• Nenhum resultado encontrado

5 APLICAÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA NO BRASIL

5.2 A COMPATIBILIDADE ENTRE A JUSTIÇA RESTAURATIVA E ALGUMAS

5.2.4 O Código de Processo Penal

Com a sua edição no ano de 1937, em meio a um panorama ditatorial, o Código de Processo Penal vem sofrendo várias alterações pontuais ao longo dos anos, especialmente a partir da Constituição Federal de 1988. Porém, as modificações a que tem sido submetido o Código de Processo Penal, apesar de significativas, não sanam a necessidade de solucionar vícios estruturais contidos no seu texto. Pode-se apontar os

principais vícios do referido Código, dentre eles, a data da sua edição ter ocorrido há bastante tempo e em meio a um período de ditadura militar, ter recebido grande influência do sistema inquisitivo, ser um Código burocrático e moroso, além da necessidade de sua adaptação à Constituição Federal de 1988, especialmente com relação aos direitos fundamentais, posto ter ocorrido tacitamente a revogação de vários dispositivos do Código, exigindo também uma releitura dos seus dispositivos a fim de adequá-lo ao novo Estado Democrático Constitucional.424

Trazendo as alterações pontuais a que foi submetido o Código de Processo Penal em 2008 para a temática restaurativa, ora analisada, destaca-se a Lei 11.690 de 09 de junho, fundamentada pela necessidade de adaptação do Código vigente aos princípios e regras determinados a partir da Constituição Federal de 1988.425

Uma das maiores dificuldades de legitimação do Processo Penal ocorre exatamente com relação ao tratamento dispensado à vítima, por muito tempo totalmente esquecida, durante o referido processo, onde a figura do Estado, enquanto representante da sociedade de um modo geral, foi sempre vista como o maior interessado na solução do crime, mesmo com esta visão totalmente ultrapassada diante do Principio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana, orientador de todo o Sistema Criminal atual.

No tocante à reforma de 2008, destaque para as medidas de caráter restaurativo, que visam ampliar a atuação da vítima dentro do Processo Penal, mesmo que ainda continue a ser tratada dentro do Título VII relativo “Da prova”, através da nomenclatura “Do ofendido”.

No art. 201, §2º do CPP ocorreu um significativo avanço, posto que a vítima, que antes servia de simples meio de prova e que apenas tomava conhecimento do andamento do processo caso fosse até a secretaria do Fórum. Com a edição da Lei 11.690/08, passa a ser comunicada dos atos processuais referentes à entrada e saída do acusado da prisão, a data marcada para audiência, além da notificação da sentença e dos acórdãos que o mantenham na prisão ou a modifique de alguma forma. Esta medida tem respaldo principalmente em razão da segurança da vítima quando ameaçada pelo ofensor, podendo

424

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma tópica do Processo Penal: inovações aos procedimentos

ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 27-31.

425

tomar conhecimento se o mesmo está solto, o que garantirá um maior resguardo contra possíveis agressões.

A partir desta regra, sempre que for relaxada a prisão ou ainda concedida à liberdade provisória, quando existir pessoa física, enquanto vítima direta do crime será necessário que o juiz, na mesma decisão que concede o alvará de soltura, determinar que o oficial de justiça notifique a vítima no mesmo dia, sob pena de tornar a regra inócua. 426

Foi concedido também um espaço físico especial, em separado, para o ofendido, antes do início da audiência e durante a sua realização, conforme a determinação do art. 201, §4º do Código de Processo Penal, como forma de melhor acomodar à vítima, que quase sempre é obrigada a ficar aguardando à audiência, juntamente com os seus familiares, no mesmo ambiente, muitas vezes, lado a lado com o infrator, o que se torna um momento extremamente desconfortável.

Outra importante determinação trazida na reforma de 2008 foi à ressalva contida no art. 201, §5º, disciplinando que se o juiz no caso concreto entender necessário, poderá encaminhar o ofendido para um atendimento de cunho multidisciplinar, nas áreas psicossocial, de assistência jurídica e de saúde, cujas despesas devem ser pagas pelo Estado ou pelo ofensor. A medida merece aplausos, visto que na grande maioria dos casos, a vítima direta de crimes e seus familiares, a depender dos danos causados pelo crime, desenvolvem transtornos psicológicos de diversas ordens, pois a falta de condições financeiras condena estas vítimas a suportar por muito tempo, os efeitos do crime. Deve ser lembrado que os efeitos do crime não terminam no exato momento em que ocorre o último ato ilícito por parte do ofensor, cujos danos, sejam materiais ou morais, perseguem a vítima e seus familiares por um longo espaço de tempo e, algumas vezes, são até irreversíveis, embora possam de alguma forma e em alguns casos, serem minorados da melhor maneira possível.

No art. 201, §6º, outra louvável determinação do legislador visando conceder uma maior proteção e resguardo da vítima, mencionando que deve o magistrado tomar as providências necessárias à preservação da intimidade, da vida privada, honra e imagem do ofendido, podendo inclusive, determinar o segredo de justiça em relação a alguns dados

426

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Reforma Tópica do Processo Penal: inovações aos procedimentos

ordinário e sumário, com o novo regime das provas e principais modificações do júri. Rio de Janeiro: Renovar, 2009, p. 221.

que possam, de alguma forma, provocar um certo tipo de exposição negativa nos meios de comunicação. Esta medida é extremamente significativa, pois a depender da repercussão do crime e das pessoas envolvidas, parte da mídia sensacionalista, além de noticiar o fato, que está dentro das suas atividades, passa a expor à vida privada do ofendido, além de comentar o andamento das investigações e do processo em programas de rádio e televisão, em afronta aos ditames constitucionais, que asseguram dentro do elenco de direitos fundamentais, o direito à intimidade preservada.

Ainda na reforma de 2008, importante medida de caráter restaurativo foi trazida pela Lei 11.719, quando determina no art. 387, IV, no tocante à sentença, que o juiz já deve determinar o valor mínimo para a reparação dos danos causados à vítima, levando em consideração os prejuízos por ela suportados. Neste caso, restou mais célere o processo indenizatório, posto que se a vítima concordar com o valor proposto, não mais necessitará discutir o montante num processo no juízo cível, apenas o executará, o que sem dúvida reduzirá significativamente o tempo de espera para perceber a indenização pelos danos sofridos. 427

Deste modo, caminha a legislação nacional no sentido de ampliar a atuação da vítima durante o Processo Penal, devendo ser motivo de otimismo a implantação dessas medidas restaurativas, voltadas a uma maior humanização processual, demonstrando mais uma vez que a Justiça Restaurativa, embora ainda não esteja positivada em uma lei especial para este fim, passou a fundamentar importantes reformas na legislação pátria, atendendo a obrigatoriedade de adaptação de todo o Ordenamento Jurídico nacional aos ditames constitucionais a partir de 1988.