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Sobre ser possível a flexibilização do processo brasileiro

4 OS INSTITUTOS DE CONTRATUALIZAÇÃO DO PROCESSO

5 O PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL ADEQUADO E A COMPATIBILIDADE DAS MEDIDAS FRANCESAS COM O PROCESSO CIVIL

5.1. FLEXIBILIZAÇÃO E PROCEDIMENTO

5.1.4. Sobre ser possível a flexibilização do processo brasileiro

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BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo. Ob. Cit., p. 70. Veja-se o seguinte trecho: “Nesta mesma linha de raciocínio, se o direito processual não se flexibilizar em função do direito material, teremos um instrumento absolutamente ineficaz. É preciso tomar consciência de que instrumentalidade não se compatibiliza com neutralidade ou indiferença quanto às necessidades verificadas no plano material. Não basta a previsão em abstrato de um procedimento para possibilitar ao titular de uma situação substancial carente de proteção o acesso à tutela jurisdicional efetiva. Não se pode olvidar que o processo, nas suas várias espécies, é sempre voltado a uma situação de direito substancial. Como já se advertiu com muita propriedade, o processo não pode ser colocado no vácuo, sendo imprescindível o reconhecimento, pelos juristas, de que as técnicas processuais servem a valores sociais.”

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Estabelecidas as premissas anteriores, ganha relevância um tema já tratado anteriormente: o princípio da adaptabilidade do processo – ao qual Bedaque445 dá o nome de princípio da elasticidade processual. É a ideia contida nesse princípio que permite aceitar a flexibilização do procedimento a fim de amoldá-lo às especificidades do caso concreto.

O que justifica esse pensamento é exatamente a premissa de que o processo, enquanto instrumento, liga-se ao direito material por um nexo de finalidade446. Daí dever-se admitir que o juiz possa modificar aspectos procedimentais de acordo com o caso concreto.

Retorna-se, então, à distinção inicialmente apresentada de processo e procedimento.

A adaptação incidirá sobre a forma de organização dos atos. O procedimento é legalmente previsto por um conjunto de regras técnicas, que não podem converter-se em um fim em si mesmo, sob pena de tornarem inúteis atos processuais que demandam, muito além do tempo, custos, e prejudicam a boa atuação jurisdicional.

Seguindo o sistema rígido só seria possível a adequação da tutela ao direito material na hipótese de previsão expressa. Este é o sistema atual e vigente; de forma diversa o será com a edição do novo texto legislativo, quando os poderes do juiz serão ampliados. Gajardoni447 conclui, então, que, acaso a lei não se demonstre adequada àquele caso concreto, e sendo o dever da entrega da jurisdição adequada ao cidadão, poderá a variação dos atos processuais ser implementada judicialmente. Para tanto, deve o jurista se desfazer da ilusão de que apenas no sistema rígido é possível encontrar previsibilidade e segurança.

Assim, para garantia da segurança e previsibilidade, é bastante que o julgador exerça o seu poder organizador e ordenador dos atos processuais de forma prévia, com o conhecimento inequívoco das partes acerca das regras do jogo. É exatamente o que ocorre no processo francês, quando os prazos e atos judiciais são fixados pelo juiz, na presença das partes, que tomam ciência prévia de todo o calendário processual. Isso torna o desenvolvimento do processo previamente conhecido das partes. O procedimento ganha, assim, previsibilidade e predeterminação448.

A solução não apenas se mostra mais adequada, como mais simples aos litigantes. Mais complicado é ter conhecimento de todos os procedimentos especiais que a lei tenta aglomerar, com o fito, exatamente, de adequar, numa tentativa frustrada, dada a sua tendência

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In Direito e Processo. 6a edição. São Paulo: Malheiros, 2011. P. 74.

446

Ob. Cit., p. 75.

447

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental - Um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. Ob. Cit., p. 85.

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inafastável à generalidade. Sim, porque por mais especial que seja um procedimento legalmente previsto, ainda assim, voltar-se-á à solução de uma universalidade de demandas comuns, mas com características diversas entre si.

