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TABELA 7: REMESSAS DE ESCRAVOS AFRICANOS E CRIOULOS POR CAPITANIAS SAÍDOS DE SALVADOR (1759-1772)

Fonte: APB, Seção de Arquivos Colonial e Provincial, Registro de pedidos de passaportes e de guias para despachos de embarcações, 1759-1772, Lv. 249, apud MARTINS, Maria do Carmo S. e SILVA, Helenice C. Cruz da., “Via Bahia: A importação de escravos para Minas Gerais pelo Caminho do Sertão, 1759-1772”, Disponível em: «www.cedeplar.ufmg.br/seminários/seminário_diamantina/2006/D06A002.pdf» Acesso em 04 julho 2012. Nota: As regiões aqui definidas correspondem a:

(1) Itacambira, das minas de Arassuaí, Curumataí, paracatu, do rio das Mortes, do rio das Velhas, Serro do Frio, e Traíras; (2) de Natividade, de Tocantins, de São Felix e Vila Boa de Goiás; (3) de Caetete, Cairu, Camamu, Caravelas, Ilhéus, Inhambupe de Cima, Jacobina, porto Seguro, Serra do Tiúba, sertões do rio São Francisco, do rio de Contas, do rio Pardo, do rio Preto e das minas do rio Verde; (4) as Minas de Cuiabá; (5) Olinda e Recife; (6) Cotingiba; (7) Ilhas de São Thomé e Príncipe, Ilha da Madeira, Ilha de São Miguel e Angola; (8) Maceió e Penedo; (9) Ilha de Santa Catarina, províncias da Paraíba, Rio Grande do Norte e São Paulo. (10) Refere-se àqueles registros cuja única informação de destino era "sua casa, sua fazenda" ou "sertão" e àqueles em que o documento estava danificado, impossibilitando a leitura.

Conforme registros da (Tabela 7, p. 195), entre 1759 e 1772 foram emitidos 3.039 passaportes a comerciantes interessados em transportar escravos da cidade da Bahia para as diversas regiões dentro e fora da colônia. Esses passaportes registraram a transferência de 19.917 escravos que foram comboiados para fora de Salvador. Apesar das lacunas encontradas nestes registros, para os meses iniciais de 1759 e os finais de 1772, acredita-se que 88,5% desses cativos eram africanos novos originários das rotas do comércio atlântico de escravos. As localidades que mais absorveram africanos novos foram as regiões voltadas para as atividades mineradoras, de criação de gado e produção agrícola. A capitania de Minas

LOCAL

PASSAPO

RTES

AFRICANOS CRIOULOS TOTAL

% ESCRAVO S/LOCAL % AFRICAN OS Minas Gerais (1) 1732 10674 1028 11702 58,8% 60,5% Rio de Janeiro 302 2787 281 3068 15,4% 15,8% Goiás (2) 277 2094 171 2265 11,4% 12% Interior da Bahia (3) 287 710 244 954 4,8% 4%

Sertões dos rios São Francisco e Verde (3) 121 291 109 400 2,0% 1,7% Colonia de Sacramento 19 263 15 278 1,4% 1,5% Mato Grosso (4) 12 230 9 239 1,2% 1,3% Pernambuco (5) 85 50 150 200 1,0% 0,3% Piauí 39 89 45 134 0,7% 0,5% Sergipe (6) 34 92 37 129 0,6% 0,5% Espirito Santo 19 63 51 114 0,6% 0,4%

Fora da América Portuguesa (7) 12 65 8 73 0,4% 0,4%

Alagoas (8) 16 21 15 36 0,2% 0,1% Ceará 12 31 3 34 0,2% 0,2% Outros (9) 16 69 24 93 0,5% 0,4% Sem Identificações (10) 56 103 95 198 1,0% 0,6% TOTAL 3.039 17.632 (88,5%) 2.285 (11,5%) 19.917 (100%) 100% 100%

Gerais e de Goiás juntas absorveram mais de 70% de todo o contingente dos africanos recém desembarcados. Note-se que neste momento a exploração de metais e pedras preciosas já se encontrava em queda, pelo menos nas Minas Gerais. Entretanto, em plena atividade nas minas de Goiás, Mato Grosso, no interior da Bahia e Sertões do Rio São Francisco e Verde. Estas três últimas regiões juntas absorveram quase 7% dessa mão-de-obra. Outro dado significativo é que o Rio de Janeiro importou quase 16% desse contingente que, provavelmente, seguiu, em grande parte, pelo Caminho Novo para outras regiões das minas.

