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Representações e significados de um número racional

CAPÍTULO 2: Números racionais

2.2. Números racionais: Sentido de número e de operação, representações e significados

2.2.2. Representações e significados de um número racional

A utilização do termo “fração” está associada aos números racionais, mas os números racionais não são apenas representados por frações, sendo também muito usa- das a representação decimal e em percentagem (Lamon, 2007). Aos números racionais, representados de vários modos, estão associados diferentes significados. Behr, Lesh, Post e Silver (1983) consideram fundamental compreender estes significados e a forma como se relacionam entre si, para perceber e trabalhar com números racionais.

A conversão entre diferentes representações em situações de cálculo ou de reso- lução de problemas é sinal de que os alunos possuem sentido de número e são capazes de criar estratégias próprias com alguma flexibilidade. O recurso a diferentes represen- tações dos números racionais demonstra que os alunos têm a noção da grandeza dos números e este conceito de grandeza é importante ser desenvolvido (Behr et al., 1986).

Representações dos números racionais

Fração. O conceito de fração é complexo bem como a rede de relações (Galen,

Feijs, Figueiredo, Gravemeijer & Keijker, 2008) que estabelecem entre si. Uma fração é um par ordenado de números que se representa sob a forma em que sendo . As frações são utilizadas em contextos diversos e que, muitas vezes, podem parecer que não têm nada em comum (Llinares & Garcia, 2000) quando na realidade estão relacionados.

Para Lamon (2007) o termo fração é amplamente usado, tanto dentro como fora da sala de aula, sendo visto como um sinónimo de “porção de algo”. No entanto, esta ideia que uma fração é “uma porção de algo” não faz sentido se considerarmos uma fração imprópria, isto é, que representa um número maior que 1. Para a autora, para além deste aspeto há outros que também dificultam a interpretação da representação fracionária. Por exemplo, um número racional pode ser representado por uma fração, mas uma fração pode não representar um número racional, como é o caso de . Outro aspeto prende-se com o facto de várias frações poderem representar o mesmo número racional, por exemplo,

e . Outro, ainda, está associado à interpretação das frações

como sendo exclusivamente uma relação parte-todo. Esta é uma ideia errada que emer- giu do trabalho excessivo à volta deste significado das frações. Atualmente, segundo a autora, os professores começam a perceber que abordar apenas este significado é limitar a compreensão dos números racionais. Por fim, considera que as diferentes representa- ções dos números racionais são conceptualmente diferentes, mas, uma vez escritas sim- bolicamente, são fáceis de identificar e operamos com elas usando as mesmas regras. O mesmo não acontece com a razão e este é mais um aspeto que dificulta a interpretação da representação fracionária.

Numeral decimal. A representação decimal dos números racionais é uma das

mais abordadas no ensino básico. Para Pérez (1997) um numeral decimal é um número racional que se pode escrever na forma de sendo e números inteiros. Isto mostra a estreita relação que possuem com as frações decimais.

Galen, et al. (2008) consideram que é preciso que estes numerais não sejam vis- tos apenas como um número constituído por duas partes (uma à direita e outra à esquer- da da vírgula) em que cada parte é constituída por números com diferentes significados, mas também como representações de um sistema de denominadores de potências de 10. Assim, consideram que é fundamental estabelecer relações entre a representação deci- mal e as frações decimais ou frações comuns como , , , e .

Percentagens. As percentagens fazem parte do nosso quotidiano. Diariamente

ouvimos falar em taxas de juro e deparamo-nos com descontos em diversos estabeleci- mentos comerciais. Para Parker e Leinhardt (1995), a percentagem é um conceito matemático dinâmico que tem mudado ao longo dos anos, não em termos de simbolo- gia, mas nos seus significados e utilizações. As percentagens, que eram usadas essen- cialmente em situações relacionadas com taxas, juros ou funções relacionadas com a regra de três, passaram a ser usadas na comparação de frações, comparação de razões entre diferentes objetos e conjuntos e, finalmente como números usados para comparar determinados tipos de dados. Segundo estes autores, o conceito de percentagem tem vindo a tornar-se mais complexo sendo uma percentagem (representada por um valor numérico e um símbolo próprio) frequentemente convertida para numeral decimal ou fração em função da situação em que é usada. Uma percentagem pode ser um número comparativo, uma quantidade intensiva, uma fração ou uma razão, uma estatística ou uma função e em cada um destes casos, a descrição de uma relação proporcional entre duas quantidades. A percentagem é uma linguagem simples e concisa para descrever uma relação proporcional. Ou seja, as percentagens têm propriedades de números, de relações parte-todo, de razões e simultaneamente servem como funções que criam outros números ou uma estatística que descreve relações entre dois números.

