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CAPÍTULO 3: Cálculo mental

3.3. Ensinar a calcular mentalmente

3.3.3. O papel do professor

Na base de um ensino centrado no desenvolvimento do cálculo mental está o professor enquanto elemento fundamental em todo este processo, pois dele dependem duas componentes essenciais da aula de Matemática, a escolha das tarefas que, devem de forma intencional, contribuir para o desenvolvimento do cálculo mental (Brocardo, 2011) e a comunicação na sala de aula, onde assume um papel importante (Matos & Serrazina, 1996).

Para Wolman (2006) as tarefas são ingredientes fundamentais numa aula de Matemática. A autora considera que o professor tem um papel essencial na organização e planificação de uma sequência de aprendizagem progressiva que contribua para o desenvolvimento das capacidades de cálculo dos alunos. Esta sequência de aprendiza- gem deve ser pensada para que novos conhecimentos se possam apoiar em conhecimen- tos anteriores, ao mesmo tempo que se introduzem novas aprendizagens. Salienta ainda que todo este trabalho de planificação deve ter presente que o desenvolvimento do cál- culo mental deve ser programado a longo prazo, com tarefas que contemplem a aprendi- zagem de vários conceitos, onde as mesmas questões devem ser abordadas em diferen- tes momentos e de diferentes formas.

Relativamente à comunicação, Matos e Serrazina (1996) consideram que o pro- fessor tem um papel importante na sua regulação na sala de aula. Segundo estes autores, o professor deve encorajar os alunos a assumir um papel mais ativo na aprendizagem e fazê-los perceber que é importante aprender a questionar e demonstrar o seu pensamen- to aos colegas de modo a clarificarem ideias matemáticas. Indicam ainda que o profes- sor precisa de ouvir os seus alunos e pedir-lhes que clarifiquem e justifiquem as suas ideias matemáticas. Os autores referem três modos de comunicação: (i) exposição; (ii) questionamento e (iii) discussão. A exposição de uma ideia, história ou experiência, envolve normalmente um interveniente que pode ser o aluno ou o professor; no questio- namento, por norma o professor faz um conjunto de questões com um determinado objetivo e finalmente a discussão, permite uma multiplicidade de interações quer entre aluno(s)-aluno(s) quer entre aluno(s)-professor.

Relativamente ao questionamento, Matos e Serrazina (1996) referem que este pode envolver três tipos de perguntas: de focalização, de confirmação e de inquirição. As perguntas de focalização ajudam os alunos a seguir um determinado raciocínio. As de confirmação servem para verificar os conhecimentos dos alunos e no último, visam o esclarecimento do professor. As perguntas de inquirição são as que consideram verda- deiramente genuínas, em que o professor procura saber o modo como os alunos estão a pensar, como resolveram um certo problema, ou qual a sua opinião sobre um dado resultado ou estratégia. Na perspetiva dos autores, o questionamento sucessivo por parte do professor é uma forma de incentivar e apoiar atividade matemática do aluno.

São vários os autores (e.g., Bourdenet, 2007; Heirdsfield, 2005; Thompson, 2009; Wolman, 2006) que enfatizam a importância das tarefas e dos diferentes modos de comunicação na sala de aula, referidos por Matos e Serrazina (1996) no processo de desenvolvimento do cálculo mental. Num estudo em que analisou a influência das ações do professor no desenvolvimento de estratégias de cálculo mental dos alunos, Heirds- field (2005) também realça a importância das tarefas, do questionamento do professor e da discussão, acrescentando a mais-valia do uso de modelos. Neste estudo a autora veri- ficou que um questionamento planeado, a escolha de tarefas apropriadas, a utilização de modelos e a exploração e discussão de estratégias foram importantes para estabelecer conexões e incentivar o desenvolvimento de estratégias de cálculo mental por parte dos alunos. Este estudo revelou ainda, que incentivar o pensamento de estratégias em vez de obter apenas uma resposta certa, contribuiu para que os alunos utilizassem os números

