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4 OS INSTITUTOS DE CONTRATUALIZAÇÃO DO PROCESSO

4.3 O CALENDÁRIO PROCESSUAL

Gestor do processo, o magistrado de instrução também se torna o gestor do tempo da instância. As reformas dos procedimentos deram corpo ao artigo 3º do código de processo civil francês, para esclarecer a função do juiz no desenvolvimento do processo, apondo expressamente que “(...) ele tem o poder de repartir os prazos e de ordenar as medidas necessárias”352.

A complexidade dos litígios sobre o tempo do processo é implacável. Mas isso não afasta a necessidade de que o juiz entregue a prestação jurisdicional em tempo razoável, o que o faz levando em consideração a necessidade de adaptação do procedimento. O calendário surge para atender à complexidade, a fim de que o tempo do processo seja

352

Tradução livre da autora. O texto original menciona que : « (...) Il a le pouvoir d’impartir lês delais et d’ordonner lês mesures nécessaires ».

proporcional à complexidade da demanda353, o que nos dirige à conclusão de que, neste mister, o magistrado dispõe de discricionariedade na fixação dos prazos354.

Não consiste o calendário, unicamente, num mecanismo para tratar da duração do processo, mas de um instituto que tem por finalidade definir a qualidade do tempo do processo355.

A organização da duração do procedimento é imprescindível para o atendimento aos princípios do processo. Daí que o direito processual buscou a organização do tempo dos debates com a adoção do calendário de processo356. A norma introduzida com a reforma de 2005 permitiu, ao magistrado de mise en état a determinação dos prazos do processo e, por isso, a doutrina italiana considera este o instituto responsável por consagrar a prática do contrato processual357. Nascem, nesta reforma, duas modalidades de determinação do prazo do processo: de um lado, a norma trouxe o critério geral ao qual deve estar voltado o juiz, quando a regra fixa autonomamente o prazo do processo; de outro lado, residualmente, é ofertado ao juiz, juntamente com o advogado das partes, a possibilidade de valer-se de um calendário de instrução (calendrier de la mise en état), fixado em comum acordo.

Motulsky358 esclarece que não se podia afastar do princípio dos prazos judiciários com a reforma, mas algumas precisões precisavam ser feitas para a fixação destes; a designação dos prazos não poderia ser um ato mecânico, e deveria ser sim individualizado segundo a natureza e a evolução do feito.

O advento da cisão das fases processuais torna a instrução do processo essencial para o julgamento da causa e seu regular desenvolvimento, mas exclusivamente para os feitos cuja instrução se mostre necessária. Tudo isso é analisado na primeira audiência, quando o magistrado fixa o procedimento a ser seguido (se o circuito longo ou curto), bem assim os demais atos processuais que serão praticados. Nesta atividade, irá considerar a complexidade da demanda, a existência de urgência e, por fim, a natureza do processo.

Para efetivar, portanto, a sua missão legislativa, o juiz promoverá o calendário processual, considerado o circuito em que o processo fora inserido. O calendário é fixado pelo juiz, juntamente com os advogados das partes. Nas linhas iniciais restou evidenciado que o

353

CADIET, Loïc. Le process civil à l’épreuve de la complexité. Ob. Cit. p. 82.

354

TORQUATO, Davide. Di alcuni clichés in tema di calendrier du procès e calendario del processo - Qualche puntualizzazione in merito al nuovo art. 81-bis disp. att. c.p.c. Ob.Cit., p. 1234.

355

TORQUATO, Davide. Di alcuni clichés in tema di calendrier du procès e calendario del processo - Qualche puntualizzazione in merito al nuovo art. 81-bis disp. att. c.p.c. Ob.Cit., p. 1234

356

CADIET, Loïc. Construire ensemble des débats utiles.... Ob. Cit. p. 108.

357

CANELLA, Maria Giulia. Gli accordi processuali francesi volti alla “regolamentazione collettiva” del processo civile. Ob. Cit., p . 557.

358

magistrado se valerá da cooperação das partes e seus procuradores desde esse momento, porque toda a troca de manifestações será realizada sob a direção do juiz359.

Decorrência direta da ampliação de poderes do juiz da instrução, adveio a possibilidade de fixar um calendário que traduza todos os prazos a serem cumpridos pelas partes e seus advogados. Os prazos serão por eles fixados, considerando cada ato do procedimento, cada fase e a necessidade estrita para o cumprimento destes atos360. Eis o calendário de mise en état, ou calendário processual.

A fixação dos prazos, assim, é feita pelo juiz com certa margem de discricionariedade, considerando a natureza, a urgência e a complexidade da controvérsia361. Este estabelecimento de prazos é feito convencionalmente com as partes, consagrando o contrato processual.

Com isso, o decreto de 28 de dezembro de 2005 legalizou a prática judiciária do calendário processual, que pode ser chamado de calendário de mise en état362. Os autores do decreto mencionado previram a possibilidade do juiz da instrução fixar um calendário, sendo esta possibilidade subordinada à concordância dos advogados em relação ao calendário previsto363.

