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CAPÍTULO 4 – A PARTICIPAÇÃO DOS ARAWETÉ NA ECONOMIA DE

4.4 Coleta e comercialização de castanha-do-Brasil

4.4.2 O envolvimento dos Araweté

A castanha-do-Brasil sempre foi alimento importante para os Araweté durante a época das chuvas (VIVEIROS DE CASTRO, 1988), entre fevereiro e março (RIBEIRO, 1983). Mesmo assim, antigamente os Araweté não eram considerados grandes coletores de castanha e chegavam a derrubar castanheiras para retirar mel (VIVEIROS DE CASTRO, 1988) ou para coletar as castanhas verdes antes da safra (RIBEIRO, 1983). Hoje, a castanha se tornou importante fonte de renda para todas as unidades domésticas, sendo coletada em grandes quantidades e envolvendo todos os membros das famílias. Ainda assim, as castanheiras localizadas em áreas de roçados continuam sendo derrubadas quando da abertura destes134.

As informações sobre quando os Araweté se envolveram com a comercialização de castanha-do-Brasil são contraditórias. Em 1986, Balée (1986) indicava que a comercialização de PFNMs poderia ser uma boa estratégia de obtenção de renda para os Araweté, sugerindo a castanha como um dos possíveis itens. Um dos informantes135 afirma que a comercialização de castanha-do-Brasil teve início por volta de 1991, época em que Benigno Pessoa Marques era o chefe de posto deste grupo136. Já outro informante137 acredita que os Araweté tenham se envolvido com esta atividade apenas em 1999. Segundo o antropólogo Dr. Eduardo Viveiros de Castro138, a castanha não era explorada comercialmente até o ano de 1993. Pelo desencontro nessas informações, é possível que os Araweté comercializassem castanha-do- Brasil esporadicamente e que esta atividade tenha se intensificado apenas após o envolvimento com a Amazoncoop.

134 Entrevista semi-estruturada com Kokoi Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 26/11/05) e informal com

Aranami Kuni-no Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 22/01/05 e 29/07/05).

135 Entrevista semi-estruturada com Laurimar Gomes dos Santos (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 02/02/05). 136 Benigno Marques foi chefe de posto na TI Araweté Igarapé/Ipixuna entre 1984 e 1991 (VIVEIROS DE

CASTRO, 1992).

137 Entrevista semi-estruturada com Raimundo Nonato Alves (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 01/02/05). 138 Conversa informal por telefone, em 27/01/06.

Da coleta ao transporte das castanhas

Na TI Araweté/Igarapé Ipixuna as castanhas começam a amadurecer no início da estação chuvosa. A coleta se inicia somente quando os ouriços começam a cair das árvores - em janeiro – e é mais intensa quando estes já pararam de cair – de meados de fevereiro até início de março139. Durante a fase de coleta das castanhas, parte das famílias faz visitas diárias aos castanhais e parte acampa na floresta, onde permanecem coletando castanhas por quatro a dez dias seguidos. Os ouriços que estão no chão são abertos pelos homens usando um facão grande. Enquanto isso, mulheres e crianças acima dos sete, oito anos de idade recolhem as sementes140. As castanhas coletadas são transportadas para a aldeia em paneiros141 fabricados no local da coleta e carregados tanto por homens quanto mulheres e crianças mais velhas. É comum as famílias retornarem à aldeia trazendo também grande quantidade de jabutis e bacaba142.

Na aldeia, as sementes são despejadas sobre uma lona ou sobre o chão, onde são lavadas em água e deixadas para secar ao sol. Os homens buscam água e as mulheres lavam as castanhas, mexendo-as com uma pá de torrar farinha. Somente depois de secas é que as castanhas são ensacadas143.