de forma mais flexível e desenvolvessem o sentido de operação o que, no futuro, lhes facilitou a aprendizagem dos algoritmos com sentido, com recurso a conexões e não seguindo apenas procedimentos. Wolman (2006) também defende uma atitude de ques- tionamento por parte do professor. Esta autora considera que o professor deve pedir explicações aos alunos e comparar procedimentos para que estes os analisem e expli- quem. Defende ainda que a intervenção do professor passa também por identificar as questões que merecem discussão e as situações que podem ser suscetíveis de confronto de pontos de vista e identificar novos conhecimentos que se vão descobrindo. As inter- venções do professor devem permitir a difusão, identificação e prática de procedimentos de cálculo mental para que os alunos progressivamente ganhem autoconfiança e melho- rem a sua prestação ao nível das estratégias de cálculo.

Na perspetiva de Guimarães e Freitas (2010) o professor tem um papel funda- mental na inclusão, nos momentos de discussão, de alunos com dificuldades no cálculo mental. O professor deve ter uma atitude que permita envolver este tipo de alunos gra- dualmente na discussão de estratégias de cálculo mental na turma, não os expondo demasiado mas solicitando a sua colaboração para comentar as estratégias dos colegas. Esta atitude do professor em conjunto com uma prática regular de cálculo mental ajuda o aluno a ser mais autoconfiante e a ampliar e construir novas estratégias de cálculo, tal como refere Wolman (2006). Na verdade, a discussão é um modo de comunicação na sala de aula referido por vários autores como sendo uma atividade essencial e propícia à aprendizagem e ao estabelecimento de conexões matemáticas. O cálculo mental não é facilmente observável (Threlfall, 2009) e a discussão na turma é o contexto ideal para perceber de que forma os alunos usam os seus conhecimentos sobre números e opera- ções para calcular mentalmente. De acordo com o programa de Matemática (ME, 2007) “a discussão na turma dos vários tipos de estratégias desenvolvidas pelos alunos ajuda- os a construir um reportório de estratégias com os seus próprios limites e flexibilidade e ensina-os, também, a decidir quais são os seus registos mais apropriados e proveitosos” (p. 10). Para além de contribuir para a melhoria gradual da comunicação matemática oral dos alunos, a discussão na sala de aula, proporciona momentos ricos de aprendiza- gem entre aluno(s) e entre aluno(s) e professor.

Para Bourdenet (2007) os momentos de discussão de cálculo mental em sala de aula permitem comparar procedimentos, refletir, pensar, conjeturar, analisar os erros, desenvolver o sentido crítico e promover intenso debate, fundamental para estabelecer

conexões entre aprendizagens matemáticas. Este autor salienta a importância da discus- são de estratégias de cálculo e de erros com toda a turma como forma de aprender, uma vez que o momento de correção repetido com regularidade e contemplando diferentes procedimentos possíveis, promove uma aprendizagem mais sólida de certos saberes e permite uma manutenção dos conhecimentos, em que cada noção pode ser regularmente revista e repensada. Considera ainda importante a linguagem natural na análise e identi- ficação do erro. A discussão de estratégias de cálculo com toda a turma permite igual- mente identificar conhecimentos a reter relativamente aos números e às operações e validar procedimentos usados, podendo no futuro o próprio aluno saber se a sua estraté- gia está correta. Também Thompson (1999) considera que os professores devem discu- tir as estratégias dos alunos na turma para que estes possam explicar como procederam e para que as suas estratégias pessoais sejam legitimadas. Acrescenta ainda que um ambiente de aprendizagem onde se expõem e discutem estratégias na turma, deve ser considerado uma das recomendações acerca da forma como devem os professores desenvolver o cálculo mental na sala de aula.

Tal como Bourdenet (2007) e Thompson (1999), também Wolman (2006) consi- dera que a validação de raciocínios durante a discussão, entre pares e com o professor, permite criar uma rede de conhecimentos acerca do funcionamento dos números e das operações. Para a autora, esta rede de conhecimentos constrói-se a partir da partilha e busca de estratégias, sua explicação, confronto e difusão, permitindo aos alunos identi- ficarem e reterem informação relativa aos números e às operações, ao mesmo tempo que participam na construção de critérios de validação e de seleção de procedimentos. Acrescenta ainda que o ensino do cálculo mental permite a procura, reflexão, discussão, argumentação, produção e análises de ideias matemáticas dos alunos e a identificação de novos conhecimentos.

