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DOS PRINCÍPIOS INERENTES À TÉCNICA DE MEDIAÇÃO QUANDO APLICADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4 ESPECIFICIDADES DA REGULAMENTAÇÃO DO PROCEDIMENTO MEDIATIVO EM QUE É PARTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

4.1 DOS PRINCÍPIOS INERENTES À TÉCNICA DE MEDIAÇÃO QUANDO APLICADOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Vista a parte introdutória da regulamentação do instituto mediativo, sobretudo com enfoque na Lei 13.140/15, se torna pertinente a apresentação dos princípios estabelecidos na referida norma, sobretudo relacionados ao Poder Público, o qual, em primeiro momento, é detentor de diversas prerrogativas referentes a sua função de tutelar os direitos das pessoas.

Destarte, relacionar as normatividades principiológicas da mediação com a tratava jurídica da Administração se mostra fundamental, sobretudo os princípios aplicados à mediação da isonomia e da confidencialidade.

A partir disso, o artigo 2º da Lei 13.140 (BRASIL, 2015) procura estabelecer os princípios orientadores do procedimento mediador, explicitando: I - imparcialidade do mediador; II - isonomia entre as partes; III - oralidade; IV – informalidade; V- autonomia da vontade das partes; VI - busca do consenso; VII - confidencialidade; VIII - boa-fé. Depreende-se, no entanto, que o legislador não cuidou de elucidar a conceituação dos referidos princípios, razão pela qual torna-se salutar recorrer ao

posicionamento de estudiosos da mediação de conflitos, a fim de se conseguir compreender, efetivamente, essas fontes principiológicas.

Fabiana Marion Spengler, (2017, p.147) falando do princípio da imparcialidade, retrata que:

O princípio da imparcialidade decorre da impossibilidade do o mediador/conciliador privilegiar um dos litigantes em detrimento dos demais, como também seria dever de qualquer julgador, enquanto presidente de uma seção. Por ser imparcial, o mediador/conciliador não se posiciona a favor de nenhum dos lados, privilegiando o diálogo e as escolhas pessoais de cada um.

Desse modo, mostra-se pertinente a imparcialidade no procedimento de mediação, tendo em vista à garantia de efetividade da condução do processo, não privilegiando ou preterindo uma parte em detrimento da outra, o que contribui para alcançar um bem comum. Mesmo sendo garantido ao Poder Estatal uma inicial supremacia em relação ao particular, na mediação de conflitos não é adequado ao mediador agir de modo a priorizar a Administração e desconsiderar, ou mesmo menosprezar, a pessoa que ali tenta resolver o conflito com o Estado.

O acordo deve ser mutuamente elaborado, de forma que a atuação do profissional mediador deve se dar de maneira a garantir a oitiva e participação de todos os envolvidos no litígio que desejam compô-lo de forma amigável e respeitosa. No que concerne ao princípio da isonomia entre as partes, de igual maneira merece ser bem destacado como fundamental para o efetivo proveito do procedimento de mediação. Nas palavras de Fernanda Tartuce (2015, p.212) “A mediação deve proporcionar igualdade de oportunidades aos envolvidos para que eles tenham plenas condições de se manifestar durante todo o procedimento”.

Assim, é possível perceber que a isonomia entre as partes, além de proporcionar uma melhor qualidade na atuação dos litigantes, possui, também, uma relação intrínseca com a imparcialidade do mediador, em virtude que o tratamento do profissional condutor do processo deverá ser igual entre os conflitantes, não excluindo, no entanto, a possibilidade de maior atenção a uma das partes em determinada fase da mediação, a fim de alcançar a plena capacidade de todos os litigantes expressarem-se, de modo a colocar em pauta seus desejos de solução do problema, e assim poderem entrar num consenso.

No entanto, quando aplicado à Administração Pública, em virtude de ser ela resguardada de prerrogativas da supremacia e indisponibilidade do interesse público, pode-se haver dúvida quanto à efetiva aplicação da principiologia da isonomia entre as partes, pela qual o instituto mediativo se baseia e se desenvolve juridicamente. Nessa problemática, muito bem elucida Leila Cuéllar e Egon Bockmann Moreira (2017, p. 18):

Muito embora se reconheça a igualdade assimétrica – sob a perspectiva do Direito Material – que se põe entre Administração Pública e pessoas privadas, na mediação os esforços devem ser envidados no sentido de estatuir a igualdade processual entre os envolvidos, de molde a ser atingida a finalidade de compatibilização de interesses controversos. Esta técnica de solução consensual de controvérsias exige, portanto, um modo diferente de se vislumbrar a relação jurídica posta entre Administração Pública, particulares: não mais sob a lógica da hierarquia e da superioridade de um em detrimento do outro – ou, o que é pior, sob a perspectiva do inimigo ou do antagonista –, mas, sim, sob o ângulo da instituição de deveres ativos de cooperação. Este é um dos escopos maiores atribuídos ao mediador: o de fazer com que as partes sintam-se e se comportem, na tutela de seus interesses, de modo equânime, digno e respeitoso.

No procedimento de mediação quem negocia e decide são as próprias partes envolvidas; o mediador serve, nesse caso, como facilitador do diálogo. Quando chegam a um acordo, discutem e transacionam em igualdade processual. Não há no referido método autocompositivo superposição da Administração em relação ao particular, merecendo, assim, por todos que atuam no procedimento respeito em igualdade. Se o Poder Público deseja realmente negociar com o cidadão, e vice-versa, não deve impor vontades e se comportar de maneira inflexível, mas sim estar disposto a conversar e até mesmo abdicar de algumas pretensões.

Já o princípio da oralidade, nos dizeres por Almeida, Pantoja e Pelajo (2015,p.113), é retratado da seguinte maneira:

Por entender que é mais fácil para o mediador administrar um diálogo na forma oral e mais fácil para as partes se expressarem dessa forma, o legislador optou por positivar o princípio da oralidade, ignorado em diversas legislações e pouco mencionado pela doutrina alienígena [...] Ao advogado reserva-se a função de assessor da parte, que muito contribuirá para esclarecer sobre a licitude de certos acordos e trabalhará para a melhor administração possível do conflito, evitando trazer argumentos que possam fomentar a disputa e potencializar a contenda.

É ressaltado, dessa forma, a condução oral no tratamento da causa, deixando de lado a rigidez escrita e prezando pela comunicação direta de todos aqueles que participam do processo. Chama-se atenção, de igual maneira, o dever dos procuradores legalmente constituídos para representar as partes, tanto a pessoa

privada quanto o procurador público, de contribuir para um caminho proveitoso da demanda, no sentido de evitar, no que puder, o excesso de escrita, bem como valorizar a comunicação e estimular o diálogo.

No entanto, salientando que os acordos realizados quando parte for Poder Estatal tendem a abrir precedentes para transações futuras, é pertinente a coadunação do princípio da oralidade na condução do procedimento com a adequada lavratura de termo de acordo entre a Administração e o cidadão bem escrito, fundamentado e de acesso democrático.

O princípio da informalidade na mediação está associado ao modo de se conduzir o procedimento, relativizando aspectos que na jurisdição podem ter um significado essencial, tais como a maneira de escrever, o uso da linguagem, ou mesmo na imagem transmitida pelo profissional imparcial que guiará todo caminho a ser percorrido no processo. Busca-se, através da informalidade, a simplicidade dos atos, devendo ser ressaltado, afirmando Fernanda Tartuce (2015. p.195) que:

A mediação, como prática para a facilitação do diálogo entre as partes, não tem regras fixas (embora o mediador preparado conte com certas técnicas para a abordagem das partes e para o estabelecimento de uma comunicação eficaz com elas). Não há forma exigível para a condução de um procedimento de mediação, dado que esta constitui, essencialmente, um projeto de interação, de comunicação eficaz.

