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CULTURA DE PROXIMIDADE ENTRE O CIDADÃO E O PODER PÚBLICO E DA MEDIAÇÃO ENQUANTO CATALIZADORA DESSA APROXIMAÇÃO

3 BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PROCESSO DE MEDIAÇÃO NUM CONTEXTO DE MUDANÇA DE PARADIGMAS NA ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA

3.3 CULTURA DE PROXIMIDADE ENTRE O CIDADÃO E O PODER PÚBLICO E DA MEDIAÇÃO ENQUANTO CATALIZADORA DESSA APROXIMAÇÃO

Inegável afirmar que uma cultura de proximidade entre a Administração Pública e o particular decorre da mudança de paradigmas existentes na juridicidade hodierna, sobretudo em virtude de um conceito de interesse público que muito mais diz respeito à necessidade de conciliação do interesse privado e interesse da Administração, bem como da boa administração pública como direito fundamental de todo o cidadão. Ambas as tratativas inserem no mundo jurídico um Poder Estatal muito mais participativo, dialógico e democrático.

Tem-se, também, o fato de institutos jurídicos de consensualidade servirem de facilitadores para essa harmonização de vontades e necessidades, destacando, aqui, a mediação justamente pela característica de democratizar o procedimento e pelo restabelecimento do diálogo e do bom convívio entre os litigantes, além de

valorizar significativamente a cooperação de forças na busca do consenso e da melhor solução para o problema.

Quando se trata da Administração Pública, essa necessidade de convívio harmonioso com os cidadãos é ainda mais premente de estímulo e concretização. Não há que se falar em Poder Estatal eficiente e adequado aos ditames do ordenamento brasileiro atual, se as prerrogativas inseridas na Constituição Republicana e nos diplomas infraconstitucionais garantidores de direitos dos indivíduos e da sociedade em seu conjunto, enquanto finalidade maior de satisfatividade do Estado Democrático de Direito, estiverem sendo preteridas. Muito menos, ainda, se não é dado aos administrados a oportunidade de se manifestar e expor seus descontentamentos e insatisfações frente às decisões tomadas pelo Estado na qualidade de definidor de políticas públicas, a priori mais pertinentes ao melhor da coletividade.

Nesta seara, Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2018, p. 130) bem expõe o relacionamento necessário de coadunação de direitos e interesses das searas pública e privada para a manutenção do ordenamento jurídico e para a consecução e manutenção da segurança jurídica e do respeito às instituições democráticas:

[…] o Direito Administrativo nasceu e desenvolveu-se baseado em duas ideias opostas: de um lado, a proteção aos direitos individuais frente ao Estado, que serve de fundamento ao princípio da legalidade, um dos esteios do Estado de Direito; de outro lado, a de necessidade de satisfação dos interesses coletivos, que conduz à outorga de prerrogativas e privilégios para a Administração Pública, quer para limitar o exercício dos direitos individuais em benefício do bem-estar coletivo (poder de polícia), quer para a prestação de serviços públicos.

Daí a bipolaridade do Direito Administrativo: liberdade do indivíduo e autoridade da Administração; restrições e prerrogativas. Para assegurar-se a liberdade, sujeita-se a Administração Pública à observância da lei e do direito (incluindo princípios e valores previstos explícita ou implicitamente na Constituição); é a aplicação, ao direito público, do princípio da legalidade. Para assegurar-se a autoridade da Administração Pública, necessária à consecução de seus fins, são-lhe outorgados prerrogativas e privilégios que lhe permitem assegurar a supremacia do interesse público sobre o particular. Apesar da respeitada autora falar em supremacia do interesse público e autoridade da Administração, não se mostra adequado, perante o conjunto normativo hodierno, como ressaltado no capítulo anterior e ao longo do trabalho monográfico, sobretudo em razão de diplomas normativos e regramentos expressos disciplinadores de negociações, acordos, transações e prática da consensualidade

indisponibilidade do interesse púbico como princípios absolutos, inflexíveis e intocáveis, de maneira que a construção do interesse coletivo realmente satisfatório e em conformidade com os fundamentos da República Federativa se mostra aquele que consegue conciliar os direitos e interesses do povo e do Estado.

