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3 O DIREITO DE PUNIR NA PERSPECTIVA DO ESTADO DEMOCRÁTICO

3.1 ASPECTOS HISTÓRICOS E FILOSÓFICOS FORMADORES DO SISTEMA

3.1.3 Exposição dos sistemas penitenciários

Quanto aos sistemas prisionais espalhados pelo mundo, do ponto de vista histórico, pode-se citar, inicialmente, o sistema pensilvânico ou celular, com origem nos Estados Unidos da América de Walnut Street em 1776, destacando neste processo Benjamim Franklin e William Bradford, com divulgação das ideias de Howard no tocante ao isolamento dos presos, sendo esta a característica fundamental deste sistema, onde o isolamento, a oração, a meditação e a abstinência de bebidas alcoólicas, propiciariam a

167

SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Op. cit., p. 11-112.

168 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Op. cit., p. 124-126. 169 SILVA JÚNIOR, Walter Nunes da. Op. cit., p. 126-127.

uma redenção dos criminosos, com a aplicação rigorosa do silêncio. Os considerados mais perigosos permaneciam em celas, isolados dos demais presos e os outros menos perigosos ficavam alojados com outros detentos e tinham direito a trabalhar durante o dia. As influências predominantes foram a de Howard e Beccaria. O fracasso do sistema começa a surgir em razão da superlotação carcerária, com a conseqüente construção de duas novas prisões, a penitenciária Ocidental denominada Western Penitentiary em Pittsburgh no ano de 1881 sob a influência do modelo de Benthan e a penitenciária Oriental chamada de Eastern Penitentiary no ano de 1829, com a adoção do modelo de Jonh Haviland, predominando o isolamento absoluto e sem direito a trabalho nem no interior das celas. Posteriormente, foi percebido que este sistema de isolamento total era impraticável e ainda no mesmo ano da inauguração da prisão oriental foi permitido o trabalho individual na cela. O fim maior deste sistema era a prisão utilizada como instrumento de domínio estatal, sem nenhuma finalidade ressocializadora.170

Conforme menciona Gillin171, em 1979 foi inaugurada a prisão de Newgate, mas em razão do espaço ser muito reduzido, restou impossível a aplicação do isolamento, onde em 1809 foi proposta a construção de outra penitenciária maior no interior do Estado, visando receber o excesso de presos. Surge à prisão de Auburn em 1816 e em 1821 chega à ordem para dividir os presos em três categorias, sendo a primeira formada pelos prisioneiros mais velhos e que mais reincidiam nos crimes, culminando aos mesmos o isolamento total; a segunda classe era formada pelos presos de comportamento mediano, ficando três dias semanais no isolamento e nos demais dias poderiam trabalhar e o terceiro grupo era formado pelos presos considerados de maior possibilidade de correção, onde somente ficavam recolhidos ao isolamento noturno e poderiam trabalhar em conjunto com os presos nos demais dias.

Segundo Calón172, a experiência do isolamento total foi negativa, posto que de oitenta presos a exceção de dois, os demais morreram, ficaram loucos ou alcançaram o perdão. Após um estudo realizado em 1824, ficou recomendado que o isolamento absoluto não deveria mais ser aplicado, sendo substituído pelo recolhimento individual noturno, com a permissão de trabalho com os demais presos durante todo o dia. O sistema

170 BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 146-147. 171

GILLIN, John Lewis Apud BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 15 ed.

rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 147-148.

172

CALÓN, Cuello Apud BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 15 ed.

Auburniano ou o sistema de Auburn teve como principais características o trabalho em comum e a determinação do silêncio absoluto, onde os detentos não poderiam falar entre si, apenas com os guardas, com prévia licença e em voz baixa. Este silêncio absoluto era visto como forma de propiciar a meditação e a correção.

Segundo observações feitas por Gillin173 quanto às principais diferenças entre os sistemas auburniano e filadélfico, percebe-se que não existem registros de grandes diferenças, ambos adotando a função punitiva e retributiva da pena. Ambos impediam que os presos se comunicassem durante o dia e os separavam durante a noite, onde a maior diferença ocorreu em razão da proporção com este isolamento ocorria, posto que no regime filadélfico a separação dos presos ocorria durante o dia, além da sua fundamentação maior residir no misticismo e na religiosidade e no sistema auburniano, os detentos poderiam se reunir por algumas horas durante a realização do trabalho, cuja motivação era econômica.

O sistema auburniano, por ter sido mais alheio a uma disciplina estritamente rigorosa, acabou formando a base do sistema progressivo, aplicado atualmente em vários países.174 O ponto mais alto da pena privativa de liberdade, acaba coincidindo com o fim do regime celular e auburniano e a implantação do sistema progressivo, tendo significado um grande avanço no sistema penitenciário, ao contrário dos sistemas auburniano e filadélfico, foi dada importância a pessoa do preso, além da diminuição nos rigores da pena privativa de liberdade.175

Atualmente, o sistema progressivo passa por uma profunda crise, com algumas causas pontuais, como exemplos, discussões sobre a própria efetividade do sistema; o abrandamento da forma de cumprimento da pena não implica necessariamente no conhecimento da personalidade e da responsabilidade do preso, onde a boa conduta pode ser apenas superficial e mais, não se pode dizer de maneira afirmativa que na prisão o detento concorde com a disciplina imposta pelo Estado. 176

Com relação ao próprio instituto da prisão e a história da sua evolução, importante o posicionamento de Michel Foucault quando menciona que:

173

GILLIN, John Lewis Apud BITENCOURT, Cesar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 15 ed.

rev., atual e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 149.

174

BITENCOURT, Cezar Roberto. Op. cit., p. 150.

175

Idem. Ibidem, p. 151.

176

Pode-se compreender o caráter de obviedade que a prisão-castigo muito cedo assumiu. Desde os primeiros anos do século XIX, ter-se-á ainda a consciência de sua novidade; e entretanto ela surgiu tão ligada, e em profundidade, com o próprio funcionamento da sociedade, que relegou ao esquecimento todas as outras punições que os reformadores do século XVIII haviam imaginado.177

Prossegue Foucalt,178 afirmando que, claramente, a prisão não veio primeiro à privação da liberdade para em seguida surgir a busca de melhor técnica de correção, defendendo que a prisão foi desde o início uma forma que o autor chama de “detenção legal”, ou ainda, “uma empresa de modificação de indivíduos” que a privação da liberdade por parte do Estado proporciona. Resume que “o encarceramento penal, desde o século XIX, redescobriu ao mesmo tempo, a privação de liberdade e a transformação técnica dos indivíduos”.

Menciona Foucalt179 que a prisão não pode ser vista como algo inerte, que em alguns momentos foi discutida diante de movimentos reformistas, ao contrário, a prisão sempre foi palco de vários projetos, remanejamentos, experiências, discursos, teorias, testemunhos, mas que ao se tornar uma punição legalizada, passa a atrair todos os problemas e agitações que giram em torno das novas formas de corrigir o indivíduo. Aduz acerca do estigma que recai sobre o apenado mencionado que, o objeto da justiça penal é o próprio infrator, mas o do aparelho penitenciário é outra pessoa, a quem classifica como “núcleo de periculosidade” ou ainda “representante de alguma anomalia”, afirmando que embora tenha havido uma substituição do corpo do preso queimado, marcado, recortado, supliciado, veio à tona a figura preso, cuja face é de um delinquente, de alma pequena, fruto do próprio aparelho estatal como elemento de aplicação do direito de punir e como objeto de estudo da ciência penitenciária.