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Como vimos, as atuais configurações do mercado vêm exigindo mão-de-obra cada vez mais qualificada. O acesso às informações e às descobertas tecnológicas17,

como requisitos básicos da concorrência e da competição, colocam a educação escolar num lugar estratégico. O saber passa a ser um dos principais recursos dessa luta.

Atrelada a essa lógica, a formação passa a se configurar exclusivamente como a aquisição de um saber instrumental e tecnológico, reduzindo-se ao manejo de novas tecnologias educacionais que possibilitariam ao professor atender às novas exigências

17 Faz-se necessário aqui, um parênteses para tratar da tecnologia e da técnica, fazendo uso de prudência e cuidado. O termo tecnologia, em sua definição formal, designa, nas sociedades industrializadas, um setor organizado de conhecimentos sobre princípios e descobertas científicas, e sobre processos industriais, considerados importantes para a produção ou aperfeiçoamento de mercadorias ou serviços. A tecnologia é, produto do trabalho humano, é natureza modificada, transformada segundo a intencionalidade humana. Ela deixa então de ser meio para ser também expressão e concepção de formas de viver a vida, pois ela revela as intencionalidades e tem importantes implicações sociais e políticas. (FIDALGO & MACHADO, 2000). Afirmamos uma análise que não concebe o homem em separado da técnica, pois quando falamos em redes essas dicotomias não fazem sentido. Não podemos substancializá-las e considerá-las, colocando-as no “lugar do mal”. É preciso interrogar que efeitos têm produzido. Ciência e técnica são entidades, multiplicidades que emergem de uma rede, ou de um coletivo heterogêneo, híbrido de homens e coisas. Todos os “materiais” que compõem as sociedades humanas, entre eles a técnica, são essenciais na dinâmica do coletivo, contribuem à criação e à transformação da ordem social (ESCOSSIA, 2004).

que a ela têm sido endereçadas pela atual ordem globalizada, efeito das transformações propostas pelo capitalismo hoje. Aquisição que autoriza o professor ao seu trabalho. Prática que produz e reproduz especialismos.18

Freqüentemente se oculta o caráter político-social dos processos formativos, atrelando-se à racionalidade do modelo hegemônico, e com isso delineando concepções de formação presas às perspectivas de uma “ideologia científica”. Quando nos referimos a modelo hegemônico, tratamos das marcas das relações capitalistas de produção, que pretendem, com a divisão técnica e social do trabalho, separar os que pensam dos que executam. Hegemonicamente o trabalho intelectual é o único possuidor de valor, é ele que estabelece quem pode dizer o quê, em que lugar e sob quais circunstâncias. Modelo que acaba naturalizando práticas e discursos, deslegitimando outros saberes.

Nesse sentido, a formação do educador se centra no controle do saber e no exercício do poder, classificando saberes e desautorizando ações. Descarta-se tudo que não é autorizado pela ideologia cientificista. Os professores, não reconhecendo os saberes que produzem na sua lida cotidiana, invalidam as estratégias por eles criadas, caracterizando-as como sendo de segunda ordem.

Seguindo essa lógica, os processos formativos são concebidos como tendo etapas previamente estabelecidas pelo viés acadêmico-escolar, que devem ser cumpridas de forma seqüencial até que se alcance o “modelo” profissional/pessoal concebido como desejado, esperado.

Analisar os processos formativos engendrados na atualidade requer ater-se para algumas questões como a complexidade na qual está inserida a escola contemporânea, as direções que as políticas educacionais têm tomado, a ausência de práticas formativas coladas ao “chão da escola”, mas principalmente atentar-se para as experiências instituintes que visam a invenção de outros processos educativos (LINHARES, 2002).

18 Especialismo, aqui, não é o mesmo que especialista. Refere-se às práticas que desqualificam os saberes não considerados oficiais pela academia. Práticas que autorizam uns e invalidam o saber-fazer de outros.

Na tentativa de pensar como os processos formativos estão sendo acionados, vemos proliferando no país diagnósticos que buscam culpados pela “incompetência” das práticas de formação engendradas nas instituições de ensino. Elaborando um inventário de deficiências (VIEIRA, 1997), tomam como foco a constatação de falhas, de lacunas, atendo seus olhares para os resultados (geralmente numéricos), e reafirmando/reproduzindo o descrédito e a desvalorização da profissão docente. Análises que tratam a “incompetência” como natureza a ser transformada, sem considerá-la como objeto constituído e constituidor de uma rede de práticas sócio- históricas.

Conectados a esses diagnósticos culpabilizadores, discursos, em procura da solução dos problemas educacionais, clamam por maior objetividade e eficiência nos processos de formação. Argumentos que defendem que com esses critérios, formar-se- á adequadamente o professor, e isso se configuraria como grande etapa vencida na empreitada de “conserto” da escola brasileira.

Os kits19 de capacitação, distribuídos aos professores como forma de dinamizar a sala de aula, são uma das estratégias dessa lógica que pressupõe que a partir da transmissão de técnicas (pedagógicas, psicológicas, etc) o professor será capaz de exercer sua criatividade, atribuindo a esta a característica de resolução de problemas previamente formulados.

Nesse sentido, cada um é convocado a instaurar um processo de formação que garanta sua participação na vida econômica e social. Heckert (2001) nos alerta para as nuances desse discurso, que parece demandar trabalhadores que sejam capazes de abandonar antigas habilidades e saberes para se adaptar às novas técnicas de

19 O uso de kits para a formação de professores configura-se em uma estratégia bastante utilizada pelos centros de formação, seja no setor público ou privado. Os kits, compostos por materiais didático- pedagógicos (livros, textos, DVD´s) compõem-se geralmente de guias a serem seguidos na prática escolar, com proposições de atividades a serem desenvolvidas, numa concepção de instrumentalização. Recheados de técnicas, o objetivo é, com os kits, oferecer alternativas para tornar a tarefa docente mais dinâmica. Heckert (2001) vem apontar o quanto o uso dos kits como estratégia formativa está atrelado a uma intenção de que, através da transmissão de técnicas, o professor esteja apto a fazer uso das técnicas grupais sugeridas, a fim de intervir sobre a motivação e emoção dos alunos, com “atividades que despertem a atenção dos alunos e os motive a estar na escola e a querer aprender” (HECKERT, 2001, pg. 71).

trabalho, a favor do mercado capitalista. Logo, além do viés privatizante que demarca os processos formativos em vigor na atualidade, o atendimento às necessidades do mercado capitalista se configura como condição para uma formação ser considerada válida e eficaz.

A formação continuada, apesar do nome, em muitas das vezes, se baseia em processos fragmentários e desvinculados das situações reais de trabalho. Essa dissociação da realidade cotidiana da escola impede que a formação se configure como estratégia de desestabilização das práticas que atravessam o fazer cotidiano. Qual a importância então, nesse sentido, de ser a formação uma ação continuada?

Reiteramos que não pretendemos desvalorizar ou atribuir sentido negativo à aquisição e ao manejo de novas técnicas educacionais. Reconhecemos a importância dessa “renovação” permanente. Queremos alertar, contudo, para o caráter de empregabilidade que o termo formação continuada pode trazer consigo. Possuirá empregabilidade o trabalhador capaz de adquirir habilidades requeridas pelo mercado, e que com elas alimente a produção. Alimentação que, assim como a formação, precisa ser continuada. E além da responsabilidade de possuir empregabilidade, é também do trabalhador a responsabilidade pela forma de adquiri-la.