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CAPÍTULO 2: Números racionais

2.4. Síntese

Em Portugal, a aprendizagem dos números racionais inicia-se no 1.º ciclo e per- corre todo o ensino básico. De acordo com o programa de Matemática em vigor aquan- do da realização deste estudo, numa primeira fase da aprendizagem devem privilegiar-se abordagens intuitivas a partir de situações de partilha equitativa e de divisão da unidade em partes. Progressivamente, ao longo dos dois primeiros ciclos abordam-se os diversos significados dos números racionais (parte-todo, medida, quociente, operador, razão) e as representações fracionária, decimal, numeral misto e percentagem. Devem ser privile- giados contextos que permitam relacionar as várias representações dos números racio- nais e o cálculo mental exato e aproximado. As operações com a representação decimal aparecem no 1.º ciclo enquanto as operações com frações surgem no 2.º ciclo. No 3.º ciclo, os alunos comparam, ordenam e operam com números racionais negativos.

A aprendizagem dos números racionais envolve um conjunto de relações nem sempre fáceis de entender por parte dos alunos, o que se reflete nas dificuldades que manifestam. Esta aprendizagem requer compreensão e capacidade de relacionar núme- ros, operações e suas propriedades. Assim, um trabalho eficiente com números racionais requer possuir sentido de número e sentido de operação. Para McIntosh et al. (1992), estes dois sentidos complementam-se pois o sentido de operação é necessário para a aquisição do sentido de número. Na perspetiva deste autor, ter sentido de número é ter conhecimento e destreza com números, conhecimento e destreza com operações e capa- cidade para aplicar estes conhecimentos em situações de cálculo. No entanto, para Schifter (1997) e Slavit (1999), o sentido de operação é distinto do sentido de número e estabelece uma ligação entre a Aritmética e a Álgebra. Slavit (1999) apresenta dez aspe- tos para clarificar o sentido de operação, envolvendo conceções flexíveis e relacionáveis pelo individuo que incluem as estruturas da operação, o seu uso e relação com outras operações matemáticas e estruturas e, numa fase mais evoluída, a capacidade de genera- lização.

Subjacente ao sentido de número e de operação, sejam estes considerados ou não de forma integrada, está a necessidade de compreender os significados e a forma como se relacionam as diferentes representações dos números racionais. As representações

relacionam-se entre si e com cada um dos significados. Assim, a representação fracioná- ria está associada aos cinco significados dos números racionais, a representação decimal à relação parte-todo e à medida, a percentagem à relação parte-todo, operador e razão.

Dada a complexidade de relações que envolvem os números racionais, numa primeira fase, a sua aprendizagem deve ser contextualizada para que os alunos com- preendam os diferentes significados, representações e quantidades representadas e comecem a construir as suas referências, para, numa fase posterior, conseguirem traba- lhar num nível mais formal. Partir da aprendizagem dos alunos para construir novos conhecimentos é um aspeto realçado por vários autores bem como a utilização de repre- sentações (por exemplo, material manipulativo, grelha , reta numérica e reta numérica dupla) para modelar situações que envolvam números racionais.

De todas as representações dos números racionais, a fração é a mais complexa, sendo a sua utilização em diferentes contextos fundamental para a aquisição do sentido de número racional. As restantes representações (decimal e percentagem) podem ser ensinadas partindo das frações, o que mais uma vez realça a importância da aprendiza- gem e compreensão desta representação e sua relação com as restantes representações. Ao trabalharem com frações, os alunos usam um conjunto de ações mentais (parte-todo; partilha equitativa; fracionamento partitivo da unidade; fracionamento iterativo; e fra- cionamento reversível partitivo) de complexidade crescente, que lhes permitem interio- rizar progressivamente o conceito de fração. O conhecimento e consciencialização des- tas ações mentais dos alunos, por parte dos professores, pode ser uma mais-valia para o ensino dos números racionais.

A aprendizagem da Matemática deve ser dinâmica, levando os alunos a relacio- nar as aprendizagens que já possuem em novas situações a fim de ampliar os seus conhecimentos. Muitos autores consideram os conhecimentos dos alunos sobre números naturais e suas operações como um apoio ao trabalho com números racionais. No entan- to, outros apontam que estes conhecimentos dificultam a aprendizagem dos números racionais levando os alunos a cometer erros. Esta dificuldade relaciona-se essencialmen- te com uma necessidade de reconceptualização de alguns conceitos como o de cardina- lidade, representação simbólica dos números, ordenação e operações que do conjunto dos números naturais para o dos números racionais perdem algumas das suas interpreta- ções, principalmente quando nos referimos à representação fracionária. Esta desconti- nuidade faz com que os alunos deixem de possuir modelos mentais que os apoiem nesta

