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Escalas de atuação dos vetores de transformações no uso de recursos naturais

CAPÍTULO 1 – EFEITOS INDIRETOS DA PARTICIPAÇÃO NO MERCADO NO

1.4 Vetores de transformações no uso de recursos naturais pelos povos indígenas

1.4.2 Escalas de atuação dos vetores de transformações no uso de recursos naturais

Os estudos atribuem as transformações sociais, econômicas e culturais, bem como as alterações no uso de recursos naturais, a diversos vetores, como o confinamento em áreas limitadas, a sedentarização e o aumento da participação no mercado, dentre outros. A maioria dos estudos, no entanto, não separa os efeitos decorrentes de um ou de outro vetor, nem controla os efeitos de terceiras variáveis, o que dificulta comparações. Além disso, a maior parte dos autores não define os vetores que está considerando, complicando ainda mais a comparação entre os estudos. Por exemplo, o que certo autor considera como contato com a

sociedade envolvente pode incluir a participação no mercado e o confinamento em áreas limitadas, enquanto outro autor pode considerar esses como três fatores em separado.

Os vários vetores que produzem essas transformações atuam em diferentes escalas espaciais, temporais e sociais, que podem ser separadas, para efeitos de sistematização, em cinco níveis (Figura 1.1). Além disso, alguns desses vetores podem atuar em mais de uma escala. Por exemplo, a incorporação de novas tecnologias pode ser um vetor de transformação no uso de recursos naturais pelo grupo indígena, mas pode haver variação em sua adoção de uma unidade doméstica para outra.

Figura 1.1. Diferentes escalas de atuação dos vetores das transformações sociais, econômicas e culturais em povos indígenas

Independente da escala em que atuam, esses fatores interagem entre si e, portanto, as transformações observadas podem ser fruto de uma combinação de fatores (Figura 1.2). Essa combinação pode se apresentar basicamente de três formas. Pode ocorrer retroalimentação, quando o aumento ou redução de um fator leva ao aumento ou redução de outro. Um exemplo disso é quando a maior participação no mercado leva à incorporação de novas tecnologias

que, por sua vez, aumentam a dependência do mercado, por exemplo, para reposição de peças ou compra de combustível. Também pode acontecer de o efeito de certo vetor minimizar o efeito do outro, por exemplo, quando o contato com agentes externos eleva os níveis educacionais e reduz os impactos causados pela participação na economia de mercado. Por fim, a relação entre dois ou mais fatores pode ser de causa e efeito, alternando de acordo com a situação. Por exemplo, a sedentarização pode ser a causa do aumento da participação na economia de mercado - se a sedentarização leva à necessidade de incorporação de novas tecnologias - enquanto em outras circunstâncias pode ser o efeito - quando a renda é usada para a construção de residências em alvenaria, aumentando assim a probabilidade de sedentarização.

De forma a obter um panorama amplo dos vetores que podem influenciar as alterações no uso dos recursos naturais pelos povos indígenas, o presente estudo se apóia não somente na literatura indigenista, mas também em autores que analisam as transformações ocorridas em outras sociedades consideradas tradicionais (como ribeirinhos e caiçaras) (por ex., CASTRO, 2004; SILVA; BEGOSSI, 2004) e em comunidades rurais (por ex., BILSBORROW; PAN, 2001; BOSERUP, 1965; CALDAS et al., 2003; ELLIS, 1988; FOSTER; ROSENZWEIG, 1996; NETTING, 1993).

Incorporação de novas tecnologias Contato com a sociedade envolvente Contexto político, econômico e social externo Sedentarização Participação no mercado monetário Confinamento em áreas limitadas Disponibilidade de recursos naturais Crescimento populacional

Figura 1.2. Exemplos de interações entre alguns vetores das transformações históricas ocorridas nos povos indígenas15

Por conta da dificuldade em delimitar os vetores, já que eles interagem entre si e atuam em mais de uma escala, qualquer opção de sistematização é arbitrária e sempre será falha, embora tenha validade com propósitos analíticos. Nesse estudo, para facilitar a organização das informações, optou-se por sistematizar os vetores das transformações no uso de recursos naturais de acordo com a escala em que atuam. Isso não significa que eles estejam necessariamente assim separados na literatura, pois, como dito, as informações sobre as causas das transformações costumam aparecer de forma pouco sistematizada. Essa forma de organização por escala de atuação foi selecionada por ser a mais apropriada aos objetivos do estudo, que pretende aprofundar nos fatores que interferem na participação do grupo indígena, de unidades domésticas e de indivíduos no mercado, bem como nos efeitos que esse envolvimento produz nas atividades de subsistência.

15 A figura foi elaborada para ilustrar algumas das possíveis interações entre os vetores e não pretende

demonstrar todas as possibilidades, que podem ser inúmeras. Apenas para exemplificar, uma interação que não consta da figura é a relação indireta entre confinamento em áreas limitadas e a incoporação de novas tecnologias em uma situação de aumento populacional.

Na escala mais ampla, influenciando as alterações no uso de recursos naturais que vêm ocorrendo nos povos indígenas e outras comunidades tradicionais, estão os contextos socioeconômico e político externos (CASTRO, 2004; GODOY; WILKIE; FRANKS, 1997; MORAN 1993). Esse contexto externo, por sua vez, influencia as decisões sobre o uso dos recursos que são tomadas em diversos níveis, como o comunitário, o familiar e o individual, havendo complexas interações entre todos estes níveis (CASTRO, 2004).

Quatro fatores externos aos povos indígenas têm sido salientados tanto por pesquisadores quanto pelos próprios povos indígenas como potenciais vetores de efeitos negativos no uso dos recursos naturais pelos povos indígenas. São esses: (i) o confinamento em áreas limitadas (BERTHO, 2005; FUNAI; PPTAL, 2004; LADEIRA, 1982; LEEUWENBERG, 2006; PINTO; EDUARDO, 2002; POPYGUÁ, 2006; SCHRÖDER, 2003; SCHWARTZMAN, 2006; SZTUTMAN, 2006; VILLAS BOAS, 2004), que pode reduzir a disponibilidade de área para plantio e o acesso aos recursos naturais (FELIPIM, 2004; PINTO; EDUARDO, 2002); (ii) os problemas ambientais no entorno das TIs (BERTHO, 2005; KAIABI, 2006; POPYGUÁ, 2006); (iii) a exploração dos recursos das TIs por agentes externos (ALCORN, 2006; FORLINE; GARCIA, 2006; LADEIRA; NOLETO, 2006; LIMA; POZZOBON, 2005) e (iv) a relativa imunidade legal das sociedades indígenas, que geralmente não são penalizados por crimes ambientais (OLMOS; BERNARDO; GALETTI, 2004).

Para o presente estudo, interessam em especial os vetores que atuam nas escalas dos povos indígenas, das aldeias, das unidades domésticas e dos indivíduos. Esses vetores serão mais detalhados, organizados em duas subseções. Em primeiro lugar são apresentados os fatores que influenciam o grupo indígena ou a aldeia como um todo, bem como exemplos de efeitos que estes vetores produzem. Em segundo lugar são apontados os vetores na escala de análise comparativa pertinente a este estudo: as unidades domésticas, que incluem as

características de seus indivíduos. Juntamente, são mostrados exemplos dos efeitos que esses fatores podem produzir no uso de recursos naturais.