A digníssima Professora Mariana de Siqueira muito bem elucida nesse aspecto (2016, ps. 189-190):

Percebe-se, assim, que a proteção dos direitos individuais do Direito brasileiro, portanto, existe por ser reflexo do interesse público e que ela se impõe abstratamente, possui dever ser, deve ser respeitada por todos, por particulares e pelo Estado, por ter sido esse o interesse da coletividade normatizado pela Assembleia Constituinte.

A proteção jurídica constitucional de liberdades individuais é, desse modo, forma de imposição do interesse público. A liberdade do cidadão, dentro do Estado, faz parte da ideia de bem comum.

[...]

A princípio, é preciso dizer que não deve haver no Direito Administrativo atual a ideia de que o interesse público deva sempre prevalecer sobre o particular em concreto, independentemente da situação prática em análise. Não deve ser autoevidente a ideia de supremacia do público sobre o privado no mundo dos fatos. Ao invés disso, é preferível concebera construção teórica de ser possível a prevalência de interesse público sobre o privado em concreto, ainda que em detrimento de direito fundamental individual, desde que dotada de amparo constitucional, normativo e devidamente motivada.

A construção do interesse público mediante a pertinente colocação da autora ocorre de fato quando existe, na concretude do exercício do poder administrativo, a escalação do administrado enquanto sujeito a ser protegido garantido pelo direito, como base de sustentação e manutenção para a tomada de decisões justas por parte do Estado, as quais tentem a ser melhor inseridas no campo do direito, quando dá a eles a oportunidade de se manifestarem, ao invés de ocorrer simplesmente a imposição de uma vontade do administrador, independentemente do contentamento social a respeito do decidido.

Assim, tanto na finalidade de atendimento aos anseios das necessidades humanas, quanto na função de proporcionar meios de garantir o contentamento das pessoas pelos serviços públicos prestados, a co-participação entre Poder Público e sociedade é a melhor maneira de respeitar o Estado democrático de direito e a dignidade humana. De tal tratativa, inclusive, decorre o fato do interesse público legítimo e constitucional não se sobressair fruto de sacrifício dos desejos dos

particulares legitimamente aceitos na ordem jurídica, nem muito menos com a imposição inconsequente e desarrazoada de vontade unilateral do gestor púbico.

O que se não nega, inclusive, e também de igual relevância, é que esse direito de participação do cidadão no Poder Estatal está inserido numa conjuntura de democracia e dignidade no século XXI, pelo qual o Poder Público se depara numa cultura de paradigmas diferenciada em relação ao tratamento entre Administração e sociedade, sobretudo pela ordem constitucional hodierna, que tanto se apega aos direitos fundamentais de tutela do ser humano frente ao Poder Estatal. Exige-se do Estado a consecução de atividades, de forma a assegurar o acesso a uma gama de direitos inerentes a uma vida digna dos cidadãos.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (2011, p. 142) muito bem complementa o raciocínio acima exposto, ressaltando que, em períodos anteriores ao estado democrático hodierno, a democracia era entendida “como relativa à formação da autoridade governante, como possibilidade de escolha popular de quem deve governar[...]”. Já quando se refere aos tempos atuais, ele apresenta que democracia é elencada “como relativa à atuação da autoridade governante, como a possibilidade da escolha popular de como governar, ou seja, fundamentalmente de participação das pessoas no exercício do poder público [..]”.

Para isso, é necessário constituir mecanismos que garantam aos administrados a prerrogativa deles de tomarem conhecimento dos atos praticados pelo Estado, bem como a de participarem de maneira legítima e satisfatória das decisões que a Administração toma na condução da função pública. Essa participação do Estado é fundamental para a manutenção adequada das relações entre administradores e administrados, a qual se dá não somente com observância dos princípios administrativos como a legalidade, a moralidade e impessoalidade, mas também de valoração e respeito social, mostrando ter uma atuação proativa e preocupada com os interesses e anseios relacionados aos direitos das pessoas, até mesmo em situação de disputa desses interesses, devendo dessa forma buscar a solução do problema de maneira mais razoável e proporcional possível.

Consoante Mariana de Siqueira (2016, p. 240):

Essa participação cidadã poderia assumir papel e relevo em hipóteses envolvendo conflitos de interesses simultaneamente públicos. As categorias

em colisão de interesses, nos espaços destinados ao diálogo e participação, através de dialeticidade ali exercida, poderiam auxiliar a Administração na escolha da decisão em concreto.