transição e reconceptualização. No caso das frações, alguns dos erros mais frequentes dos alunos estão associados à comparação e ordenação. A dificuldade em perceber as quantidades envolvidas e os conhecimentos que os alunos possuem sobre números natu- rais leva-os a considerarem uma fração, não como um número mas sim como um par de dois números, comparando numeradores e denominadores e não a fração como um todo. Relativamente aos numerais decimais, os erros dos alunos estão associados à fal- ta de compreensão do sistema de numeração, nomeadamente do valor de posição dos algarismos, mas também à relação entre numerais decimais e frações. A semelhança entre numerais decimais e números naturais é considerada por alguns autores como positiva para a aprendizagem dos decimais, enquanto outros consideram-na a base dos erros dos alunos pela dificuldade que estes têm em relacionar e transitar entre aprendi- zagens. Um dos erros mais frequente verifica-se na comparação de numerais decimais onde os alunos consideram que um número com mais algarismos é o que representa a maior quantidade. No caso das percentagens, os erros dos alunos surgem associados à falta de compreensão do significado do sinal de , mas também à relação entre percen- tagens, frações e numerais decimais

O ensino das operações com números racionais, muitas vezes, centra-se na memorização e prática de algoritmos. Vários autores consideram que a prática excessiva e a introdução prematura dos algoritmos traz inconvenientes para a aprendizagem das operações. Realçam a importância da contextualização dos números e das operações, numa primeira fase da aprendizagem, bem como o uso de referências para que, poste- riormente, os alunos consigam manipular símbolos com compreensão e sentido.

Das quatro operações com números racionais, a multiplicação e a divisão são aquelas onde os alunos manifestam maiores dificuldades. A adição e subtração envol- vem a compreensão dos significados de relação parte-todo e medida e de equivalência e, mais uma vez, o forte conhecimento que os alunos possuem dos números naturais leva-os a cometer erros que passam pela adição e subtração de numeradores e denomi- nadores nas frações. Contudo, este erro pode igualmente estar associado à generalização de procedimentos de umas operações para outras. No caso dos decimais, estas opera- ções, por vezes, são realizadas ignorando a vírgula. Embora as regras operatórias entre números naturais e numerais decimais sejam semelhantes, o valor posicional dos alga- rismos é de extrema importância. A multiplicação e divisão com números racionais estão associadas aos significados de quociente, operador e razão e oferecem aos alunos

uma nova visão destas operações. Deixa de se verificar a ideia de que multiplicar aumenta a gradeza dos números e dividir diminui, nomeadamente quando envolve números inferiores a 1. Esta é uma mudança na aprendizagem das operações com núme- ros racionais, que acrescenta novas dificuldades aos alunos. Alguns dos erros associados a estas operações prendem-se com a dificuldade em perceber o seu efeito sobre os números, os significados associados à divisão e a necessidade de uma linguagem cada vez mais formal e simbólica.

Os erros que os alunos cometem no cálculo mental são essencialmente conce- tuais, originados por falta de compreensão concetual acerca dos números e suas opera- ções e procedimental associados essencialmente a erros de cálculo ou falhas na aplica- ção de um dado procedimento. A generalização e a extrapolação de propriedades arit- méticas assumidas como válidas, sem que contraexemplos sejam considerados, são a base dos erros dos alunos, bem como a desfocalização do objetivo central de uma dada resolução por interferência de determinados factos em passos ou resoluções intermédias. Uma das formas de ajudar os alunos a ultrapassar os erros cometidos no trabalho com números racionais é conhecer e compreender estes erros, pedir justificações aos alunos acerca das respostas que apresentam e discuti-los na sala de aula. Outra forma é propor- cionar aos alunos uma aprendizagem com recurso a contextos do quotidiano e que os ajude a interpretar e a dar significado aos números racionais. Ao longo da aprendiza- gem, os alunos devem criar números de referência que lhes permitam comparar, estimar e operar. A conversão entre diferentes representações de um número racional ajuda os alunos a compreenderem a grandeza dos números envolvidos, facilitando a manipulação destes números com compreensão. A fração decimal é a que melhor se relaciona com as outras duas representações.

Os números racionais, pela sua própria essência, estão intimamente ligados à Álgebra. O caracter algébrico, principalmente das frações, é realçado na resolução de problemas principalmente quando, nas suas estratégias, os alunos usam o pensamento relacional. O pensamento relacional envolve o uso das propriedades fundamentais das operações e da igualdade (aspetos fundamentais da Álgebra) na resolução de problemas. A forma como as crianças pensam e relacionam os seus conhecimentos, de forma flexí- vel, para produzirem as suas estratégias de cálculo mental é abordado no capítulo seguinte.