A postura do mediador também contribui significativamente para a informalidade do rito nas sessões de mediação. Assim, mesmo quando o conflito está na seara da Administração, é mais produtivo se o profissional não se mostrar como uma figura de autoridade e querer impor a forma como o processo deve ser conduzido. O nível de respeito das partes ao mediador é obtido de acordo com o relacionamento que ele conseguir estabelecer com os conflitantes (SPENGLER, 2017, p.149).

A normatividade principiológica da autonomia da vontade, nas palavras de Spengler (2017. p.148):

Já o princípio da autonomia da vontade, ao contrário dos demais, diz respeito ao poder de decidir das partes. A mediação ou a conciliação não levam à imposição de resultados, mas à condução para que elas, partes, encontrem a melhor forma de tratamento do conflito. [...] Além disso, a autonomia da vontade diz respeito também ao interesse e direito das pessoas de concordar e querer participar ou não da mediação/conciliação, de modo que tais procedimentos não são impostos, tão somente fomentados pela norma legal e pelos operadores do direito.

Depreende-se, então, que os conflitantes devem participar do procedimento mediativo por vontade de querer estabelecer uma comunicação proveitosa e eventualmente conciliar. A busca do consenso e a melhor solução para a demanda devem ser construídas pelas próprias partes, as quais devem possuir a devida autonomia para decidirem conjuntamente sobre a melhor tratativa ao problema apresentado.

A normatização do princípio da busca do consenso visa, em síntese, o “alcance de soluções mutuamente aceitáveis, adaptadas às conveniências e às expectativas dos envolvidos.” (HALE; PINHO; CABRAL, 2015, p.61). Percebe-se, então, que o princípio acima mostrado valoriza a comunicação harmoniosa das partes, a fim de facilitar o estabelecimento do consenso, de maneira a beneficiar todos os envolvidos na problemática do caso. É interessante mostrar, de igual relevância, a harmonização correlacionada entre a busca do consenso e a autonomia da vontade das partes, na medida que é através do próprio desejo de ambos os litigantes que se buscará uma solução dialeticamente conversada. Entende-se, dessa forma, que havendo o efetivo desejo dos conflitantes em dialogar, deve-se buscar, sempre que possível, o consenso entre eles. Merece ser salientado, no entanto, consoante Filpo (2016, p.200), que:

[...] o sucesso de uma mediação não está vinculado ao alcance de uma fórmula escrita que possa dar fim ao processo, mas sim à melhoria da comunicação, aspecto este ao qual o Tribunal, enquanto instituição, não parece estar tão sensível.

Assim, entende-se que, no processo de mediação, o consenso não está necessariamente ligado a um acordo, mas sim ao restabelecimento do diálogo e do bem comum entre os disputantes. Para que esse consenso realmente seja alcançado, a Administração e o cidadão precisam da dialética e de negociar com certa margem de propostas, objetivando o alcance da conciliação no Poder Público, que é um acordo no qual o ordenamento jurídico pátrio seja respeitado e se consiga resolver a celeuma de interesses diversos entre os litigantes.

Por isso que a busca do consenso entre o Estado e o particular acaba sendo tão importante. Quando ocorre a transação fruto de diálogo com os interesses postos em discussão e se consegue estabelecer um liame de satisfatividade mútua, tem-se maior possibilidade do acordado ser à solução considerada mais eficiente,

justa e adequada à complexidade do caso, de maneira a garantir a real finalidade do interesse público.

Em relação à consensualidade, a Lei 13.140 (BRASIL, 2015) preocupou, consideravelmente, em detalhar o princípio da confidencialidade na mediação. Também conhecido como princípio do sigilo, a normatividade norteia o método consensual e acaba por se tornar imprescindível na atuação do mediador. Nesse sentido, dispõe o artigo 30 da Lei 13.140 (BRASIL, 2015):

Toda e qualquer informação relativa ao procedimento de mediação será confidencial em relação a terceiros, não podendo ser revelada sequer em processo arbitral ou judicial salvo se as partes expressamente decidirem de forma diversa ou quando sua divulgação for exigida por lei ou necessária para cumprimento de acordo obtido pela mediação.