Não é possível estimar a proporção de africanos centro-ocidentais e ocidentais que chegavam a essas localidades. Apesar de constar nos registros das guias e passaportes, pelo menos em alguns deles, a indicação dessa procedência, tanto quanto o número desses africanos não puderam ser quantificados. Desse modo, embora não seja possível confirmar a ideia de que os africanos centro-ocidentais, ausentes da lista do banguê, estivessem chegando nestas vilas, distritos e arraiais, também não se pode de todo recusá-la.

Procurações registradas nos livros de notas, nomeando várias pessoas como representantes legais nas vilas, arraiais e sertões, consultadas no Arquivo Público para o mesmo período, trazem fortes indicativos de que um intenso trânsito de mercadorias, escravos e créditos estavam sendo negociados em Minas Nova, Vila de Jacobina, do Rio de Contas, do Serro do Frio, Vila Boa de Goiás, Sertão de Cotinguiba, Arraial de Santa Luzia e do Pillar, dentre outros. Através da nomeação de representantes comerciais ao longo dessas rotas minoritárias, os homens de negócio e comerciantes baianos mantiveram a vitalidade e pujança econômica da praça de Salvador, apesar da transferência da administração da Colônia para o Rio de Janeiro, sustentando, assim, a intensa participação desse grupo por muito mais tempo no circuito do comércio de mercadorias e de escravos dentro e fora dos domínios portugueses426. Esses circuitos mercantis que envolveram rotas de comércio terrestres, fluviais e marítimas do porto de Salvador para o interior da colônia, ainda são pouco estudados pelos historiadores e aguardam por pesquisas mais aprofundadas427.

Voltando à questão das rotas comerciais que tinham outros portos da América Portuguesa como destino final, foi constatado em alguns documentos que, para a segunda

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No Arquivo Público da Bahia, os Livros de Notas de tabelião não trazem os registros dessas procurações no seu banco de dados. Para encontrá-las foi necessário ler página por página. Durante a pesquisa foram examinados em torno de 20 livros. APB, Seção Judiciária, Livros de Notas, nos. 101, 102, 103, 106, 116, 119, 122, 129, 134, 136, 137, 139, 140, 145, 148, 151, 154, 155, 160 e 177.

427 MATHIAS, Carlos Leonardo Kelmer. “Nos ventos do comércio negreiro: a participação dos traficantes

baianos nas procurações passadas no termo de Vila do Carmo, 1711-1730”, in Rev. hist. [online]. 2008, n.158

[citado 2012-08-02], p. 89-129 . Disponível em:

<http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034- 83092008000100004&lng=pt&nrm=iso>. ISSN 0034-8309.

metade do século XVIII, as rotas comerciais que envolviam o desembarque de africanos centro-ocidentais na Bahia não só abarcavam outros portos da América Portuguesa, como Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhão e Pará, mas também envolviam, através do contrabando, portos estrangeiros sob o domínio espanhol e inglês.

Uma chave para conhecer os aspectos que envolviam o tráfico de escravos entre os portos da África centro-ocidental e o porto baiano passa pela compreensão do funcionamento das rotas comerciais. Não vale a pena repetir as rotas e redes já identificadas e apresentadas no Capítulo 2. Considerando a temática abordada neste capítulo, é importante concentrar-se na grande presença de africanos centro-ocidentais nas rotas comerciais que envolviam o porto da Bahia e “portos estrangeiros” através da prática do contrabando. O cruzamento de informações do Slave Trade Database, dos livro de banguê e as correspondências trocadas entre autoridades da administração pública podem ajudar a entender aspectos desse funcionamento.

Um relatório, contendo o resultado de cinco autos de devassas sobre “os descaminhos e contrabandos que se fazem na cidade da Bahia”, elaborado pelo Desembargador Ouvidor do Crime José de Oliveira Pinto Botelho e Mosqueira, foi enviado, em julho de 1787, ao Governador Geral da Capitania, D. Rodrigo José de Meneses428. Dentre os principais suspeitos de praticar “os descaminhos e contrabandos” estavam o Capitão Bernardo da Rocha e Souza, comerciante da praça da Bahia, e Antonio José da Cunha, mestre de navio. Esses “autos de devassas” fornecem algumas pistas para entender a complexidade do funcionamento das rotas do comércio de escravos. Da mesma forma, lançou luzes para elucidar a presença do grande contingente de africanos centro-ocidentais enterrados em Salvador.