Encerradas as fases de coleta e lavagem das sementes, estas são entregues ao chefe de posto, que é responsável por quantificar as castanhas coletadas por cada indivíduo ou família. Algumas famílias entregam toda sua produção de castanha em nome do chefe da unidade doméstica, mas a maioria delas entrega a castanha já dividida entre os familiares144. O chefe

139 Os Araweté dizem ser perigoso coletar castanhas quando ainda há ouriços caindo (entrevista semi-

estruturada, Kokoi Araweté, TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 26/11/05.

140 Entrevista semi-estruturada com Kokoi Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 26/11/05). 141 Cestos trançados com folhas de palmeira.

142 Entrevista semi-estruturada com Kokoi Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 26/11/05). 143 Entrevista semi-estruturada com Kokoi Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 26/11/05).

144 Dados de observação de campo e de entrevista semi-estruturada com Laurimar Gomes dos Santos (TI

de posto quantifica a produção de castanha coletada utilizando uma caixa de madeira - com 56 x 28 x 38 cm de tamanho - fornecida pela Amazoncoop, na qual cabem cerca de 23 kg de sementes secas. O chefe de posto anota o número de caixas que cada pessoa/família coletou e pergunta o que esta deseja que seja comprado com o dinheiro referente à quantidade. No caso das famílias que entregam a castanha separada por indivíduos, cada pessoa escolhe os produtos que deseja, mesmo quando esta é uma criança pequena. Mas, seja quem for, há sempre muito palpite dos familiares em relação ao que deve ser solicitado. Essas famílias em geral dividem suas sementes da seguinte forma: ao pai é atribuído o maior número de caixas, em seguida à mãe, depois aos filhos adolescentes/adultos e, por fim, aos filhos menores, que recebem todos a mesma quantidade de castanha. Depois de quantificadas, todas as sementes são colocadas em sacos de fibra, onde ficarão estocadas até o transporte para Altamira.

Até 2004, era o chefe de posto quem ia à cidade comprar os produtos solicitados pelos Araweté e, quando retornava à aldeia, os entregava aos coletores. Em 2005, o procedimento foi alterado. Preocupada em fazer com que os Araweté ganhassem noção de dinheiro e dos custos dos produtos industrializados145, a FUNAI permitiu que os coletores fossem à cidade receber seu pagamento em dinheiro. Sendo assim, 27 homens Araweté receberam o dinheiro em Altamira, enquanto todas as outras pessoas receberam como de costume, isto é, o pagamento foi recebido na forma de produtos previamente escolhidos por cada um e comprados pela FUNAI.

O transporte das castanhas é realizado no barco pertencente aos Araweté ou no barco da cooperativa146 e ocorre nos meses de março ou abril147. Alguns homens Araweté acompanham o transporte para pilotar o barco e auxiliar no carregamento e descarregamento. Estes homens recebem pagamento em dinheiro pelo trabalho e, portanto, vários se interessam

145 Entrevista semi-estruturada com Kuni Awy-do Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 21/11/05). 146 Entrevista semi-estruturada com Laurimar Gomes dos Santos (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 02/02/05). 147 Entrevistas semi-estruturadas com Laurimar Gomes dos Santos (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 02/02/05) e

em participar. Geralmente quem acompanha o barco são os dois líderes oficiais e mais alguns indivíduos escolhidos da seguinte forma: o chefe de posto indica o número de pessoas que deve ir, os dois líderes oficiais conversam com os outros e depois decidem quem irá com eles. Em 2004 foram escolhidos dois homens, cada qual recebendo R$250,00 pelo trabalho. O dinheiro para pagamento das pessoas que ajudam no transporte e do combustível do barco é subtraído do total de dinheiro obtido com a comercialização de toda a castanha do grupo. Por exemplo, se os Araweté coletaram no total 400 caixas de castanha, a compra dos produtos para pagamento dos coletores será no valor de cerca de 350 caixas e o restante será usado para pagar as despesas148. Parte desta informação difere de Ribeiro (2006), que afirma que os custos do transporte são arcados pela FUNAI e pela Amazoncoop.

A comercialização de castanha-do-Brasil representa significativa fonte de renda sazonal para todas as famílias. No ano de 2003, a cooperativa comprou cada caixa de castanha-do-Brasil por R$17,00, valor que subiu para R$22,00 em 2004 e para R$30,00 em 2005149.

Em 2004 os Araweté comercializaram no total cerca de 400 caixas de castanha-do- Brasil, o que equivaleu aproximadamente R$9.000150. O valor total obtido pelos Araweté com a comercialização da castanha em 2005 não pode ser obtido. No entanto, foi possível quantificar o montante recebido pelas 30 unidades domésticas da amostra deste estudo. Juntas, elas receberam o equivalente a 373 caixas de castanha-do-Brasil, somando cerca de R$ 11.145,00. Em média, cada unidade doméstica recebeu R$ 384 (dp= 310, n=30). A unidade doméstica que coletou a menor quantidade de castanhas recebeu R$ 147,00 (referentes a cinco caixas) e a que mais coletou recebeu R$1.335,00 (referentes a 45 caixas) – sendo esta a unidade doméstica de um dos líderes oficiais. Além da castanha coletada por suas próprias

148 Entrevista semi-estruturada com Laurimar Gomes dos Santos (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 02/02/05). 149 Entrevistas semi-estruturadas com Raimundo Nonato Alves (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 01/02/05) e

Laurimar Gomes dos Santos (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 02/02/05).

unidades domésticas, os líderes recebem doação de castanha de algumas famílias Araweté151. Em 2006, a safra de castanha-do-Brasil foi pequena e somente alguns Araweté coletaram castanhas152.

Os Araweté dizem ser trabalhosa e cansativa a coleta de castanha-do-Brasil e citam algumas dificuldades: a distância que se deve percorrer até os castanhais, as chuvas e os mosquitos (para quem não usa roupas)153. Mesmo assim, demonstram enorme interesse pela atividade. O líder Kuni Nady-no Araweté154 explica o porquê: “Pra comprar a coisa pra ele [Araweté]: açúcar, cartucho, pilha, roupa, panela, copo [caneca de plástico], faquinha, colher. Precisa muito, né, prato, copo, pente, espelho”. Outros Araweté complementam a lista com: rede de dormir, tesoura, munição, gasolina, café, óleo de cozinha, leite, bolachas salgadas, feijão, macarrão e sal155. A maior parte do valor obtido com a comercialização da castanha é gasto pelos Araweté com café, açúcar e gasolina156 e as pessoas que possuem motor de barco costumam coletar mais castanha do que os outros, para comprar gasolina157.

Parte da castanha coletada é consumida pelos Araweté como alimento, tanto in natura, como preparada de várias formas (por ex., pilada com farinha de milho ou feito na forma de um doce preparado com açúcar queimado, que os Araweté aprenderam a cozinhar com as pessoas externas que moraram com eles). Após o envio para Altamira da castanha que será comercializada, resta na aldeia pouca castanha, que será consumida pelas famílias em pouco tempo.

151 Dado de observação de campo e de entrevista semi-estruturada com Atukã Araweté (TI Araweté/Igarapé

Ipixuna, 18/07/05).

152 Informação fornecida pelo líder Añaño-ro Araweté à Fábio Augusto Nogueira Ribeiro em conversa informal

(Altamira, 07/11/06).

153 Entrevistas semi-estruturadas com Jeree-ro Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 03/11/05) e Kokoi Araweté

(TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 16/11/05).

154 Entrevista semi-estruturada (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 02/02/05)

155 Entrevistas semi-estruturadas com Atukã Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 18/07/05), Iwani-hi Araweté

(TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 27/10/05) e Jeree-ro Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 03/11/05).

156 Entrevista semi-estruturada com Laurimar Gomes dos Santos (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 02/02/05). 157 Entrevistas semi-estruturadas com Atukã Araweté (TI Araweté/Igarapé Ipixuna, 18/07/05).