A participação popular, nessa linha, pode ser entendida como rumo apto a permitir os administradores maior conhecimento a respeito do que de fato ocorre, direta e indiretamente, na sociedade. Um maior conhecimento das problemáticas práticas sociais parece permitir à Administração amenizá-las ou extingui-las.

Ainda, de maneira igualmente relevante, explicita também a autora acima mencionada (SIQUEIRA, 2016, p. 242) que é necessário, à Administração, uma proximidade do texto constitucional no seu agir, além de ser imprescindível respeitar os direitos fundamentais e tornar viável a participação do cidadão em seu âmbito, além de ser fundamental processualizar a sua atuação com clareza, publicidade e respeito à segurança jurídica.

Não se espera, a partir das considerações apresentadas, que a democracia participativa e a consequente cultura de proximidade entre administradores e administrados se apresentem no universo jurídico apenas como possibilidade de escolha dos governantes para a representatividade expressa na Carta Magna de 1988, mas sim que se consolide na ordem jurídica a vontade popular e o direito de opinião e participação na atividade de gestão da Fazenda Pública, isso tanto em âmbito local, quanto regional e nacional. Já que as pessoas são titulares de direitos fundamentais, inclusive expressos na Constituição, a prerrogativa de exercer a condução da vida pública pertencente ao gestor deve trazer consigo a possibilidade de coadunação de interesses em diversos campos sociais na construção da eficiência e da probidade administrativa.

Não restam dúvidas que na construção de uma gestão calcada na observância dos dispositivos constitucionais, sobretudo quanto aos direitos fundamentais e princípios da Administração Púbica, é aquela que preza pelo respeito aos indivíduos, pelo acesso deles a uma democracia participativa e pela resolutividade de demandas da maneira mais justa, equilibrada e atenta aos anseios da sociedade, principalmente a respeito do que enxergam para melhorias da gestão pública e do que apontam como situações prejudicadoras da salutar atividade administrativa. Deve-se atentar, no entanto, para a situação da importância de delimitar bem acerca de inserir a participação popular nos atos e decisões administrativas, até mesmo para evitar o retardamento ou mesmo paralização da

prestação do serviço público, dando enorme prejuízo à eficiência, a honradez pública e a razoabilidade de duração dos processos administrativos.

Entretanto, quando se fala nessa cultura de proximidade, não se deve olvidar que ela deve existir para muito além da situação de conforto e concordância mútua no dia a dia do exercício da atividade estatal. Como ressaltado no primeiro capítulo, é natural a existência de embates entre cidadão e a Administração, principalmente porque cada um dos polos busca o próprio contentamento e espera do outro uma conduta aderente às suas vontades.

Com isso, é fundamental que, para a manutenção da cultura de aproximação e da pacificação entre o Estado e pessoas, sejam utilizados mecanismos facilitadores do diálogo e do acordo de interesses entre esses polos, principalmente quando se encontrarem em situação de celeuma, já que essa harmonização é muito mais dificultosa. Como um dos mecanismos de estímulo a essa aproximação, tem-se o instrumento da mediação.

A processualização do instituto mediativo e a consequente possibilidade de transacionar com o Poder Público vem ao ordenamento brasileiro em consequência justamente do Estado ser calcado em ordem Constitucional e democrática de direito, a qual visa, sobretudo, a redução da possibilidade de cometimento de arbitrariedades por parte da Administração e a corroboração para um modelo de gestão calcada na participação dos cidadãos e do diálogo entre eles e a Fazenda Estatal.

Um procedimento capaz de corroborar para a manutenção de uma democracia participativa é um direito do administrado, e a mediação enquanto técnica acolhedora das insatisfações sociais e que objetiva o consenso mutualmente elaborado é a medida fortalecedora de atuação cidadã num processo cooperativamente elaborado e conduzido. Além disso, se mostra razoável e legítimo ao interesse da coletividade e a esse modelo hodierno de democracia a existência de espaços no âmbito do Poder Público destinados à prática da consensualidade, que garantam a presença direta dos sujeitos envolvidos em celeumas com o Poder Público.

4 ESPECIFICIDADES DA REGULAMENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO