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CALDAS E SUA OBRA: DISCUSSÃO E ANÁLISE

COMERCIANTES NO COMÉRCIO BAHIA-ANGOLA

3.3 CALDAS E SUA OBRA: DISCUSSÃO E ANÁLISE

Conforme abordado no (Tópico 3.2, p.138), a obra de Caldas é bastante abrangente. Além dos aspectos econômicos, apresenta descrições geográficas e mapas de populações, produção agrícola, exploração de minas, entre outros tantos assuntos já mencionados. Entretanto, considerando o objeto de reflexão deste capítulo, a discussão e análise têm como foco principal o “apendis” da obra em que estão anexas as cinco relações com os nomes de todos os comerciantes atuantes na Capitania da Bahia.

Ao iniciar a análise, convém ressaltar que o conjunto de 120 nomes, que compõe a quinta relação de Caldas, intitulada “Relação de todos os homens de negócio, mercadores, traficantes, e todas as mais pessoas, [...] com declaração das partes para onde frequentam”330

, resulta da reunião dos nomes das quatro relações anteriores, acrescida de novos nomes. É também importante registrar que, nesta extensa e última relação, consta uma declaração dos próprios negociantes, definindo que tipo de atividade realizavam e as rotas que “frequentavam”.

Considerando que a quinta relação é resultante das quatro que a antecedem, é fundamental para esta análise conhecer os critérios adotados por Caldas para a sua composição. Observa-se que estas quatro relações eram compostas por quatro grupos de comerciantes. O primeiro grupo era formado por quatorze pessoas que “frequentam o

comércio, e em que se considera possuírem cabedal grande para o poderem continuar”, o

330 CALDAS, José Antonio., Noticia geral de toda esta capitania da Bahia desde o seu descobrimento até o

presente ano de 1759, in Revista do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, nº 57, Bahia: Seção da Escola de Artífices da Bahia, 1931, pp. 316-321.

segundo, por vinte e uma pessoas que “frequentam o comércio e manejam o seu negocio com

possibilidade e abundancia, e que possuíam Cabedal”, o terceiro, por dezenove pessoas que

tinham “Casas com a formalidade de homens de negócios” e o quarto, por vinte e dois nomes de “homens de negócios” que “se considera [de] maior inteligência nos preceitos mercantis,

e capacidade para freqüentar o comércio”. Estas relações totalizavam setenta e seis nomes,

que, por vezes, apareciam repetidos nas diferentes relações. (ver no Quadro 6, p.171),

Pode-se observar que as diferentes designações dadas aos grupos apresentam hierarquias de classificação. Os dois primeiros indicavam as “relações de pessoas” que frequentam o comércio, manejam seu negócio e se consideram aptas e com possibilidade, abundância e “cabedal” para continuarem na atividade. Estes dois grupos eram compostos por trinta e cinco nomes distintos que não se repetiam, incluídos alguns “mercadores” e/ou aqueles que emprestavam “dinheiro a avanços”.

Já o terceiro, composto pelas “relações de pessoas” que tinham “Casas com a formalidade de homens de negócios”, representava o grupo de homens do comércio, que não eram considerados, naquela época, “homens de negócios”. Dos dezenove nomes que compunham esta relação, quatorze faziam parte do grupo que passou a representar a “relação dos homens de negócio”, considerados de “maior inteligência nos preceitos mercantis”. Este grupo, por sua vez, era composto por vinte e dois nomes, sendo que oito não aparecem nas três relações anteriores.

Apesar de não ser possível afirmar com segurança que estas designações tenham sido dadas em períodos de tempo diferentes, alguns indícios levam a pensar nesta possibilidade e podem ajudar a entender a classificação proposta por Caldas. Por se tratar de um “apendis”, é bem provável que as relações tenham sido organizadas em anos diferentes, inclusive em data posterior à conclusão de sua obra (1759). À medida que os negócios se tornavam prósperos e os participantes eram agraciados por títulos, mercês, privilégios régios e patentes oficiais, seus nomes eram incluídos nos diferentes grupos.