A sumaca Nossa Senhora da Conceição S. José e Almas, de propriedade do comerciante Bernardo da Rocha e Souza, no ano de 1783, partiu para os portos de “Loango e Cabinda a comprar escravos, com expressa ordem e animo de reverter com eles para esta

428 AHU-CA, Bahia, Officio do Desembargador José de Oliveira Pinto Botelho e Mosqueira para o Governador

da Bahia, no qual apresenta um longo e minuncioso relatáorio sobre a devassa a que se referem os documentos seguintes, Doc. #12534, #CD 09, Pasta#62-3/001, 18/07/1787. A devassa foi instaurada para averiguar a participação de diversas pessoas suspeitas de envolvimento no comercio ilegal de escravos, pau-brasil, tabaco e “outros efeitos” do porto de Salvador para “portos estrangeiros como de outros para o da Bahia”. Durante este tempo, uma mega operação foi montada e várias pessoas foram presas para averiguações. Uma extensa lista de testemunhas foi arrolada e ouvida numa tentativa de esclarecer as suspeitas sobre os diversos “descaminhos e contrabandos”. A investigação gerou quase 100 folhas de documentos sobre o funcionamento das redes mercantis e praticas de comercio ilegais praticadas por comerciantes e autoridades régias estabelecida nos diferentes portos atlânticos formando uma verdadeira rede comercial. A investigação teve inicio a partir da denuncia feita pelo Governador Geral de Pernambuco, José César Moreira ao Secretario de estado dos Negócios Ultramarinos, Martinho de Melo e Castro.

Cidade”. Sob o comando do mestre Antonio José da Cunha, a sumaca chegou ao seu porto de

destino, Cabinda, nos últimos dias de agosto de 1783429.

Neste porto, “não podendo adiantar vantajosamente o seu negócio [...]” seguiu para o porto de Angola, “no animo de fazer aí a sua negociação”. Porém, em Luanda, também, “encontrando outras dificuldades pelo grande concurso de Embarcações dirigidas ao mesmo fim” seguiu para Benguela. “Na Praça de Benguela [...] não havendo [...] carregadores particulares, que carregassem nela [na Praça de Benguela] para esta [praça da] Bahia; mas unicamente para o Rio de Janeiro; se resolveu [...] deitar bando430, segundo a frase daquele país, para o Rio de Janeiro”. Carregada na “maior parte de escravos pertencentes a carregadores particulares a serem entregues nessa praça; pois que compondo-se toda a sua carga de 277 escravos e duas crias; destes somente pertenciam 79 ao dito Bernardo da Rocha e Souza e seus interessados”431.

Em consulta feita ao banco de dados do Slave Trade, foi encontrada a corveta Nossa

Senhora da Conceição S. José e Almas, capitaneada por Antonio José da Cunha. Deixou

Luanda, em fevereiro de 1784, com 353 africanos, tendo aportado na Bahia 324 escravos, uma perda de 8,2%432. A partir das informações contidas na devassa e no Slave Trade, é lógico supor que se tratasse da mesma embarcação, apesar da diferença na tipologia do navio registrada no banco de dados433. Como explicar a diferença para menos de 76 africanos no número total de escravos que embarcaram em Luanda (353) e o número informado pelo relatório do Desembargador (277)?

O registro no banco de dados, através da fonte consultada em Luanda434, confirma a saída do navio do porto africano, contudo, não há registro da chegada na Bahia. Também não foi possível encontrar no livro de banguê quaisquer registros de enterro de escravos nas prováveis datas da chegada da embarcação em Salvador. De março a outubro do ano de 1784,

429 AHU-CA, Bahia, Idem, Ibidem.

430 Significa largar, sair, bandear-se, mudar pra outra banda, AULETE, Caldas, Dicionário contemporâneo de

língua português, Edição brasileira, Rio de Janeiro: Ed. Delta, 1958.

431

AHU-CA, Bahia, Idem, Ibidem.

432 TSTD, Op. cit. viagem, #48382, 1784. Acesso em 23/07/2012. Consta no TSTD que a fonte de referencia

para esta viagem foi a Biblioteca Municipal de Luanda. Logo, é licito concluir que a saída foi registrada, mas e a chegada? A única informação que consta é a quantidade de africanos desembarcados, não há informação sobre data da chegada, só o ano.

433 Era comum a confusão na classificação na categoria das embarcações que serviam a navegação de longo

curso, principalmente porque essas embarcações eram originárias de países como a Itália, a Holanda e Flandres, e ao serem construídas nos arsenais portugueses e de suas coloniais sofriam mudanças significativas quanto a sua arquitetura naval e tecnológica, recebendo diversas denominações. Nesse caso, especificamente, o Slave Trade classifica a embarcação como corveta, enquanto os documentos anexos à devassa, denominam a embarcação de Sumaca. Aqui, foi considerada essa ultima classificação. Ver MAURO, Frédéric., Portugal, o Brasil e o Atlântico (1579-1670), Vol. I, Lisboa, Ed. estampa, 1999, pp.57-83.

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