Behr et al. (1983) consideram que existem cinco significados para os números racionais: (i) relação parte-todo; (ii) medida; (iii) quociente; (iv) operador; e (v) razão. O significado relação parte-todo está associado a situações em que a unidade continua ou discreta, está dividida em partes congruentes. Este é um significado que os autores consideram como fundamental para a compreensão de todos os outros. O significado medida refere-se à comparação de uma grandeza com outra tomada como unidade e é, na perspetiva dos autores, uma reconceptualização da relação parte-todo. O significado de quociente está associado à divisão de dois números naturais em que . O significado operador leva a que um número racional seja interpretado como uma estru- tura algébrica em que é uma função. Por fim, consideram que o significado de razão é uma relação que transmite a noção de grandeza relativa sendo mais correto associar-se uma razão a um índice comparativo do que a um número.

Com base nestes cinco significados dos números racionais, Behr et al. (1983) apresentam um esquema concetual para a aprendizagem dos números racionais (Figura 1) em que relacionam os diversos significados com os conceitos de equivalência, opera- ções e resolução de problemas. Na perspetiva dos autores, os significados de partilha e relação parte-todo são fundamentais para a aprendizagem dos restantes. Indicam, por exemplo, quando se utiliza a relação parte-todo em unidades discretas, os contextos numéricos podem conduzir à ideia de operador ou de percentagem (razão). Se conside- rarmos “

de rebuçados”, podemos pensar que é uma fração (operador) que atua

sobre um número, ou seja, trata-se mais de uma ação do que de uma descrição de uma situação. Se interpretarmos a mesma situação à luz de percentagens “ de rebu- çados”, estamos a evidenciar a mesma relação uma vez que “dois de cinco” é equivalen- te a “quarenta de cem”. O significado de razão é o que, de forma natural, mais contribui para o desenvolvimento do conceito de equivalência, enquanto os significados de ope- rador e medida favorecem a aprendizagem das operações, nomeadamente a multiplica- ção e adição. O esquema concetual evidencia que todos os significados são importantes para a resolução de problemas com números racionais.

Behr et al. (1983) e Lamon (2007) embora estejam de acordo quanto aos cinco significados dos números racionais (relação parte-todo, quociente, medida, operador e razão) diferem quanto à importância do significado relação parte-todo na aprendizagem

dos restantes. Enquanto Behr et al. (1983) consideram que a relação parte-todo é a base para a aprendizagem dos outros significados, Lamon (2007) considera que o significado medida é o mais forte uma vez que se relaciona de forma natural com os outros signifi- cados e que a relação parte-todo não deve ser considerada como um significado à parte, uma vez que representa um caso particular do significado medida. O significado medida ajuda a desenvolver a noção de unidade/todo, sub-intervalos, equivalência, ordem e intensidade do conjunto dos números racionais e as operações de adição e subtração. Algumas crianças conseguem ainda fazer conexões com o significado de operador quando operam na reta numérica. Para a autora, trabalhar o significado relação parte- todo ajuda os alunos a desenvolverem uma ideia forte de unidade/todo e de frações equivalentes o que, posteriormente irá facilitar a aprendizagem da adição e subtração de números racionais. Tal como Behr et al. (1983), também Lamon (2007) considera que este significado se relaciona de forma natural com os significados de, medida, razão e operador.

Figura 1. Esquema concetual para a aprendizagem dos números racionais (Behr et al., 1983).

Lamon (2007) considera que o significado quociente se relaciona com taxas e razões, o que pode ser útil em situações de comparação. O significado de operador está relacionado com a multiplicação, divisão, escalas, sentido de fração no geral, mas não se relaciona muito com a adição e subtração. O significado de razão difere dos outros significados, pela forma como se relaciona com as operações aritméticas. Para a autora, crianças que iniciem a aprendizagem dos racionais pela razão, desenvolvem uma forte noção de classes de equivalência e raciocínio proporcional. Na sua perspetiva, desen-

Partilha e relação parte-todo

Razão Operador Quociente Medida

Equivalência Multiplicação Resolução Problemas

volvem uma boa capacidade para converter razões em relações parte-todo, para adicio- nar, subtrair e até para multiplicar e dividir usando raciocínio proporcional.

