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OS COMERCIANTES NO LIVRO DE BANGUÊ

QUADRO 5 – COMERCIANTES E SUAS ROTAS DESTINOS

3.4 OS COMERCIANTES NO LIVRO DE BANGUÊ

O Livro de Banguê menciona vários comerciantes associados ao comércio de escravos, pelos portos da África Centro-Ocidental. Sobretudo na década de 1780, aparecem em destaque Hermenegildo Neto da Silva que, entre 1781 e 1795, era proprietário de dezenove navios que foram à Costa Africana; Inácio Antunes Guimarães com dezoito embarcações, enviadas para o mesmo destino, entre 1781 e 1819; João Barbosa de Madureira com oito embarcações, entre 1781 e 1814; José Pereira Lopes com dez embarcações, entre 1779 e 1785; Manoel Joaquim Álvares Ribeiro com dezenove embarcações, entre 1797 e 1813; e Capitão Manuel de Souza Guimarães e Cia. que, no comando de nove embarcações, esteve nas regiões centro-ocidental e oriental da África, entre 1779 e 1799, em sociedade com outros negociantes.

Outros negociantes constam dos registros destes livros: Manuel Marques da Silva e provavelmente seu irmão André Marques da Silva, com vinte e duas embarcações, entre 1789 e 1814, Pedro dos Passos Monteiro, pilotando dez embarcações que estiveram na região Centro-Ocidental da África entre 1781 e 1803, Adriano de Araújo Braga com treze embarcações que seguiram na mesma direção entre 1794 e 1817 e Bernardino de Sena e Almeida com sete embarcações, entre 1789 e 1800.

Em meio a este universo masculino, o livro do banguê traz informações reveladoras para os estudos de gênero. Sabe-se que são cada vez mais frequentes os estudos que apontam para a participação das mulheres enquanto personagens ativas, atuando em diversos setores da sociedade e assumindo múltiplos papéis. São escravas, “pretas forras”, “sinhazinhas”, proprietárias de terras e comerciantes que marcam presença numa sociedade extremamente assinalada por rigorosas estruturas de gênero, posição social e cor da pele. No entanto, pouco se conhece sobre a participação de mulheres no comércio de “grosso trato” e muito menos no comércio transatlântico de escravos. A partir da leitura dessa fonte, foi possível identificar algumas participantes dessa atividade na Bahia que, via de regra, tornavam-se senhoras proprietárias de navios e, seguramente, de “casas” comerciais, após a morte de seus maridos. Estas “viúvas” podem ser chamadas “donas” baianas393.

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O termo “dona” aqui utilizado vem da abreviação “D” antes dos pré-nomes de cada mulher. Tudo indica que essas mulheres ocupavam um lugar social importante e semelhante àqueles das chamadas “donas” de Portugal, Angola e Cabinda. Na Bahia essas mulheres também são identificadas pela documentação como “viúva” de determinado negociante. Ver entre outros SILVA, Maria Beatriz Nizza., Donas e Plebéias na sociedade colônia: Lisboa: Ed. Estampa, 2002; HAVIK, Philip., “Matronas e mandonas: parentesco e poder feminino nos rios de Guiné” (séc. XVIII) in PANTOJA, Selma. (org.) et alii, Entre Áfricas e Brasis: Brasília: Paralelo/São Paulo: Marco Zero, 2001, pp.13-34; PANTOJA, Selma. “Donas de „arimos‟: um negócio feminino do abastecimento de gêneros alimentícios em Luanda” (séc. XVIII e XIX), in PANTOJA, Selma. (org.) et alii, Entre Áfricas e Brasis: Brasília: Paralelo/São Paulo: Marco Zero, 2001, pp. 35-50; CANDIDO, Mariana P., “Gênero e

Esta documentação, em contato com as fontes cartoriais e com o Slave Trade

Database, possibilitou identificar algumas “donas” proprietárias de navios: Ana Joaquina de

São Miguel Cardoso com treze embarcações entre 1787 e 1792, Ana Quitéria do Nascimento e Castro com uma embarcação em 1789, Ana Luisa de Cristo com duas, entre 1793 e 1794 e Maria Luciana da Trindade com cinco, entre 1780 e 1788. Igualmente, foi identificada D. Ana de Souza Queiroz Silva que, apesar de não aparecer no banco de dados, aparece em outras fontes como defensora de “seus incontestáveis direitos na aplicação de sua grande fortuna e direção dos negócios do marido”394

. Foi possível encontrar ainda Domingas Maria do Sacramento, citada no capítulo 2, que, apesar de não ser proprietária de navio, possuía uma “casa” comercial e recebeu pelo menos um carregamento de escravos, vindos de Benguela na corveta Levante, da conta de seu marido, Nazário Marques da Silva, residente nesta mesma cidade.395

Quanto aos comerciantes residentes em Luanda e Benguela, foram identificados: o Ten. Geral Francisco Xavier de Macedo Ferreira, o Sgto. Antonio José de Barros, Antonio José Pinto Sirqueira e o já mencionado Nazario Marques da Silva, moradores em Benguela. Dos comerciantes moradores em Luanda, foram identificados Sebastião José Meneses Ribeiro, Luis Freitas Mattoso da Conceição, Cel. Martins da Costa, Manuel José de Souza Lopes e João Barbosa Rodrigues. As pesquisas bibliográficas vêm contribuindo com informações valiosas para compor as relações comerciais e entender as redes sociais constituídas por esses homens.

Com a identificação dos comerciantes gerada a partir dos livros do bangüê em confrontação com as demais fontes, ampliaram-se, sobremaneira, as relações até aqui encontradas. Alguns desses negociantes estabelecidos na Capitania da Bahia receberam navios transportando escravos vindos dos portos da região centro-ocidental da África e constituíram outras redes comerciais, formadas com mercadores instalados no Reino, no interior da Colônia, em outros portos da América Portuguesa, da África e Índia. Desse modo, é possível ressaltar a importância que a região continuou a ter como uma grande fornecedora de escravos, ainda durante a segunda metade do XVIII, apesar da importância que a região ocidental da África passou a ter nesse momento.

mobilidade social: as donas em Benguela”, 1750-1850, in III Encontro Internacional de História de Angola: Para uma elaboração da História Geral de Angola: das Sociedades Antigas à Época Contemporânea, Luanda:25 a 28/09/2007, pp. 01 a 18, e CAPELA, José., Donas, senhores e escravos: Porto: Ed. Afrontamentos, 1995.

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ALVES, Marieta., Op. Cit., vol. XXXVI, nº. 73, p. 153.

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A partir desses nomes, delinearam-se práticas de comércio constituídas pelos “homens de negócio” que circularam em diversas partes do Império Português, com a conivência e incentivo da Coroa, que necessitava dos seus mercados para manter a presença da metrópole em seus domínios. Percebe-se que a formação e os mecanismos de desenvolvimento que dinamizavam a mobilidade social neste diversificado grupo mercantil estiveram associados a pilotos, armadores, administradores de contratos, mercadores, oficiais régios e “homens de negócios”, que se envolviam nas atividades comerciais em níveis diferentes de participação, de modo a permitir uma permuta de papéis e abarcar as diversas praças mercantis de domínio português. E, finalmente, foram identificados elementos desse comércio que permanecem como prática usual e frequente ainda no século XIX.

3.5 LISTA DE COMERCIANTES ESTABELECIDOS NA CAPITANIA DA BAHIA E