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DAS CÂMARAS DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO ENQUANTO PROMOVEDORAS DE RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONFLITOS

4 ESPECIFICIDADES DA REGULAMENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO MEDIATIVO EM QUE É PARTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4.2 DAS CÂMARAS DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO ENQUANTO PROMOVEDORAS DE RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA DE CONFLITOS

A consensualidade administrativa ganha espaço no campo do direito pela normatização acerca da criação das câmaras de mediação e conciliação no âmbito da Administração Pública. Apesar do modo de composição e funcionamento das referidas câmaras ser estabelecido em regulamento de cada ente federado, consoante o § 1º, do artigo 32, da Lei 13.140/15 (BRASIL, 2015), resta evidente a função precípua de das câmaras em pacificar, preventivamente ou em momento de conflito atual e iminente, as de celeumas entre o Poder Estatal e o cidadão.

A possibilidade de concretização de um espaço reservado no âmbito da estrutura organizacional da Administração, na qual possua o dever primordial de resolutividade consensual de conflitos nos quais, a priori, somente poderiam ser resolvidos por imposição de decisões administrativas e judiciais, pode trazer maior confiança das pessoas no papel da Administração enquanto promovedora de bem- estar, de pacificação social e garantia de direitos. Essa confiança, em verdade, se mostra importante à manutenção de uma eficiência e honradez pública, em virtude de parecer muito dificultoso ao Estado conseguir uma satisfatoriedade da população no que concerne a sua gestão de políticas públicas se o povo não creditar a ele a segurança de uma conjuntura política séria, proba e adequada aos fins jurídicos e sociais.

Nesse sentido, o artigo 32, caput, da Lei de mediação retrata que:

Art. 32. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão criar câmaras de prevenção e resolução administrativa de conflitos, no âmbito dos respectivos órgãos da Advocacia Pública, onde houver, com competência para:

I - dirimir conflitos entre órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de composição;

III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. (grifo nosso)

De maneira semelhante, dispõe o artigo 174 do Código de Processo Civil da seguinte forma:

Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:

I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública; II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;

III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. (grifo nosso)

Depreende-se, a partir do exposto nos dispositivos acima elencados, que as modalidades autocompositivas estão bem normatizadas acerca da sua possibilidade na legislação brasileira. Em verdade, frente a todas as considerações apresentadas até agora, se transparece perante à ordem jurídica atual que a conduta em prol da consensualidade se mostra um dever a ser seguido pela Administração na condução de suas atividades diárias, já que dentre todos os seus deveres institucionais, se tem a busca da pacificação social e do melhor interesse público, construído pela participação da coletividade.

Também é relevante salientar que a normatização de métodos consensuais de tratamento de conflitos corroborou muito para apaziguar o salutar debate acerca de saber se era possível ou não a transação entre o Poder Público e o particular. Em períodos anteriores a discussão era a respeito de ser cabível ou não a autocomposição na seara administrativa. Hoje a legalidade vem para solucionar essa problemática e sistematizar a autocomposição no ordenamento jurídico.

Nesse sentido, não se mostra somente uma possibilidade, mas sim um dever do Estado em medir esforços estruturais e humanos para desenvolver uma política voltada a composição amigável de litígios, por óbvio em casos que a ordem jurídica permita, os quais, conforme apontados anteriormente, seriam os relacionados a direitos disponíveis ou indisponíveis que admitam transação. Principalmente após a Lei 13.140 e a Lei 13.105, ambas de 2015, o Poder Público passou legalmente a ter um papel voltado a uma atuação que preza pela consensualidade e rela resolução amigável de celeumas.

Em verdade, ambos os diplomas normativos supramencionados relatam a autocomposição de uma maneira geral: negociação direta entre os conflitantes ou com auxílio de terceiros, como é o caso da conciliação e da mediação. Apesar

desses métodos de consensualidade se apresentarem de diversas formas no campo prático de atuação, cada um deles com a sua devida adequabilidade conforme a problemática do caso, o foco do presente trabalho se dar na mediação ocorre justamente por este ser um procedimento que ressalta o respeito, a dignidade e a colaboração de ambas as partes na busca do consenso cooperativamente elaborado, que atenda aos interesses dos envolvidos.

