os autores consideram que o pensamento relacional está presente na estratégia usada pelo aluno. O aluno começou por reconhecer que era um problema de divisão e escreveu . Posteriormente decompôs em , mostrando que em vez de proceder à aplicação direta de um procedimento de cálculo, optou por estabelecer rela- ções para simplificar os cálculos a efetuar. Para os autores, esta escolha envolve um pensamento antecipado (anticipatory thinking), uma vez que o aluno analisa o problema para ver que tipo de relações pode estabelecer e que lhe podem facilitar os cálculos, o que posteriormente se traduz na execução de diversos passos para resolver o problema. Começou por dividir por e 2 por usando a propriedade comutativa da adição e aplicando a propriedade distributiva à divisão. Esta aplicação da propriedade distributi- va é um princípio de uma generalização que, segundo os autores, pode ser justificada com a propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição em conjunto com a relação inversa entre multiplicação e divisão. Seguidamente, para facilitar a divisão, o aluno transformou ambas as frações em frações equivalentes de denominador , ou seja, transformou em

e em

. Nesta fase, os autores consideram que o aluno

voltou a antecipar o seu pensamento para produzir frações equivalentes que lhe facili- tassem a divisão. Na divisão de

por

, considerou que bastava dividir por e

isso seria uma unidade restando

. Depois, dividiu por , o que rapidamente concluiu

ser . O aluno, questionado sobre a sua rápida resposta explicou que, se dividido em terços dá e uma vez que tem três vezes em cada unidade, então a dividir por é , uma vez que é o dobro de . Empson et al. (2010) associam a seguinte expressão à forma como o aluno pensou:

Para os autores, mais uma vez o aluno usou o princípio de uma generalização mas agora transpondo a propriedade associativa para a divisão que pode ser justificada

através de propriedades formais enraizadas nas relações que estabelece entre as quanti- dades envolvidas nas frações e na divisão. Subjacente a todo o raciocínio do aluno está a expressão:

Ao longo da resolução, o aluno mostra ter uma visão global do problema e defi- ne passos intermédios que o conduzem à resposta final. Os autores consideram que o aluno construiu um pensamento por antecipação bem como uma compreensão de como as expressões e equações poderiam ser transformadas. Este tipo de pensamento está intimamente relacionado com a manipulação simbólica em álgebra.

Na perspetiva de Empson et al. (2010), cada estratégia surge em função da com- preensão que cada criança tem dos números e operações e usa relações numéricas que lhe são familiares para estabelecer novas relações e efetuar o cálculo. O pensamento relacional que as crianças usam quando trabalham com frações é uma Álgebra informal. O desenvolvimento de conhecimentos base para pensar sobre frações de forma eficiente integra o conhecimento das propriedades dos números naturais e das suas operações, suas relações e antecipa a Álgebra da generalização de quantidades. Os autores afirmam que não são contra a utilização de algoritmos para o desenvolvimento de alguma fluên- cia com operações com números, mas argumentam que se o desenvolvimento do pen- samento relacional dos alunos for apoiado, o conhecimento acerca da generalização das propriedades dos números e das operações torna-se mais explícito e pode ser a base para a aprendizagem da Álgebra nos níveis de escolaridades seguintes atenuando erros e equívocos dos alunos.

Usando pensamento proporcional relacional, as crianças podem usar estratégias que passam pela generalização das propriedades das operações. Por exemplo, uma criança pode transformar uma fração em frações unitárias e usar a propriedade distribu- tiva da multiplicação em relação à adição. Se um quarto de é

então um quarto de é + . Para Empson et al. (2010) o pensamento relacional é um percurso crítico – tal-

vez o mais crítico – para a aprendizagem da Álgebra com compreensão, mas é necessá- rio. Acrescentam ainda que, se as crianças compreendem a Aritmética que aprendem, então estão melhor preparados para resolver problemas e gerar novas ideias no campo da Álgebra.