Paralelamente à discussão dos significados dos números racionais e das relações que estabelecem entre si importa perceber de que forma estes se relacionam com as diversas representações. Para Llinares e Garcia (2000) as frações podem ser interpreta- das como uma relação parte-todo, quociente, operador, medida ou razão. Para os auto- res, a fração com o significado de relação parte-todo indica a relação que existe entre um número de partes e o número total de partes (e.g., três quartos de uma folha de papel está pintada). Para perceber esta relação é importante que os alunos tenham interioriza- da a noção de inclusão de classes, consigam identificar a unidade, consigam relacionar as divisões na unidade e mobilizem a ideia de área.

Llinares e Garcia (2000) consideram que a fração com o significado de quocien- te pode ter duas interpretações: a fração como uma divisão indicada na forma , estabe- lecendo a equivalência com o seu quociente (e.g., equivalente a ) numa ação de partilha e a fração como elemento de uma estrutura algébrica, ou seja, como um elemen- to de uma conjunto numérico onde se estabelecem equivalências e do qual resultam operações – adição e multiplicação –que cumprem determinadas propriedades atribuin- do a esse conjunto uma estrutura algébrica de corpo comutativo.

No caso da fração como operador, os autores consideram que esta tem um papel transformador, ou seja, é algo que atua sobre uma situação e a transforma. Esta interpre- tação enfatiza o papel das frações como elementos da álgebra de funções (transformado- res), ao mesmo tempo que deixa a ideia que os números racionais formam um grupo (estruturas algébricas) com a multiplicação. Acrescentam ainda que o significado de operador confere à fração dois sentidos: o de descrever uma ordem e ação a realizar (operador) e o de descrever um estado de coisas, a decidir, descrevendo uma situação. Estes dois sentidos leva a duas formas de interpretar a equivalência de frações: equiva- lência de operadores em que se aplicam diferentes operadores a um mesmo estado ini- cial produzindo um mesmo estado final e, equivalência de estados em que se aplica um mesmo operador a estados iniciais diferentes, produzindo a mesma transformação, levando de forma natural, à interpretação de proporção.

Partilhando as ideias de Behr et al. (1983) Llinares e Garcia (2000) consideram que o significado de fração como medida é um caso particular da relação parte – todo

em que a fração é vista como um ponto numa reta numérica, em que cada segmento da unidade foi dividido em (ou num múltiplo de ) partes congruentes de . A fração como medida constitui um ambiente natural para a adição (união de duas medidas) e para a introdução da notação decimal. O trabalho com frações, com o significado de medida, ajuda os alunos concetualizar as relações parte-todo num determinado contexto e a reconhecer situações equivalentes que originam novas divisões da unidade.

Para Llinares e Garcia (2000) a fração como razão é descrita como uma relação parte-parte ou relação todo-todo na forma em que a noção de par ordenado de números naturais adquire nova força. Na perspetiva dos autores, a utilização de contex- tos do quotidiano ajudam os alunos a conferirem significado à fração como razão. Estes contextos podem passar pela relação de pontos de dois conjuntos, pelas escalas, pela relação entre as alturas de dois indivíduos ou pela utilização de situações onde se usem receitas e onde o conceito de proporcionalidade está subjacente. O significado de fração como razão, também está associado a contextos relacionados com probabilidades e per- centagens. No caso das probabilidades estabelece-se a relação todo-todo em que se pode comparar o conjunto dos casos favoráveis com o conjunto dos casos possíveis.

No caso da representação decimal, Llinares e Garcia (2000) consideram-na asso- ciada a uma noção mais geral da relação parte-todo e a relação entre frações decimais e a notação decimal enfatiza esta relação. Argumentam que, a partir da divisão de um retângulo em 10 partes congruentes, ao considerarmos uma dessas partes, estamos a dar sentido à representação

e à sua equivalente em notação decimal . Se dividirmos

cada uma destas partes em 10 outras partes congruentes vamos obter

ou seja e

o mesmo para a milésima.

A representação em percentagem representa uma relação de proporcionalidade entre um número e 100, ou seja uma razão. Para os autores, a percentagem está associa- da ao significado de operador uma vez que ao calcularmos de estamos a aplicar o mesmo procedimento que para calcular

de (a 100 partes de 45 considerar 30),

ou uma relação parte-todo. As percentagens podem-se entender como relações entre razões referentes a subconjuntos de cem partes.