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CONJUNTURA DAS DECISÕES UNILATERAIS NA FUNÇÃO RESOLUTIVA DE PROBLEMAS

3 BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PROCESSO DE MEDIAÇÃO NUM CONTEXTO DE MUDANÇA DE PARADIGMAS NA ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA

3.1 CONJUNTURA DAS DECISÕES UNILATERAIS NA FUNÇÃO RESOLUTIVA DE PROBLEMAS

Quando se retrata a contextualização das decisões estatais na função de pacificar os litígios existentes na sociedade, a figura do órgão e agente julgador traz para a cultura da coletividade um papel fundamental de dever de probidade, honradez, celeridade na tramitação procedimental e julgamento dos processos administrativos e jurisdicionais, conforme a melhor solução ao caso concreto. Destarte, é esperada, dessas instituições, a maturidade estrutural necessária para consecução das atividades inerentes à premente função de pacificar conflitos.

O próprio ordenamento jurídico pátrio caminha em coadunação a essa tratativa. O artigo 5º, XXXV da Constituição Federal (BRASIL, 1988), ressalta que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Representa a máxima principiológica da inafastabilidade do controle jurisdicional. Na mesma pertinência, o artigo anteriormente mencionado expõe incisos relacionados ao direito fundamental de toda pessoa num processo jurisdicional enraizado nas garantias constitucionais de acesso à justiça:

Art. 5°: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos; LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Na linha de pensamento supramencionada, têm-se, de igual relevância, prerrogativas inerentes à condução do Processo Administrativo, tutelado na Lei 9.784/99 (BRASIL, 1999), que dispõe, no artigo 2º, a respeito do procedimento administrativo sob apreciação do Poder Público ter de se submeter aos princípios da legalidade, moralidade, contraditório, segurança jurídica, eficiência, além da necessidade de obediência à finalidade do interesse público. O parágrafo único do mesmo dispositivo ressalta uma série de critérios pelos quais os processos administrativos deverão respeitar, a fim de manutenção do interesse geral, como, por exemplo, a atuação conforme a lei e o direito, impessoalidade, indeclinabilidade de competência, salvo autorização legal, observação quanto a padrões éticos de probidade, ou indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão.

De igual relevância, a Lei 9.784/99 (BRASIL, 1999) elenca garantias relacionadas à proteção do administrado quando tem seu pleito submetido à apreciação da prestabilidade administrativa, a saber:

Art. 3o O administrado tem os seguintes direitos perante a Administração,

I - ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações; II - ter ciência da tramitação dos processos administrativos em que tenha a condição de interessado, ter vista dos autos, obter cópias de documentos

neles contidos e conhecer as decisões proferidas; III - formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais

serão objeto de consideração pelo órgão competente;

IV - fazer-se assistir, facultativamente, por advogado, salvo quando obrigatória a representação, por força de lei.

Ante todos os dispositivos acima apresentados, é indubitável a preocupação do legislador constitucional e infraconstitucional em disciplinar instrumentos de acesso e proteção a uma prestatividade resolutiva adequada, perante a complexidade do caso e da matéria questionada, além de objetivar a segurança de confiabilidade nas instituições estatais, enquanto cumpridoras do papel de harmonização dos anseios e necessidades da população tutelada por um ordenamento calcado em direitos mínimos existenciais de dignidade.

No entanto, em que pese ser possível esse efetivo o direito às estabilidades estatais resolutivas de problemas, tal prerrogativa legislativa, por si só, não garantirá necessariamente o usufruto de uma ordem jurídica justa, pois não muito adianta a facilitação da entrada de pedidos a serem apreciados no judiciário, ou em um processo administrativo, se forem obstaculizadas as respectivas saídas dessas demandas de forma efetiva, célere e salutar com a legislação pátria.

Assim, o ideal não é somente garantir o acesso ao direito de petição perante órgão Jurisdicionais e Administrativos, como também o estabelecimento de políticas públicas de modo a constituir um cenário de prestatividade na tomada de decisões que objetivem ser mais justas, rápidas e pertinentes com a legislação hodierna. Também deve-se introduzir, no cenário jurídico, a possibilidade concreta de estímulo e manutenção de soluções consensuais por parte das entidades com poder de decisão, de modo a se perpetuar no ordenamento a incolumidade das instituições públicas responsáveis pela árdua tarefa de solucionar celeumas.

Entretanto, pretende-se, a partir daqui, delimitar com maior enfoque na conjuntura acima mencionada, inclusive no que concerne à necessidade de políticas públicas positivas de tratamento adequado do conflito, sendo agora relacionado à prestação jurisdicional, justamente por ser este o órgão com a função maior de garantir a inafastabilidade a soluções justas e em conformidade com o direito,

sobretudo quando a Administração Pública nega, desarrazoadamente, o fornecimento de serviços públicos dos quais tem o dever legal de fornecer, ou simplesmente se mantém inerte frente aos pedidos da população na concretização desses serviços.