3.4. Síntese

O desenvolvimento do cálculo mental é um processo longo que deve acompa- nhar a aprendizagem dos números e das operações, ao longo da escolaridade, devendo esse desenvolvimento ser intensificado nos 1.º e 2.º ciclos. Alguns estudos sugerem que a aprendizagem dos números e das operações deve centrar-se primeiro no desenvolvi- mento de estratégias de cálculo mental, antes de transitar para o cálculo escrito formal.

Isto permite às crianças adquirirem destreza no trabalho com números, compreensão do valor posicional, compreensão dos números e das operações, fornecendo uma base sóli- da para a introdução dos algoritmos com sentido. À medida que se vai desenvolvendo o cálculo mental, vão sendo ampliados os conhecimentos sobre números e operações, de forma a criar-se uma rede de relações que permita um cálculo rápido e eficiente.

O cálculo mental contribui para o aumento do gosto e empenho pela Matemática e da capacidade de usar uma maior variedade de estratégias de forma cada vez mais flexível. Permite desenvolver conhecimentos matemáticos mas também capacidades transversais. Para além de contribuir para o desenvolvimento do sentido de número e de operação, o cálculo mental desenvolve o raciocínio, a capacidade critica, de conjeturar, refletir e de comunicar matematicamente.

No cálculo mental, existem etapas básicas pelas quais os alunos devem passar. Antes de serem capazes de criar estratégias pessoais diversificadas que envolvam um certo grau de conhecimento sobre os números e as operações, as crianças devem passar pela fase da partição e decomposição de números. O facto de uma criança mobilizar em certos momentos estratégias complexas não significa que o faça sempre pois o apareci- mento de dificuldades, por exemplo, na interpretação do contexto da tarefa ou da gran- deza dos números envolvidos, pode fazer com que ela volte a usar estratégias de nível mais básico.

Existem semelhanças entre as estratégias de cálculo mental com números natu- rais e números racionais. Basicamente, quando uma criança calcula mentalmente com números naturais e racionais pode usar sete tipos de estratégias diferentes: formas men- tais dos algoritmos escritos; factos conhecidos; mudança de operação; compensação; decomposição; utilização de números de referência; e propriedades das operações. As diferenças que existem prendem-se com a simplicidade dos números envolvidos, como é o caso das estratégias de contagem ou de quase dobros numa fase muito inicial do desenvolvimento do cálculo mental com números naturais, ou com a complexidade dos números como é o caso da mudança de representação nos números racionais, utilização de imagens mentais e regras memorizadas ou utilização de equivalências.

A memória de trabalho e de longo termo desempenham um papel central na capacidade de cálculo mental de um individuo, não só pela capacidade em armazenar factos numéricos mas também pelos modelos mentais que vão criando a partir de conhecimentos prévios e que apoiam o raciocínio e o processo de construção de estraté-

gias. O papel da memória de trabalho no cálculo exato é mais exigente do que no cálcu- lo aproximado uma vez que este requer um maior número de cálculos e maior exigência na manutenção de cálculos intermédios. A memorização e registo, no cérebro, de proce- dimentos sem compreensão podem originar erros bem como a dificuldade em armaze- nar e relacionar informação contida em módulos neurológicos. As falhas de memória podem originar uma regressão para estratégias mais primitivas quando outras mais sofisticadas já foram utilizadas, enquanto um acionar automático da memória pode levar a que se respondam a factos de adição com factos de multiplicação (como 2+3=6 basea- do em 2×3=6).

As estruturas cognitivas de um individuo são constituídas por representações internas (mentais), essenciais para dar sentido a conceitos e ideias matemáticas e a tran- sição entre estas representações, por vezes inconsciente, permite-nos explicar como pensamos. Contudo, tudo o que podemos dizer sobre as representações mentais baseia- se em inferências, por não serem diretamente observáveis. De acordo com a Teoria dos Modelos Mentais existem três tipos de representações mentais: modelos mentais, repre- sentações proposicionais e imagens mentais, que podem ajudar a explicar processos de conhecimento complexos como a compreensão e inferência. A diferença entre estas representações mentais reside na sua especificidade e função embora os modelos men- tais sejam a base para a criação de imagens e de representações proposicionais. Os modelos mentais são criados a partir de representações externas. Se estes modelos men- tais representam o mundo real com alguma especificidade, são considerados imagens, se fazem inferências acerca do mundo real representado por modelos mentais são represen- tações proposicionais. As representações proposicionais referem-se a afirmações basea- das em proposições, que podem ser verdadeiras ou falsas e que, embora não sejam estruturas análogas aos objetos que representam, são fundamentais para estabelecer relações. No que se refere às imagens mentais, a atividade matemática faz uso de cinco tipos de imagens mentais: imagens concretas, de padrão, de memória de fórmulas, cinestésicas e dinâmicas sendo que uma aprendizagem significativa envolve a utilização de imagens mentais onde a visualização assume um papel importante. Estas imagens mentais podem ser consideradas uma extensão da perceção visual ou uma mera visuali- zação que, no caso do cálculo mental, produz representações mentais semióticas.

As representações mentais podem ser classificadas de descritivas ou representa- tivas se representam símbolos ou ícones, respetivamente. Representações descritivas são

símbolos que não têm semelhança com o seu referente mas que permitem estabelecer relações, sendo por isso associadas a representações proposicionais. Representações representativas são consideradas ícones associados ao seu referente por semelhança e analogia e que, por isso, se relacionam com modelos mentais e imagens mentais.

O ensino e aprendizagem do cálculo mental deve ser intencional e sistemático e a aula de Matemática constitui um bom momento para o desenvolver. Alguns autores defendem que devem existir momentos específicos dedicados ao cálculo mental e que estes devem acontecer com regularidade. Diariamente, 10 a 15 minutos, seriam suficien- tes para melhorar e manter as capacidades de cálculo dos alunos. No entanto, é funda- mental que estes momentos sejam pensados e planificados. Para planificar o cálculo mental para a sala de aula, o professor deve selecionar criteriosamente tarefas que per- mitam aos alunos, progressivamente, mobilizarem estratégias cada vez mais complexas, ter presente a importância dos contextos e perceber que à medida que se vão estabele- cendo relações e memorizando factos numéricos, estes contextos vão perdendo impor- tância passando os procedimentos a serem mais relevantes. Esta planificação requer um entendimento, por parte do professor, do que é o cálculo mental e do que este envolve, o que por vezes suscita uma mudança de conceção e de forma de ver o ensino, não só do cálculo mental, mas da Matemática em geral.

Acima de tudo, é importante perceber que o cálculo mental não é incompatível com registos de papel e lápis e que envolve o conhecimento dos números, o efeito das operações sobre os números, a capacidade de estimar resultados e avaliar a sua razoabi- lidade e a memorização de factos, que facilmente podem ser mobilizados para efetuar um cálculo rápido e eficaz. O professor deve definir os objetivos e metas que os alunos devem atingir, conhecer estratégias de cálculo mental e um conjunto de relações numé- ricas que apoiem a memorização de factos conhecidos. O trabalho entre professores ou entre investigadores e professores pode facilitar a planificação e realização do cálculo mental na sala de aula. Outro aspeto importante do papel do professor é a gestão da dis- cussão na sala de aula. A discussão é o contexto ideal para desenvolver a comunicação matemática dos alunos e perceber as estratégias que estes mobilizam, uma vez que o cálculo mental não é observável, a não ser que haja partilha de estratégias. O professor deve ter uma atitude de questionamento que permita envolver os alunos nessa partilha, e também ajudá-los a refletir e a validar as estratégias que usam.