O papel do mediador na concretização desses objetivos é fundamental, em virtude de servir ele de meio de conexão entre os conflitantes, estimulando-os ao diálogo e a conseguirem celebrar um acordo que diga respeito à melhor solução possível, transformando, dessa maneira, um litígio em transação.

Deve esse profissional ser competente, imparcial, honesto e eficiente, tendo em vista que, sem proferir qualquer decisão resolutiva do problema, assume ele a responsabilidade de encorajar as partes a conciliar e por fim a celeuma que prejudica a convivência harmoniosa entre eles.

Para fins do respectivo trabalho, deve ser observado com maior relevância à função constada no inciso II do artigo 174 do Código de Processo Civil e do artigo 32 da Lei 13.140/15, este último especialmente por dizer respeito à admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos por aplicabilidade de métodos de autocompositivos, inclusive a mediação, no caso de controvérsia entre particular e pessoa jurídica de direito público, tudo isso no campo da própria Administração Pública.

Essa possibilidade expressa de admissibilidade de resolução de conflitos entre as pessoas e o Poder Público por meio de autocomposição, ressaltada nos dispositivos supracitados, reflete salutarmente uma cultura organizacional compatível com o modelo gerencial e hodierno da gestão pública brasileira, na qual deve valorizar o diálogo e o respeito aos administrados. A forma de solução de conflitos por mediação ressalta a colaboração dos envolvidos para a redução ou eliminação do problema que, a priori, iria para apreciação do Judiciário, contribuindo, assim, para a celeridade na resolução do caso e para diminuição dos processos a serem julgados pela jurisdição estatal.

A ideia aqui é trazer eficiência e economicidade de tratamento na composição de conflitos quando envolverem a Administração na qualidade de litigante. No entanto, para isso se torna fundamental o estímulo ao correto e adequado funcionamento das câmaras de mediação e conciliação, além da própria mudança de paradigmas na atuação do Estado, devendo este agir em favor da consensualidade. Em verdade, de nada adianta a utilização de métodos autocompositivos e instrumentos de diálogo e participação social se for perdurada a ideia de Poder Público autoritário e concentrado na vontade do gestor.

De igual relevância, deve ser observado que o artigo 32 elenca uma possibilidade de criação das câmaras de conciliação e mediação, enquanto o artigo 174 estabelece um dever de instituição desses órgãos responsáveis por tratar conflitos no âmbito administrativo. É uma regra na qual vincula o Estado a estabelecer e regular a organização e a execução dessa política pública de tratamento consensual de litígios. Pode ser reconhecido, entretanto, que ainda não se tenha um conhecimento satisfatório no âmbito dos entes federados brasileiros a respeito de como devem funcionar essas câmaras de mediação e conciliação, razão pela qual legislar sobre o tema pode se tornar uma tarefa bastante dificultosa, diante da complexidade e da inovação da matéria.

Todavia, Paulo Afonso Brum Vaz (2015, ps. 4-5), Desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, procura elucidar acerca de possíveis atribuições que as câmaras de mediação e conciliação podem exercer:

Caberá às câmaras a definição das políticas conciliatórias no âmbito de suas esferas de atuação, criando condições para que matérias já pacificadas e demandas repetitivas possam ser objeto de mediação e conciliação, prevenindo e reduzindo o número de demandas que chegam ao Poder Judiciário, inclusive por meio de conciliações e mediações coletivas (tal como prevê o parágrafo único do artigo 33). Incumbirá a tais câmaras, inclusive, definir matérias e critérios quantitativos e qualitativos para propostas a serem encaminhadas, no sentido da padronização dos acordos, criando paradigmas seguros para a atuação dos Procuradores Públicos, hoje sem muita orientação e submetidos ao voluntarismo. Está a novel disciplina na tendência que auspicia um “Direito Administrativo dúctil” (Zagrebelski e Masucci), que supera a contraposição tradicional entre Administração Pública/cidadão e se inspira no diálogo.

A citação do magistrado é relevante para demonstrar a admissibilidade de autocomposição, principalmente a mediação, no sentido de que os entes federados necessitam definir adequadamente as políticas públicas conciliatórias a cargo das

referidas câmaras, de modo que cada uma delas cuide de matérias relacionadas as suas competências e aos seus poderes de atuação, propiciando condições para que entendimentos mais pacificados e hipóteses de litígios relacionados a demandas repetitivas possam ser objeto de mediação, inclusive por mediação coletiva.