Não se nega, portanto, que as normas de procedimento haverão de ser previamente estabelecidas. O que não se admite é que estas normas tenham que advir, necessariamente, de uma fonte legislativa cogente, de observância necessária e tendente à universalidade.

O juiz assume, nesse caso, o papel de agente político, e, assim, devem ser afastadas limitações a procedimentos formais, minuciosamente engessados na legislação449.

Ciente desta necessidade de adaptação, Gajardoni450 salienta que devem ser observados alguns critérios para a implementação da adaptação processual, para que sejam atendidos os direitos fundamentais processuais, como garantia mínima do cidadão.

O primeiro critério é a finalidade, o que permite concluir que, em regra, os procedimentos seguirão o padrão legal, para, apenas excepcionalmente, sofrerem variação. Aponta o autor para três situações em que a variação presume-se possível. Inicialmente, quando o instrumento previsto na lei não se mostrar apto ao atendimento eficaz do direito material. Em segundo lugar, quando se mostrar possível a dispensa de alguns atos formais e irrelevantes. A terceira situação é mais grave: refere-se à possibilidade de alteração do rito processual com vistas a possibilitar a igualdade material entre as partes do processo.

O critério seguinte refere-se à observância do contraditório útil. O contraditório formal consiste na possibilidade de participação da parte no processo; o conceito material contempla, unicamente, a participação capaz de influir no julgamento. Na alteração do rito processual deve-se observar o atendimento ao contraditório útil. Ora, se não há nulidade se não houver prejuízo, será possível suprimir o contraditório de uma das partes quando a alteração processual lhe for benéfica. É nesse sentido que a doutrina francesa se atém à necessidade de serem mantidas apenas as manifestações úteis.

Jean-Claude Magendie, pensador das reformas francesas, frisa que não se trata de subtrair os direitos fundamentais das partes em busca da celeridade processual. Todos os direitos devem ser salvaguardados. Por outro lado, devem ser mantidos unicamente os atos processuais que se mostrem úteis a solução do litígio. Assim, se alguns atos deverão ser

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Nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco, para quem o juiz exerce um poder do Estado, investido conforme a Constituição, e, por assim ser, não há “razão para enclausurá-lo em cubículos formais de procedimentos, sem liberdade de movimentos e com pouquíssima liberdade criativa”. In A instrumentalidade do processo. Ob. Cit., p. 153.

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GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Flexibilização Procedimental - Um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual. Ob. Cit., p. 87.

combatidos e retirados, outros devem, necessariamente, ser mantidos e festejados. É a perda de tempo que deverá ser rechaçada451.

Ainda seguindo esta linha de pensamento, Dinamarco452 atenta para o fato de que a ampla liberdade de forma não implica arbítrio. Não há espaço para tal. A pretensão é unicamente de romper com a estrutura formal do processo, mas muito distante de violar os princípios processuais constitucionais. O que se visa, com este pensamento, é a melhor realização dos fins do processo, afastando-se de formas inadequadas, mas com respeito à principiologia do processo.

O terceiro e último critério apontado pelo autor453 é a necessidade de fundamentação da decisão de alteração do procedimento, em atendimento à previsão expressa constitucional – art. 93, IX – como forma de controle endoprocessual e extraprocessual também desta decisão judicial.

Não se pode afastar da premissa de que o processo somente atinge o seu escopo se adequado à finalidade a que se propõe. Se assim o é, a prestação jurisdicional apenas poderá ser considerada efetiva sob esta ótica454. O processualista não poderá estar vinculado unicamente à forma de proteção judicial dos direitos, mas à sua efetiva satisfação através do processo.

E não há motivo para se questionar a legitimidade do processo pelo só fato de não ter sido observado o iter legal para o desenvolvimento do procedimento. A legitimidade não está ligada à suposta rigidez do sistema. Opostamente, uma vez definida a estrutura procedimental juntamente com as partes, cresce a legitimidade do procedimento, que contou com o contraditório455. A legitimação do procedimento, nestes termos, decorre da observância estreita do contraditório, e não da aplicação fria de preceitos legais.

5.2 ADEQUAÇÃO E DUE PROCESS OF LAW: A IMPORTAÇÃO DE ALGUMAS