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CAPÍTULO 2 METODOLOGIA

2.5 Técnicas para a coleta de dados

2.5.4 Observações sistemáticas de alocação de tempo

O tempo é considerado um recurso escasso que pode ser alocado pelas pessoas alternativamente a diferentes atividades (GROSS, 1984; JOHNSON, 1990) e, portanto, diferenças na utilização do tempo tendem a refletir diferenças culturais e de estratégia econômica entre as sociedades (COLFER; WADLEY; VENKATESWARLU, 1999). Medidas de alocação de tempo permitem verificar a proporção de tempo dedicado por indivíduos ou unidades domésticas às atividades comerciais, de subsistência ou outras (por ex. lazer e ritual), bem como a substituição de uma atividade por outra (GROSS, 1984; DEMMER; OVERMAN, 2001). Dessa forma, o conhecimento do modo como as pessoas e sociedades usam o recurso tempo é ferramenta importante na compreensão da viabilidade e dos possíveis impactos de projetos de desenvolvimento comunitário (ROGERS; SCHLOSSMAN, 1990), ou de ações como a introdução de processos comerciais.

Os diversos métodos de verificação do uso do tempo apresentam diferentes vantagens e limitações (JOHNSON, 1990) e estão divididos em técnicas qualitativas – por ex., quando o próprio sujeito reporta apenas qualitativamente as atividades que desenvolveu em determinado período de tempo (ver BEHRENS, 1986; SHEPARD et al., 2004) - ou quantitativas – como as observações sistemáticas de alocação de tempo (ver SANTOS et al., 1997; COLFER; WADLEY; VENKATESWARLU, 1999; DEMMER; OVERMAN, 2001; MORSELLO, 2002; WONG; GODOY, 2003).

As técnicas qualitativas se baseiam, algumas vezes, em informações registradas pelo próprio sujeito após determinado período de tempo. As vantagens destas técnicas são (i) evitar problemas éticos, pois é o próprio sujeito quem escolhe quais atividades quer reportar e quais quer esconder e (ii) economizar tempo do pesquisador, uma vez que é o sujeito quem faz os

registros. No entanto, a técnica produz resultados divergentes das observações diretas feitas por um agente externo. Isto provavelmente ocorre porque os sujeitos tendem a reportar comportamentos que consideram aceitáveis ou significativos (JOHNSON, 1990).

As técnicas quantitativas de alocação de tempo são as de observação direta, que podem ser duas: observações contínuas ou observações sistemáticas. A primeira consiste em seguir um sujeito ou pequeno grupo de pessoas por certo período de tempo. A vantagem deste método é que pode ser facilmente realizado por um único pesquisador (JOHNSON, 1990). Entretanto, além de sua aplicação ser exaustiva e consumir muito tempo do pesquisador (JOHNSON, 1975), a técnica de observação contínua apresenta diversas limitações quanto à sua representatividade: (i) é restrita a poucos indivíduos; (ii) é pouco representativa de toda a comunidade e (iii) não considera as variações sazonais, uma vez que costuma ser aplicada por curtos períodos de tempo.

Já a técnica de observações sistemáticas consiste em visitas randômicas para verificar quais as atividades que os membros da população estudada estão realizando em dado momento no tempo (JOHNSON, 1990). Por serem aleatórias em termos de pessoas e tempo (JOHNSON, 1990), se forem realizadas por longos períodos (meses ou até anos), as observações sistemáticas de alocação de tempo produzem resultados confiáveis em relação à freqüência de distribuição dos comportamentos mais comuns (WONG; GODOY, 2003). Além disso, apresentam como vantagem sobre as técnicas qualitativas o fato de reduzirem a interferência do juízo de valor do sujeito sobre qual atividade é ou não importante de ser relatada (HALL, 1985) e de permitirem que seus resultados quantificados sejam comparados entre diferentes culturas (JOHNSON, 1975).

Porém, a técnica de observações sistemáticas apresenta também desvantagens, em particular duas. A primeira é que os sujeitos observados podem alterar certas atividades assim que são avistados ou limitá-las a momentos nos quais estas não possam ser vistas (MULDER;

CARO, 1985). A segunda desvantagem se refere às atividades realizadas fora da aldeia. Nesses casos, é possível apenas saber qual atividade ele pretendia praticar ao sair (por ex., caçar), sendo impossível saber o que o indivíduo fazia no exato momento em que deveria se dar a observação (COLFER; WADLEY; VENKATESWARLU, 1999). Por fim, a técnica usualmente não inclui observações noturnas (JOHNSON, 1990), por ser muito invasiva.

No presente estudo foi utilizada a técnica quantitativa de observações pontuais de alocação de tempo proposta por Johnson (1975). Esta técnica foi escolhida por consumir menos tempo, apresentar melhor relação custo-benefício do que observações contínuas e ter maior confiabilidade do que entrevistas (técnica qualitativa) (JOHNSON, 1975).