Tal fato contribuirá para a prevenção e redução de demandas num sistema prestacional já saturado de processos, como é o Judiciário. Essas câmaras devem, inclusive, definir quais matérias e quais critérios, quantitativos e qualitativos, podem ser submetidos ao procedimento mediativo. A definição de critérios elencados por essas câmaras objetiva a padronização de acordos e criação de paradigmas calcados na segurança jurídica para atuação dos procuradores, hoje submetidos a incertezas e a vontade dos profissionais que desejam atuar em prol da conciliação.

Deve ser observado, ainda, quanto ao devido cumprimento dos objetivos pelos quais a prática da mediação de conflitos em que é parte a Administração se insere no campo jurídico é a necessária atuação dos advogados públicos em consonância às finalidades da autocomposição, seja o processo de mediação realizado nas câmaras, seja no Judiciário. Apesar do instituto mediativo, ser regido por princípios desburocratizadores do processo, como a autonomia da vontade partes, a oralidade e a informalidade, tais normas não escusam a necessidade dos procuradores públicos de conhecer o mencionado instituto autocompositivo, seus objetivos, suas técnicas e as normas que o regem.

Não se pode negar, todavia, que em decorrência de uma conduta unilateral e muitas vezes impositiva pela qual a Administração Pública age perante a sociedade, evitando diálogos, negociações e acordos, sob pretexto de tutela do interesse público, há um natural receio dos procuradores que representam o Estado em transacionar com a população, exatamente para não correrem o risco de infringirem os princípios da indisponibilidade e da supremacia do interesse público, podendo implicar, dessa forma, em responsabilidade civil e administrativa do agente público responsável pela transação.

A fim de evitar o encargo demasiado de responsabilidade a ser suportado pelos procuradores públicos, bem como trazer maior segurança aos que participam do procedimento de mediação, a Lei 13.140/15, em seu artigo 40, trouxe em seu

arcabouço normativo disposição acerca de responsabilização civil, administrativa e criminal relacionada à atuação de agentes públicos no mencionado método autocompositivo:

Os servidores e empregados públicos que participarem do processo de composição extrajudicial do conflito, somente poderão ser responsabilizados civil, administrativa ou criminalmente quando, mediante dolo ou fraude, receberem qualquer vantagem patrimonial indevida, permitirem ou facilitarem sua recepção por terceiro, ou para tal concorrerem. Nesse sentido, de igual pertinência merece ser ressaltada a citação do Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz (2015, p. 3) no sentido de que o artigo supramencionado tem a característica de propiciar uma modificação na maneira de atuar dos procuradores públicos, trazendo segurança e possibilitando uma atuação administrativa voltada à autocomposição:

O fato é que impera hoje entre procuradores públicos, especialmente os mais jovens, muito temor de represálias administrativas e até de responsabilização civil por eventuais maus acordos que venham a entabular. Em boa hora o texto legal limita a ocorrência de ilícitos civis, administrativos e penais às hipóteses de dolo ou fraude no recebimento próprio ou de terceiro de vantagem patrimonial indevida, aceitando que a autocomposição encerra riscos intrínsecos que vale a pena correr. Premia a boa fé e retira um peso constante dos ombros daqueles que acreditam nas formas autocompositivas de solução de conflitos e suas vantagens para a Administração Pública e os cidadãos.

Dessarte, o referido dispositivo apresenta uma garantia importante na condução do método autocompositivo aqui tratado, proporcionando um aparato de atuação fundamental para a concretização de uma administração pública consensual e dialogável. No entanto, de nada adianta tutelar os procuradores e agentes públicos que participam do processo de mediação, dando-os maior confiabilidade quando participarem de uma tentativa consensual de resolução da celeumas se os próprios profissionais não se desprenderem de um mal costume que ainda permeia a Administração, no qual se refere a dialogar pouco e litigar bastante com a sociedade, levar todo e qualquer conflito para apreciação de um sistema que já se encontra abarrotado de demandas, o Judiciário.

Em verdade dos fatos essa modificação de padrões e paradigmas não deve ocorrer somente no seio dos agentes públicos, mas sim em toda a coletividade. Administradores, advogados, procuradores, servidores e os cidadãos devem empenhar-se em construir um ambiente propício à dialética e a paz social.

4.3 O PROCEDIMENTO DE MEDIAÇÃO JUDICIAL NAS CAUSAS EM QUE É