O exemplo de Luis Coelho Ferreira é um argumento que corrobora para a possibilidade de que os grupos das relações de Caldas tenham sido organizados, a partir de critérios de classificação. Um deles foi as hierarquias no que se refere à importância de atuação, participação, inteligência e capacidade para o comércio. Este homem de negócio, citado nas relações de Caldas, Borges e Alves, desde 1757 aparece no cenário econômico

baiano entre os “oito homens de negocio dos mais principais desta praça”331

e como armador e proprietário de navios em parceria com outros comerciantes. Em 1761, arremata a propriedade hereditária do ofício de Guarda Mor da Alfândega e, em novembro de 1774, é agraciado com a patente de Capitão no Regimento dos Úteis. Apesar da “memória histórica” de Caldas cobrir um período de três anos (1756-1759), Coelho Ferreira aparece naquela que considero a primeira relação escrita por Caldas, “das pessoas que frequentam o comercio, e

em que se considera possuírem cabedal grande para o poderem continuar”. Posteriormente,

foi citado em mais uma “relação de pessoas que tem casas com a formalidade de homem de

negócio”, e por fim na “relação dos homens de negócio”. Pode-se observar que, ao ganhar

notoriedade na elite comercial, a dos homens de negócio, e ascender socialmente, tem seu nome registrado em diferentes “relações” que, provavelmente, foram elaboradas a partir de níveis hierarquizados de atuação e participação na praça comercial da Bahia Colonial.

Um outro elemento de classificação utilizado por Caldas foi o de pertencer ao “grêmio brasílico”. Por ter sido supranumerário da Academia dos Renascidos, é possível pensá-lo como mais um critério para compor sua relação dos “homens de negócio”. Como exemplo, pode-se citar Joaquim Inácio da Cruz, José Álvares da Silva e José Lopes Ferreira. Todos faziam parte da “relação dos homens de negócio com maior inteligência nos preceitos mercantis”, com diversas e importantes atuações na vida econômica da Bahia, figurando como acionistas de uma pleiteada Companhia de comércio, com “pretensão de conseguir a exclusividade do comércio negreiro na Costa da Mina”332

. Apesar de constarem em quatro das cinco relações de Caldas, inclusive na mais importante delas, não foram citados por Borges, na sua “relação dos armadores de naus que faziam o comércio com os portos da Costa d‟África”, e por Alves na “relação dos armadores „mais ativos‟ no comércio marítimo da Bahia no século XVIII”333.

Outro fato que merece atenção e registro refere-se a outro importante “homem de negócio”, Antonio da Silva Lisboa, mencionado não só pelos dois historiadores citados, mas também referendados pelas fontes cartoriais, inventário e correspondências da administração colonial consultadas, sequer mereceu referência nas relações apresentadas por Caldas. O mesmo ocorreu com o Mestre de Campo Theodosio Gonçalves Silva que, apesar de ter sido

331 Oficio do Governador Geral da Capitania – Conde dos Arcos – a Sebastião José de Carvalho e Mello

informando sobre o estabelecimento na Bahia da Companhia da extração do vinho do Alto Douro. AHU-CA, Bahia, Doc.# 2360, Cx.#13, CD#02,29/04/1757.

332 A Companhia Geral da Guiné será estudada em outro capítulo. Dos três “homens de negócio” aqui

apresentados, Joaquim Inácio da Cruz, será tratado como um estudo de caso que retornarei mais adiante. Para saber mais sobre os outros dois ver KANTOR, Op. Cit., p.139.

333

noticiado por Caldas, Borges e Alves, não lhe foi dada por Caldas a devida importância como “homem de negócio” atuante na vida econômica e social da Colônia, durante todo o século XVIII.

Um outro dado que parece confirmar o pertencimento ao “grêmio basílico” como critério de classificação, encontra-se no banco de dados do Slave Trade, registrando que “ser acadêmico” constou como critério nas relações escritas por Caldas. Acrescente-se ainda que foram identificadas, nesta pesquisa, algumas viagens feitas pelas embarcações destes “homens de negócio” citados por Caldas. Foram sete as viagens dos navios, cuja propriedade foi atribuída a Joaquim Inácio da Cruz, enviados à Costa africana entre os anos 1748 e 1760334, um enviado por José Álvares da Silva (1751) 335 e um por José Lopes Ferreira em 1822336. Embora, estes “homens de negócio” figurassem em três das quatro relações de Caldas, como se vê seus navios não se mostram tão atuantes na rota atlântica do comércio de escravos. Ao comparar estes dados com os referentes a outros “homens de negócio”, como Antonio da Silva Lisboa, que não foi sequer citado por Caldas, foram identificados cinco navios relacionados ao seu nome, “frequentando” os portos da região da Costa Ocidental e Centro- Ocidental Africana337. Todos estes dados parecem confirmar evidências que “ser acadêmico” foi um dos critérios de classificação adotado por Caldas.

Quanto ao último grupo da quinta relação, Caldas listava de uma forma mais abrangente todos os “homens de negócio, mercadores, traficantes, e todas as mais pessoas,

que vivem de algum gênero [...] com declaração das partes para onde frequentam”. Estas

não identificavam, apenas, os destinos, a geografia do comércio, mas também demonstravam em quais atividades as pessoas, que viviam de algum gênero, estavam envolvidas na Cidade da Bahia.

Como pode se observar, estas relações organizadas, a partir das atividades desempenhadas no comércio, possibilitam reconhecer os diversos grupos mercantis formados e determinar o lugar social ocupado por esses comerciantes. Pertencer a um grupo de comerciantes que estava envolvido com a armação de navios, administração de contratos régios, ser proprietário de embarcações, negociar “em comissões e com fazendas suas” e fornecer “dinheiro a avanços” distinguia os “homens de negócio” notórios de “todas as mais pessoas” que comercializavam “em várias coisas” ou que eram “mercadores” e comerciavam “na sua lo[ja]”.

334 TSTD, Op. cit. viagens, #50708; # 46695; #49598; #50764; #47614; #50830; #50803. Acesso em 22/2/2011. 335 TSTD, Op. cit. viagem, #50737. Acesso em 22/2/2011.

336 TSTD, Op. cit. viagem, #2934. Acesso em 22/2/2011 337

Nessa perspectiva, como suporte para avançar na compreensão da relação de Caldas, avaliou-se como indispensável a análise destes grupos mercantis em relação às ocupações declaradas.

3.3.1 Grupos mercantis e suas ocupações

As atividades desempenhadas ou as ocupações declaradas pelos comerciantes a Caldas podem ser visualizadas no (Quadro 4, p.147), apresentado a seguir. Dos cento e vinte nomes de comerciantes da relação de Caldas dos “homens de negócios[...] e todas as mais pessoas

que vivem de algum gênero [...]”, 63 (52,5%) declararam possuir uma única ocupação,

enquanto oito deles, mais de uma. Foi o caso de Manuel Teixeira Basto, João da Costa Braga e Domingos Rodrigues da Costa Braga que declararam ser mercadores e emprestarem “dinheiros a avanços”. Destaque para os dois últimos, que por apresentarem os sobrenomes comuns sugerem algum tipo de parentesco. Do mesmo modo, Florêncio Lopes, João dos Santos Horta, Caetano de Freitas Carvalho, Antonio Gonçalves Viana e Manuel Bernardo de Castro que alegaram atuar por “comissões” e “na sua loja”.

Considerando que dos 120 nomes listados por Caldas (ver Anexo 8.5, p.242), oito deles têm mais de uma atividade o (Quadro 4, p.147) apresenta 71 ocorrências de atividades e 63 nomes distribuídos em nove categorias de atividades que, segundo Caldas, foram declaradas pelos próprios comerciantes. Desses 63, Caldas identifica ainda dez deles como homens de negócios338, sendo que cinco dos seis mercadores são classificados como “homem de negócio”.

338 Manuel Dantas Barbosa, José Vieira Torres, José Álvares Ferreira, Antonio Pinto de Carvalho, Lourenço da

Silva Niza, João da Costa Braga, Domingos Rodrigues da Costa Braga, Antonio Álvares Lima, Antonio Luis do Vale, Francisco Teixeira Álvares.

QUADRO 4 - COMERCIANTES E SUAS OCUPAÇÕES