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CAPÍTULO 2 METODOLOGIA

2.5 Técnicas para a coleta de dados

2.5.2 Calendário sazonal

O calendário sazonal é uma das técnicas integrantes do conjunto de métodos e abordagens chamado Diagnóstico Rural Participativo (Participatory Rural Appraisal) (CHAMBERS, 1994), cujo conceito norteador é aprender com as pessoas das áreas rurais (CAVESTRO, 2003), razão pela qual todas as suas técnicas são desenhadas de forma a potencializar a participação local no levantamento e na análise de dados (NATIONAL ENVIRONMENT SECRETARIAT et al., 1994). O Diagnóstico Rural Participativo vem sendo cada vez mais utilizado em estudos de manejo de recursos naturais e programas de desenvolvimento local (CHAMBERS, 1994). Em particular, a técnica denominada de calendário sazonal permite verificar ciclos e padrões regulares das atividades de uma comunidade ao longo de um ano, ou outros períodos que possam ser estabelecidos

(NATIONAL ENVIRONMENT SECRETARIAT et al., 1994). Pode ser usado para levantar informações em relação, por exemplo, à alocação do tempo de determinada comunidade ou parte de seus membros, a sazonalidade da entrada de renda monetária ou não, ou levantar a sazonalidade de características ambientais locais como a quantidade de chuva (CAVESTRO, 2003).

No presente estudo, o calendário sazonal foi elaborado na primeira visita de campo e atualizado em todas as seguintes, com o objetivo de verificar a sazonalidade de todas as atividades praticadas pelos Araweté. Os dados que compõem o calendário foram obtidos através de entrevistas semi-estruturadas e informais realizadas com os Araweté, bem como por observações em campo. As informações foram sempre checadas com ao menos três pessoas diferentes (triangulação) em momentos distintos.

2.5.3 “Survey” de unidades domésticas

Surveys49 podem ser realizados por meio de questionários auto-administrados,

entrevistas, observação ou análise documental (DE VAUS, 1996). São ferramentas importantes para a coleta de dados em amostras grandes, quando é necessário entender a distribuição de certa variável numa população ou quando se pretende verificar a ocorrência de eventos raros (SCRIMSHAW, 1990). Neste estudo, o survey baseou-se na combinação de três técnicas: (i) o censo demográfico, para verificar a estrutura e demografia das unidades domésticas; (ii) as entrevistas semi-estruturadas, para levantar as características dos roçados das unidades domésticas, a fluência em português de cada indivíduo, o contato dos indivíduos com a sociedade hegemônica, os bens exógenos pertencentes às unidades domésticas e a

49 Manteve-se o termo em inglês porque ele é comumente utilizado para descrever a técnica, mesmo em

renda obtida em atividades comerciais e (iii) as observações pessoais, que serviram para complementar as informações levantadas por meio de outras técnicas.

O censo demográfico foi realizado em todas as casas da aldeia no início da primeira viagem de campo e foi atualizado em todos os períodos posteriores de coleta de dados em campo. A fluência em português e o contato com a sociedade hegemônica foram levantados no primeiro período em campo e atualizados ou corrigidos sempre que necessário. Por exemplo, quando alguém visitava cidades ou quando, por meio de contato direto, percebia-se que o nível de fluência estabelecido previamente estava incorreto. Esta reclassificação ocorreu em especial durante a segunda visita a campo, devido ao maior contato e, conseqüentemente, confiança na pesquisadora. Crianças pequenas e também alguns adultos que na primeira visita pareciam possuir pouco ou até nenhum domínio da língua portuguesa mostraram-se mais fluentes a partir da segunda. Sendo assim, dados coletados no primeiro período de campo são bem menos confiáveis do que os coletados posteriormente e, portanto, boa parte das informações coletadas na primeira visita foi checada novamente.

A verificação dos rendimentos obtidos pelos indivíduos nas atividades comerciais foi realizada três vezes, sendo uma vez em cada período de campo. Para garantir a precisão das informações, uma vez que os Araweté não se guiam por datas, o survey dos rendimentos foi realizado sempre 30 dias após a entrada da pesquisadora na aldeia (a data de chegada foi usada como marco inicial do período de um mês). As entrevistas semi-estruturadas para o levantamento dos rendimentos foram realizadas com todos os indivíduos maiores de 12 anos das unidades domésticas da amostra. Os indivíduos foram questionados a respeito dos rendimentos monetários e não monetários obtidos no último mês, o item que havia sido trocado ou vendido, o que havia sido recebido por tal item (se dinheiro ou produto) e qual a quantidade recebida (número de produtos ou valor em reais). Além disso, os rendimentos foram auferidos por uma combinação de entrevistas com diferentes pessoas de dentro e de

fora da unidade doméstica (triangulação). Ou seja, em cada levantamento foram também entrevistadas todas as pessoas que poderiam ter trazido dinheiro ou produtos para algum indivíduo da aldeia (por exemplo, alguém que retornou da cidade naquele período ou um visitante externo). Como não há estabelecimentos comerciais na aldeia e as visitas dos Araweté à cidade são raras50, era relativamente fácil controlar a entrada de dinheiro ou de produtos na aldeia.

Os três períodos de levantamento da renda coincidiram com três dos quatro momentos de grande entrada de produtos (renda) do ano de 2005, sendo estas (i) duas das três vezes que chegaram as compras dos aposentados e (ii) a chegada das compras feitas com o dinheiro obtido com a comercialização da castanha-do-Brasil. Os aposentados recebem suas compras a cada período de cerca de quatro meses. Eles solicitam ao chefe de posto da FUNAI os produtos de que necessitam e este é responsável por comprá-los na cidade e entregá-los aos aposentados na aldeia. Já no caso do dinheiro da castanha, a transação ocorria dessa forma até 2004, tendo sido alterada a partir de 2005. Neste ano alguns Araweté receberam seu pagamento na cidade de Altamira e por lá fizeram suas compras, enquanto outros receberam suas compras na aldeia por intermédio do chefe de posto, conforme procedimento adotado para as compras dos aposentados51.

50 Ver detalhes no Capítulo 4.