Deste calendário consta o número previsível, bem como as datas das trocas das petições, a data prevista para o encerramento da instrução, dos debates e a data da decisão. Em verdade, o texto do art. 764 do código de processo civil francês364, após a reforma de 2005, ampliou a noção de fixação do tempo do processo para que o juiz, juntamente com os advogados das partes, fixasse não apenas as datas, mas os prazos em que as manifestações seriam apresentadas365. Ou seja, a norma abandonou a noção de mera fixação de datas, para que o juiz pudesse fixar os próprios prazos processuais. Aqui, mais uma vez, a finalidade estava voltada para ajustar o tempo do processo e conceder ao jurisdicionado a resposta em

359

JULIEN, Pierre, FRICERO, Natalie. Droit Judiciaire Privé. Ob. Cit. p. 184.

360

Os prazos são fixados “au fur et à mesure” da necessidade. MOTULSKY, Henri. Écrits, etudes et notes de procédure civile. Ob. Cit., p. 239.

361

TORQUATO, Davide. Di alcuni clichés in tema di calendrier du procès e calendario del processo - Qualche puntualizzazione in merito al nuovo art. 81-bis disp. att. c.p.c. Ob.Cit., p. 1237.

362

Este é o nome encontrado na lei, artigo 764 do Código de Processo Civil francês.

363

COUCHEZ, Gérard, LAGARDE, Xavier. Procédure Civile. Ob. Cit.. A afirmação do autor, no testo original, segue transcrita: “Toutefois, cette possibilité est subordonnée a l’accord des avocats quant au calendrier prévu (…)”.

364

Art. 764, em tradução livre da autora: “O juiz da instrução fixa, na medida certa, os prazos necessários à instrução do feito, considerando a natureza, a urgência e a complexidade deste, e após a notificação dos advogados”.

365

O dado é ressaltado por TORQUATO, Davide. Di alcuni clichés in tema di calendrier du procès e calendario del processo - Qualche puntualizzazione in merito al nuovo art. 81-bis disp. att. c.p.c. Ob.Cit., p. 1240.

um prazo eficiente, daí por que deixavam de ser impostos pela lei, para serem concretamente regulamentados pelo juiz366.

Sendo assim, com a finalidade de tornar a justiça mais consensual, os protocolos dos atos da justiça são estabelecidos pelo juiz juntamente com os servidores, com o fito de melhorar a qualidade das decisões. O estabelecimento dos prazos tem a finalidade de atender ao princípio de concentração. Concentram-se, nos atos processuais definidos, não apenas as demandas, mas também os meios de fato e de direito, com limitação do número de manifestações. Este é o modelo buscado.

Ou seja, o calendário implica realização de uma previsão dos acontecimentos do processo367. A previsão é feita em audiência. As partes, nesse momento de ajuste, participarão da organização da ordem das apresentações das petições, com estimativa das fases de audiência e dos tempos dos debates. O legislador desejou que, no momento da instrução do litígio se estabelecesse, desde então, uma relação de colaboração e confiança entre o juiz e as partes368.

Cumpre ao magistrado de mise en état o dever de fixar as datas dos debates ou a data do pronunciamento da decisão. Toda a fixação dos prazos levará em consideração não apenas a necessidade das partes, mas o intuito inequívoco de não retardamento indevido do feito369.

Estas datas, em princípio, não poderão ser modificadas, senão pelo advento de uma causa grave, que justifique a autorização de uma prorrogação de prazos. Não apenas fixar o prazo, mas ao juiz caberá, também, a faculdade de autorizar prorrogações, observada a natureza, a urgência e a complexidade dos atos processuais.

Isso porque a liberdade de fixar o calendário não significa um poder capaz de superar os princípios processuais vigentes. Assim é que, mesmo contando com a colaboração das partes, a individualização dos prazos apenas será possível se o juiz respeitar os prazos mínimos para o exercício do direito de defesa, sob pena de nulidade processual370.

366

CADIET, Loïc. Le process civil à l’épreuve de la complexité. Ob. Cit. p. 82.

367

CADIET, Loïc. Construire ensemble des débats utiles.... Ob. Cit. p. 108. Nas palavras do autor : « L’organisation du temps des débats est une préoccupation générale. Elle suppose, au civil comme au pénal, l’adoption d’un calendrier de la procédure qui engage tous les acteurs du procès depuis l’introduction de l’instance (...). »

368

JULIEN, Pierre, FRICERO, Natalie. Droit Judiciaire Privé Ob. Cit. p. 184.

369

MOTULSKY, Henri. Écrits, etudes et notes de procédure civile. Ob. Cit. p. 239.

370

Além da organização do tempo dos debates, será organizado também o conteúdo do debate371. O feito deve ser posto em estado de julgamento, sobre os elementos de fato e de direito.

O desrespeito aos prazos fixados dará ensejo às diversas sanções, algumas delas já analisadas.