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DIREITO À BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA PROMOÇÃO DA CIDADANIA E DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

3 BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E PROCESSO DE MEDIAÇÃO NUM CONTEXTO DE MUDANÇA DE PARADIGMAS NA ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA

3.2 DIREITO À BOA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NA PROMOÇÃO DA CIDADANIA E DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL

Analisar a correlação entre o direito fundamental à boa administração pública e a prática da consensualidade entre o Poder Estatal e o cidadão é algo salutar de estudo e delimitação, já que do corolário do Artigo 37 da Constituição Republicana (BRASIL, 1988) o princípio da Eficiência Administrativa é fundamental para a condução da maquinaria pública e do agir estatal. Na ordem constitucional hodierna, como retratado no primeiro capítulo, o Estado eficiente não é aquele que preza pela mera alocação de recursos visando a maior possibilidade de prestabilidades possíveis ao cidadão, mas sim é o que objetiva a máxima qualitativa do serviço público, atendendo às demandas elencadas pela sociedade de maneira

adequada à complexidade de cada caso, prezando sempre o bem maior do interesse público, conciliando o interesse da Administração com o interesse privado.

No entanto, relacionar o direito à boa administração somente relacionado ao princípio da eficiência é limitá-lo quanto à sua abrangência e finalidade. Em verdade, o fundamento da boa gestão está relacionado diretamente à concretização dos princípios inerentes à expressividade do artigo constitucional supracitado, já que não adianta juridicamente a promoção da eficiência se a legalidade, moralidade, publicidade e impessoalidade estiverem corrompidas na seara prática.

Ainda, tem-se o dever de se atentar para o fato de que a materialização da boa administração ocorre de maneira gradual e depende de uma prática constante e duradoura de políticas objetivando a efetivação dos princípios inerentes à função administrativa previstos na Carta Magna, principalmente a eficiência.

Nesse sentido, Juarez Freitas (2014, p. 21) conceitua boa administração pública da seguinte forma:

Trata-se do direito fundamental à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, sustentabilidade, motivação proporcional, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais e correspondentes prioridades.

Já quando se diz respeito à política pública, enquanto instrumento de concretização de um Poder Público congruente com o conceito de boa administração pública, de igual relevância, também, comenta o autor Juarez Freitas (2014, p. 32) no sentido de apresentar uma ideia de políticas públicas estatais como sendo:

[...] aqueles programas que o Poder Público, nas relações administrativas, deve enunciar e implementar de acordo com prioridades constitucionais cogentes, sob pena de omissão específica lesiva. Ou seja, as políticas públicas são assimiladas como autênticos programas de Estado (mais do que de governo), que intentam, por meio de articulação eficiente e eficaz dos atores governamentais e sociais, com hierarquizações fundamentais, a efetividade do plexo de direitos fundamentais das gerações presentes e futuras.

Mediante as colocações pertinentes do renomado doutrinador, a consecução de políticas estatais realmente eficientes para a realidade fática do caso dependerá, também, de uma conjuntura de discricionariedade administrativa no atuar da função estatal, a qual se mostra fundamental para e escolha de parâmetros de qualidade e

probidade na formulação e execução dessas políticas. A discricionariedade também permite a utilização de recursos financeiros e de pessoal, desde que permitidos juridicamente, de maneira a prezar pela melhor solução dada à questão do problema, visando à efetividade da boa administração pública.

No entanto, ela deve ser executada no campo prático em consonância com a legislação vigente e com os princípios estabelecidos na juridicidade pátria, além da necessidade de submeter os atos administrativos discricionários, sobretudo ao parâmetro de legalidade, aos diversos mecanismos de controle da Administração, como, por exemplo, o judicial, o próprio controle administrativo e o popular, justamente para que não exista insegurança jurídica a ponto de confundir a discricionariedade administrativa com arbitrariedade administrativa.

Ressalta-se, justamente, que esse agir administrativo nos parâmetros de qualidade referenciados acima por Juarez Freitas é calcado nos dispositivos constitucionais e reflete, principalmente, da tutela dada aos direitos e garantias fundamentais, os quais passam a exigir do Poder Público uma atuação direcionada no cumprimento desses direitos. Na realidade, a constitucionalização do direito administrativo, a eficiência na Administração Pública, enquanto princípio basilar, e a cidadania, enquanto fundamento do estado democrático de direito, representam uma conjuntura de mudança de paradigmas sociais e culturais inerentes à função administrativa, o qual exige do Poder Estatal uma atuação mais democrática e participativa, construindo, dessa forma, o interesse público pela corroboração de Poder Público e sociedade.

O ilustre Professor Vladimir da Rocha França (2000, p. 03) sabiamente aponta o contexto de transformações inerentes à vinculação do Poder Público à Carta Magna hodierna, além de como o direito à boa administração enquanto atividade concretizadora do atingimento do interesse coletivo reflete na sociedade contemporânea:

Se há uma esfera jurídica que sofreu bastante com as mudanças em curso nas relações Estado e cidadão, é a administração pública.

Do mesmo modo, a administração púbica não tem mais aquele sentido autoritário e intocável. Exige cidadania e efetiva participação dos administrados no desempenho da atividade administrativa do Estado, a democratização e a eficiência dos serviços públicos, enfim, o acesso efetivo do administrado aos benefícios da ação do Estado. [...] é preciso que construamos o acesso à administração pública democrática.

É necessário entender, também, que a expansão de atuação administrativa sob o viés constitucional não vai por mero crescimento atuarial. Não é somente aumentar a quantidade de serviços prestados, mas sim qualificar o atendimento ao público nos fins estabelecidos no ordenamento brasileiro. Salomão Ismail Filho (2018, p. 110) muito bem elucida nesse tratamento de boa administração pública:

Esse chamado direito administrativo moderno ou de viés constitucional não tem por preocupação expandir as ações do Estado, mas as tornar eficientes, justificadas/motivadas e limitadas por uma regra de competência que tutela as ações dos servidores públicos em geral. Estes, frise-se, não possuem um “direito de atuar” (administrar, julgar, legislar), porém o dever de bem atuar, conforme previamente deverá estar definido na referida regra de competência.

Não se trata aqui de querer mencionar o direito administrativo como mero subordinado ao direito constitucional, apesar da existência do princípio da supremacia constitucional, mas sim da necessidade de existir uma conexão basilar e fundamental entre as disciplinas, em consonância com o modelo do Estado Democrático de Direito. A constituição no papel de lei suprema e fundamental do Estado traça parâmetros gerais de atribuições, nas quais o Poder Público deve providenciar o efetivo cumprimento, por meio de Políticas salutares aos problemas da sociedade, sempre com observância às regras e princípios do direito administrativo e do direito constitucional.

Além das pertinentes considerações, uma questão importante levantada pelo autor, logo acima mencionado, é a respeito da necessária e intrínseca relação harmoniosa entre boa administração pública e servidores públicos na qualidade de agentes consumadores do serviço estatal probo, correto e eficaz. Em razão disso, deve o Estado medir esforços para providenciar um ambiente estrutural de organização digno ao agente público, para que ele possa desempenhar suas funções com dignidade e segurança. A valorização funcional também é indispensável nesses casos: o servidor necessita de uma remuneração estável, digna e proporcional às atribuições exercidas, bem como de institutos jurídicos protetores de garantias funcionais relacionados aos agentes na qualidade de prestadores de serviço público, como o regime próprio estatutário, a estabilidade e a vitaliciedade.

público, como um, todo uma atuação muito mais humanizada, com celeridade de atendimento às necessidades sociais e respeito aos direitos individuais que garantem a dignidade da pessoa humana no atual estado democrático de direito.

Como se é exigido do Estado uma conduta proba, oitiva, respeitosa, atenta e garantidora de concretude das prerrogativas elencadas na Constituição da República Federativa do Brasil, diversos esforços legislativos e em políticas públicas estão sendo tomados, a fim de dar efetividade às diretrizes elencadas na Constituição Federal.

Nessas hipóteses, a boa administração estatal se apresenta no mundo forense como um direito fundamental do cidadão. Salomão Ismail Filho (2018, p. 113 e 114), de forma prudente, apresenta a prerrogativa de boa administração como algo basilar e indispensável no estado democrático de direito:

Nesse passo, a boa administração é, sim, um direito fundamental que liga o cidadão ao administrador público e cujo conteúdo é a observância por este dos princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, igualdade, razoabilidade, proporcionalidade etc), das tarefas fundamentais do Estado e dos direitos referentes à participação procedimental do particular na gestão pública (devido processo legal, duração razoável do processo, direito à audiência com o gestor e/ou seu representante, entre outros).

[...]

O direito fundamental à boa administração pública revela-se, assim, como um direito de natureza prestacional, que vincula o administrador à observância dos princípios constitucionais relacionados com a gestão pública, inclusive aqueles que permitem uma maior participação procedimental do administrado na gestão da res publicae (por meio de audiências públicas; direito de oitiva particular; consultas à população etc). Destarte, o direito à boa administração muito bem retrata, além da imprescindibilidade de um Poder Estatal correto, honesto, eficiente e atento aos problemas da coletividade e anseios sociais, uma prerrogativa de atuação, cooperação e controle social por parte do titular do interesse público, que é, a bem da verdade, a população em geral.

Uma dessas medidas estimuladas a dar maior participação popular na atuação da função administrativa, corroboração para a garantia da boa administração pública na sociedade e efetivo exercício da cidadania na condução do agir estatal, é a autocomposição de conflitos em que é litigante o Poder Público, sobretudo a mediação enquanto espécie dessas modalidades de resolução pacífica de demandas, em virtude de ser este um procedimento adequado em casos de

divergências relacionadas a uma convivência habitual, não meramente por uma circunstância de fato.

A mediação é capaz de restabelecer o diálogo e o convívio harmonioso daqueles que estão em situação celeuma, sendo esta muitas vezes delicada e necessitando da atuação competente de um terceiro imparcial, capaz de estimular a harmonização entre os litigantes, para que, a partir desse diálogo reedificado e reumanizado, possa-se discutir a melhor solução para o presente caso e, eventualmente, ocorrer uma possível transação satisfatória para ambos.

Nos tempos atuais, como a Administração Pública deve estar cada vez mais perto das pessoas e mais atenta aos seus descontentamentos, a mediação se mostra pertinente como resolutória de divergências entre o ente estatal e o cidadão, justamente pelo caráter mais socializado e de aproximação, de forma a promover apaziguamento social e um modelo de justiça pelo qual ambas as partes são plenamente ouvidas, expõem seus impasses e divergências e assim podem debater o verdadeiro motivo do litígio, podendo, assim, chegar a um consenso.

Muito diferente do que ocorre na tomada de decisões de uma prestação jurisdicional ou mesmo num processo Administrativo, referidos no tópico anterior, em ambos os casos o Estado, por meio do competente para julgar, tomará a decisão entendida como conveniente e adequada com a situação fático-jurídica do caso. Nas hipóteses acima elencadas, as soluções dadas por essas formas composição de celeumas se mostram num viés muito mais impositivo e unilateral de atuação, em virtude da imperatividade que uma decisão dessa natureza traz no universo jurídico. Quando se procura resolver a demanda pela via supracitada, não abre um espaço adequado para a comunicação entre os envolvidos no processo, bem como essa contingência de vontade por parte do órgão julgador tem um viés muito mais ligado a um ambiente de ganhador e perdedor no processo, ou mesmo numa mútua derrota de pretensões, gerando um verdadeiro perdedor/perdedor. O objetivo da mediação é exatamente o contrário do que foi comentado logo acima: estimula-se com esse procedimento uma mútua reciprocidade de colaboração entre os envolvidos no processo, para que ambos transijam no presente feito e saiam ganhadores de algo pertinentemente discutido.

Quando se fala em boa administração, permite-se o diálogo entre o Poder Público e a população em geral. Para isso, se ressalva como importante para a efetivação desse diálogo a devida adequação do instituto jurídico da mediação de litígios aos casos onde esse procedimento terá proveito satisfatório, inclusive nos casos de consensualidade na seara administrativa, principalmente agora que a mediação conta com lei especial disciplinadora própria, caso da Lei 13.140/15, bem como outras normas jurídicas tratando do tema, como ocorre com o Código de Processo Civil (Lei 13/105/15). Os referidos diplomas possuem dispositivos salutares de enfoque e análise, de modo a compreender como se coloca esse modelo autocompositivo no campo prático, sobretudo quando relacionado a litígios em que é parte o Poder Público.

Ante o exposto, uma boa administração pública é aquela que preza pela consensualidade, pelo respeito ao indivíduo e pela dignidade do cidadão. Não se permite nem se abre precedente para a impositividade das decisões estatais nem muito menos para a insatisfatoriedade generalizada da população.

3.3 CULTURA DE PROXIMIDADE ENTRE O CIDADÃO E O PODER PÚBLICO E