O Poder Judiciário não existe nem se perpetua à toa, ele é o principal, ou pelo menos o mais visado, quando se trata na atribuição de ser proteger o direito e a justiça. Se o Poder executivo, enquanto entidade cumpridora de deveres e obrigações perante os administrados, estiver negando prerrogativas expressamente concedidas aos cidadãos, muitas vezes será o Judiciário o Poder responsável por fazer cumprir o disposto na norma, dando, assim, concretização e esses direitos negados. De tal forma, é fundamental, para a manutenção de uma ordem jurídica justa, que a Jurisdição Estatal tenha a capacidade de dar uma efetiva e eficaz estabilidade a todos que necessitarem de sua tutela.

O sistema unilateral de tomada de decisões, ainda prioritário no fornecimento de soluções pela Jurisdição, é passível de críticas salutares. Inicialmente, ressalta-se a situação de quando se relaciona o crescimento desordenado de leis, constituindo, aumentando ou expandindo direitos a um maior número de beneficiários, atribuído à falta de políticas efetivas na concretização desses benefícios, trará insatisfação dos cidadãos pela norma legal disciplinadora de uma prerrogativa não aplicada na verdade dos fatos como deveria a priori ser, podendo essa não efetivação se dar total, ou parcialmente, de acordo com a situação apresentada no caso, em virtude de falta de concretização desta por aquele que tinha dever legal de agir na efetivação do que se está constado na norma.

A consequência da instabilidade social acima mencionada é a enorme quantidade de demandas a serem interpostas para apreciação do Poder Judiciário, visando, por óbvio, à efetivação desses direitos não realizados elencados na norma. Essa enxurrada de ações por questões, que poderiam simplesmente ser resolvidas pela execução de prerrogativas postas em normas pré-estabelecidas e reconhecidas socialmente no universo jurídico, contribui significativamente para a superlotação dos processos judiciais. Rogério Aparecido Correia Dias (2001, p. 55) afirma, inclusive, que o legislador institui a lei não se estando preocupado se o Juiz possui

poucos ou milhares de processos submetidos à apreciação dele, ressaltando inclusive que em muitos casos esse quantitativo de demandas é muito superior à capacidade humana de trabalho do magistrado, sobretudo quando a complexidade das relações intersubjetivas, e por isso dos casos demandados ao Judiciário, aumenta diariamente.

Pelas considerações do autor, é como se o legislador instituísse a norma com despreocupação no que concerne à condição de executoriedade efetiva do disposto na lei no campo prático, sobretudo quando se relaciona essa concretização de direitos ao papel da Administração em sua função típica de gerir a maquinaria do Estado, já que este dependerá de adequação orçamentária e humana para a estabilidade devida do serviço público correspondente. Em determinados casos, transparece até que o agente legislativo não realiza o estudo devido ao impacto financeiro e atuarial que a positivação de um determinado direito trará para o dispêndio do Estado. Em decorrência de todo o exposto, enormes quantidades de demandas acumulam no judiciário, visando à concretização normativa de direitos que, num primeiro momento, se inserem como fundamentais e basilares no campo forense, mas o Estado, de maneira bem transparente, não consegue materializar o conteúdo disposto na norma.

Aliada a essa problemática, José Luiz Moreira Cacciari (2003, p. 25) aponta que, ao longo do caminhar da atuação jurisdicional, percebeu-se um descompasso entre o número de processos/número de magistrados, agravado pelo crescimento da população economicamente ativa. Apesar dos esforços diários para trazer mais celeridade no procedimento de atuação jurisdicional, os magistrados, ainda hoje, não conseguem solucionar de maneira satisfatória todos os processos existentes para apreciação deles, dada à carência desses profissionais, aliada à gigantesca quantidade de demandas existentes na modernidade.

A sociedade, inclusive, ainda se encontra insatisfeita diante da impossibilidade de confiança plena no Poder judiciário, quando se trata de dar celeridade nos julgamentos e de satisfazer suas necessidades, descontentamento este que vem aumentando gradativamente a cada dia, em virtude da própria morosidade do Poder Jurisdicional. Apontam, ainda, Ghisleni e Spengler (2011, p.24)

quando retratam a deficiência estrutural pela qual ainda se permeia no Judiciário, atrelada à alta demanda, falta de recursos, do excesso de formalismo e altos custos de um processo que:

[...] a crise jurisdicional está diretamente vinculada à crise estatal, haja vista o crescimento e a complexidade de conflitos sociais aliados à falta de estrutura física, tecnológica e financeira do Estado, o rebuscamento da linguagem jurídica, o acúmulo de processos, entre outros.

Atrelado aos pontos anteriores como problema da função julgadora do Estado, além das dificuldades de dar a própria solução do problema em si, de julgar a demanda e tentar pacificar o conflito, dadas as características acima referenciadas, outro fator que dificulta bastante a atuação Jurisdicional do papel de harmonização dos litígios sociais são as decisões unilaterais e muitas vezes impositivas que o Estado/Jurisdição insere na sociedade.