Fernanda Tartuce (2015, p.213), afirma, ainda:

Além de proteger a privacidade das partes, o sigilo evita que, em um possível cenário litigioso, busque-se arrolar o mediador/conciliador como testemunha para forçá-lo a expor o que ouviu nas sessões consensuais; tal medida merece ser veementemente rechaçada para evitar o comprometimento da confiabilidade da via consensual e do sigilo profissional.

Depreende-se, a partir do exposto, que a confidencialidade contribui significativamente para o bom resultado da autocomposição dos litígios, tendo em vista que as partes sentem mais confiança em expor seus interesses, declarações e confissões, além de conferir segurança às informações obtidas no desenrolar do processo, sem preocuparem-se com o vazamento indevido dessas informações.

Nesses termos, o § 1º do artigo 30 da Lei 13.140 (BRASIL, 2015) salienta o dever da confidencialidade ser aplicado a todos os que participam do processo mediativo, alcançando não somente as partes junto com o mediador, mas também os prepostos, advogados, procuradores, assessores técnicos e a outras pessoas que tenham participado do procedimento de mediação. Destaca-se também que a confidencialidade permeada em todos os envolvidos na relação do processo alcança questões inerentes a declarações, opiniões, propostas, reconhecimento de fato, manifestações, ou ainda documentos preparados para fins do procedimento de mediação. Tal normatividade é tão importante, que a prova apresentada num determinado procedimento em desacordo com o disposto no regramento acima indicado não será admitida em processo arbitral ou judicial, nos termos do § 2º, do artigo 30, da Lei 13.140/2015 (BRASIL, 2015).

Em relação ao Poder Público, a confidencialidade aplicada ao procedimento autocompositivo pode dar a entender que o princípio da publicidade constante no artigo 37, caput, da Constituição Federal viria ser preterido frente ao sigilo no procedimento mediativo, ou mesmo que os princípios poderiam conflitar na juridicidade do caso. Nesse ponto, Leila Cuéllar e Egon Bockmann Moreira (2017, p. 20), esclarecem de forma salutar a inexistência desse conflito principiológico:

Outro assunto de elevada importância nas mediações é o dever de confidencialidade. Pode-se cogitar de colisões de tal dever com o princípio da publicidade: se a Administração Pública é obrigada a cumpri-lo, como se cogitar de sigilo nas mediações? Todavia, bem vistas as coisas, esse conflito de fato não existe: o que se dá é a modulação da eficácia do princípio da publicidade. Ele será aplicado no tempo, modo e lugar que, simultaneamente, o preservem e não corrompam a própria razão de ser do instituto legal da mediação.

A citação dos autores se mostra importante em virtude de demonstrarem que em verdade não existe conflito na confidencialidade atribuída ao procedimento de mediação e dever de publicidade na condução da atividade administrativa. O que existe é a modulação de aplicabilidade das referidas normas principiológicas de acordo com o momento fático e jurídico de cada um. Por exemplo, é perfeitamente adequado ao processo autocompositivo de mediação que enquanto se esteja em fase de diálogo e negociação entre Poder Público e particular, a confidencialidade seja respeitada.

No entanto, realizada a transação e lavrado o respectivo termo, este deve ser público e de acesso livre, democrático e facilitado pela população, pelo menos via de regra, já que a autocomposição envolvendo o Poder Público em determinada matéria no campo dos fatos tende a abrir precedente para futuros acordos e soluções autocompositivas no que concerne ao conteúdo tratado em caso semelhante ao qual se aplicou a resolutividade devidamente fundamentada e consensual.

Já o princípio da boa-fé destaca-se no procedimento de mediação, sobretudo aplicado na Administração Pública, tendo em vista que fortalece a ideia de colaboração mútua das partes envolvidas, do profissional mediador e seus auxiliares, dos advogados, procuradores e defensores públicos, todos comprometidos no empenho de realizar uma mediação sem interesses ocultos e com honradez. De

maneira bem simplória, o princípio da boa-fé “significa a não consciência de prejudicar outrem” (MAGALHÃES, 2011, p. 86).

4.2 DAS CÂMARAS DE MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO ENQUANTO