Como pré-teste da técnica foram realizadas, na primeira quinzena de campo, algumas observações sistemáticas de alocação de tempo a partir de protocolo geral do projeto Parcerias Florestais. A partir disso, a técnica foi adequada à realidade em campo da área araweté. As observações pontuais foram realizadas duas vezes por semana, em dois horários por dia selecionados entre 07:00h e 19:00h, levando cerca de duas horas para cada observação ser concluída. Os horários das observações foram selecionados aleatoriamente, sendo um em cada bloco de horas (matutino ou vespertino), isto é, a primeira observação do dia era selecionada entre as 07:00h e as 12:00h (matutino) e a segunda entre as 13:00h e as 17:00h (vespertino).

Em cada observação foram amostrados todos os indivíduos acima de quatro anos de idade de todas as unidades domésticas da amostra e registradas as atividades que cada um realizava no momento da observação. As atividades foram registradas em planilha na forma de códigos, a partir de listagem pré-definida52 (Apêndice C) que foi alterada em campo de acordo com a realidade local. Também foram registradas informações sobre atividades

52 A listagem foi preparada pela Profa. Dra. Carla Morsello para ser usada no projeto Parecrias Florestais e

modificada para a realidade em campo nos Araweté. Johnson (1990) defende que fornecer a lista de códigos usados para registrar as atividades é atualmente um passo essencial na divulgação dos resultados de pesquisas de alocação de tempo de forma a permitir a comparação entre estudos. Sendo assim, disponibiliza-se a lista usada neste estudo (Apêndice A).

secundárias desenvolvidas pelo indivíduo no momento (por ex., ouvir música) e os nomes de terceiros que compartilhavam a atividade. Quando o indivíduo não era encontrado, havia duas opções e, procurava-se sempre que possível combinar as duas. Primeiro, perguntava-se a um terceiro que pudesse fornecer com confiança qual atividade o sujeito em questão pretendia realizar ao sair da aldeia (geralmente eram pessoas da própria unidade doméstica que forneciam a informação, ou então um vizinho próximo que usualmente compartilhe atividades com tal pessoa). Em segundo lugar, quando possível, checava-se com o próprio sujeito, caso ele fosse encontrado ainda no mesmo dia. Quando não havia alguém para fornecer informação confiável e o indivíduo não era encontrado mais tarde, a observação era considerada como perdida e um código especial era colocado na planilha.

Em casos de doença, verificou-se que as pessoas ficavam em casa descansando, realizando tarefas leves de rotina ou produzindo artesanato. Este fato, conforme explicitado por Wong e Godoy (2003), pode produzir erros, superestimando as atividades domésticas ou de artesanato quando na verdade a pessoa só está realizando estas tarefas por impossibilidade de desempenhar outra. Para tentar minimizar esta distorção, diariamente verificava-se com o auxiliar de enfermagem os casos de doença. No entanto, apenas quando a pessoa estava realmente impossibilitada de fazer suas atividades era colocado o código referente a doença em sua observação. Em muitos casos, mesmo doentes os indivíduos realizavam normalmente suas tarefas. Por conta disso, se neste dia a pessoa era observada em atividade de manufatura ou descansando, não era possível discernir se isto era devido à doença ou não. Sendo assim, nestes casos era registrada na planilha a atividade que estava sendo realizada no momento da observação.

As unidades domésticas foram numeradas de um a trinta, sendo a ordem de visitação definida por meio de dois sorteios. Primeiro, foi sorteado o número da unidade doméstica a ser observada primeiro. Em seguida, foi sorteado se a seqüência das unidades domésticas a

serem visitadas seria crescente ou decrescente. Por exemplo, sendo a unidade doméstica de número 14 selecionada como a primeira a ser observada e a seqüência sorteada crescente, então a segunda unidade doméstica a ser visitada seria a de número 15, e assim por diante.

Não foram realizadas observações noturnas de alocação de tempo por dois motivos. Primeiro porque as observações de alocação de tempo demonstraram ser muito invasivas, incomodando os Araweté e, em segundo, porque no escuro e no contexto Araweté era difícil discernir quais as atividades que estavam sendo praticadas. Dessa forma, atividades que são realizadas no período noturno estão possivelmente subestimadas (SCAGLION, 1986), entre elas a caça, o descanso e o lazer. As atividades comerciais, por serem essencialmente diurnas, provavelmente estão adequadamente amostradas. Apesar de todos os indivíduos terem sido amostrados da mesma forma, é possível que indivíduos estejam modificando a estratégia entre dia e noite, por exemplo, aumentando a caça noturna em detrimento da diurna. Em termos qualitativos, no entanto, não se percebeu esta transformação.

No total, para as 24 unidades domésticas que permaneceram na Aldeia Ipixuna, foram realizadas 78 observações válidas (em 39 dias de aplicação da técnica) e para as seis unidades domésticas restantes, foram realizadas 52 observações (distribuídas em 26 dias), resultando em 10.764 observações. Em apenas 1,8% das observações (n=199) o indivíduo não foi encontrado e também não foi possível verificar com fonte confiável a atividade que ele estaria realizando, portanto estas observações constam como informações perdidas.