No tratamento de celeumas pelo viés tradicional de decisão, o magistrado decide a demanda impondo uma resolutividade, na qual não se analisa a satisfatoriedade das partes no que concerne ao julgado, muitas, inclusive, nem se tendo um diálogo proveitoso entre os litigantes em si. O processo judicial ainda é apegado a formalismos e burocracias, que dificultam a comunicação dos envolvidos e o estabelecimento da cultura da busca do consenso. As decisões são impostas pelo magistrado na cultura do conflito do ganhador-perdedor, em muitos casos, inclusive, não se dá qualquer possibilidade de aproximação entre os conflitantes da demanda.

Mesmo após diversas medidas adotadas pelo judiciário objetivando maior humanização do procedimento e a maior celeridade no julgamento das lides, como a Emenda Constitucional 45/2004, a qual tutela todas as pessoas o direito à razoável duração do processo, bem como meios que garantam a celeridade de sua tramitação, no âmbito judicial e administrativo, ainda se mostra na hodiernidade a imensa dificuldade do Estado em lidar com as celeumas apresentadas para a devida solução, prejudicando, assim, o desempenho na prestabilidade da Justiça e o contentamento dos cidadãos nas instituições públicas responsáveis pelo gerenciamento e administrarem problemas. A sentença, em verdade dos fatos, não se mostra geralmente a maneira mais pertinente de ir ao fundo no problema e tratar a celeuma na sua infimidade.

Quando se relaciona a problemática do Judiciário acima exposta, juntamente com a Atuação administrativa enquanto contribuinte da morosidade da justiça, apontam Leila Cuéllar e Egon Bockmann Moreira (2017, p. 2) no seguinte sentido:

Como se sabe, a Administração Pública brasileira é fonte inesgotável de conflitos de interesses. Isso se dá no âmbito interorgânico, bem como nas relações com servidores públicos e contratos administrativos (isso sem se falar na responsabilidade civil administrativa e temas pertinentes ao meio ambiente, à tributação e à saúde, por exemplo). Tais disputas tendem a desembocar no Poder Judiciário – o que, conjugado com o crescimento desproporcional das ações judiciais, implica a frustração de expectativas de todas as partes envolvidas. Essa situação gerou significativo acervo de não direitos, em causas sem qualquer solução. Nesse cenário, as únicas coisas que persistem eficazes são os conflitos e a insatisfação de todos os envolvidos.

Nesse contexto, como uma das formas de não sujeição ao ente jurisdicional, devido justamente a não capacidade satisfativa de solução de todos os problemas a ele direcionados, bem como para trazer para a sociedade uma Administração Pública mais dialógica e participativa, defende-se a mediação meio autocompositivo de resolução de conflitos, que deve ser inserida em um contexto de democratização do processo, com uma participação mais ativa dos envolvidos. O discurso de Filpo (2016, p.44) é, de certo modo, recorrente nesse sentido:

O processo convencional, dadas as suas características e as condições estruturais em que se realiza, já não suporta toda a quantidade de demandas. A saída, então, seria recorrer a outros métodos para equacioná- las, entre eles a mediação, contando ainda com a contribuição de profissionais capacitados para assumir parte da tarefa.

Destarte, o estímulo à autocomposição é algo buscado em todo o ordenamento jurídico, por óbvio nas possibilidades que a lei autoriza, ou pelo menos não veda. Referente ao Poder Público, a consensualidade ganha ainda mais destaque, em virtude de transparecer na coletividade uma mudança de paradigmas, na qual introduz no sistema jurídico uma Administração participativa e não autoritária, pelo qual, ao invés do Estado decidir de maneira impositiva por meio de um ato administrativo unilateral, incentiva a participação das pessoas no diálogo de assuntos de interesses comuns, devendo essas questões serem resolvidas mediante acordo mutuamente cooperado.

Nesse sentido, José Luiz de Moura Faleiros Júnior (2017, p. 86) muito bem elucida a respeito dos benefícios da consensualidade na Administração Pública para a coletividade e o para o atingimento do interesse público:

É evidente que, sob essa ótica, a consensualização se revela como importantíssimo instrumento garantidor da imparcialidade na Administração Pública, mas seus benefícios vão além: trata-se de ultimar o modelo ineficiente e burocrático que norteia o atuar administrativo no sistema impositivo e unilateral, passando a primar pelo respeito aos direitos fundamentais para a realização dos anseios dos cidadãos, não se atendo somente à mera aplicação da lei administrativa.

Além do exposto pelo autor, quando um conflito é resolvido pela autocomposição, sobretudo quando envolve o Estado, a aplicabilidade dos métodos consensuais contribui imensamente para a aceitação do decidido no acordo, além de maior possibilidade de efetivo cumprimento do pactuado, em razão justamente da coadjuvação na elaboração construtiva da resolutividade mais adequada para a demanda do caso.

Está sendo defendida, aqui, a prática da mediação no Poder Público, no contexto das decisões unilaterais, como possibilidade de uma solução autocompositiva do conflito que não submeta as partes à jurisdição. Salienta-se, no entanto, que o instituto da mediação não vem para se sobrepor ao poder judiciário, mas para somar forças, e, assim, ao longo do tempo, tentar inibir a sociedade de procurar de imediato a justiça como primeira opção para colocar fim em lides e que, aceitando uma mediação, o litígio pode ser resolvido de forma mais amigável.

3.2 DIREITO À BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA PROMOÇÃO DA