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CAPÍTULO 2 RACIOCÍNIO PROPORCIONAL E PROPORCIONALIDADE:

2.2 APRENDIZAGEM MATEMÁTICA: CONTRIBUIÇÕES DE RAYMOND DUVAL

2.3.1 Estrutura Multiplicativa sob a ótica de Gérard Vergnaud

2.3.1.2 Campo Conceitual das Estruturas Multiplicativas

Conforme já mencionado (seção 2.1), o raciocínio proporcional e o conceito de proporcionalidade fazem parte do campo conceitual das estruturas multiplicativas. Em outras palavras, a natureza deste raciocínio e deste conceito é multiplicativa.

Vergnaud (1993, p. 10) define o campo conceitual das estruturas multiplicativas ou apenas campo das estruturas multiplicativas como sendo, ao mesmo tempo,

[...] o conjunto das situações cujo tratamento implica uma ou várias multiplicações ou divisões, e o conjunto dos conceitos e teoremas que permitem analisar essas situações: proporção simples e proporção múltipla, função linear e n-linear, razão escalar direta e inversa, quociente e produto de dimensões, combinação linear e aplicação linear, fração, razão, número racional, múltiplo e divisor, etc.

A formação dos conceitos e o desenvolvimento dos raciocínios pertencentes ao campo das estrutura multiplicativa exigem a transição das estruturas aditivas47 para as multiplicativas e esta passagem nem sempre é natural para os estudantes (GITIRANA et al., 2014; LAMON, 2007, 2008; NEHRING, 1996; OLIVEIRA, 2000, 2009a, SILVESTRE, 2012; VERGNAUD, 1993, 1996, 2009a). Por isso, é preciso propor situações que permitam explicitar não só as filiações, mas as rupturas que existem entre essas duas estruturas.

Conforme Gitirana et al. (2014), entre as operações de multiplicação e adição há uma continuidade em termos de estrutura, mas no que se refere aos significados existe uma descontinuidade. Trabalhar a multiplicação como a soma de parcelas iguais pode gerar problemas, por exemplo, na compreensão da propriedade comutativa da multiplicação.

Nunes (2010)48 afirma que o raciocínio aditivo e o multiplicativo tem origens diferentes. O raciocínio aditivo envolve as ações de juntar, separar e colocar em correspondência um a um. Já o raciocínio multiplicativo envolve as ações de distribuir, dividir e colocar em correspondência um a muitos. Assim, o raciocínio da criança nas situações multiplicativas não é de uma ação repetida. O conceito de multiplicação também não é de adição repetida, o cálculo pode ser feito por adição repetida de parcelas, mas o conceito é caracterizado por duas variáveis numa relação fixa, uma com a outra. Segundo a pesquisadora, nas palavras de Vergnaud, há

47 O campo conceitual das estruturas aditivas é definido por Vergnaud (1993, p. 9) como o conjunto das situações

que requerem uma ou várias adições ou subtrações e “o conjunto dos conceitos e teoremas que permitem analisar tais situações como tarefas matemáticas”.

48 Anotações da palestra intitulada “Ensinando a multiplicação da pré-escola ao fim do 1º grau” proferida no

Seminário Internacional Satélite do 34º Congresso de Psicologia d Educação Matemática – PME na Universidade Bandeirantes (UNIBAN).

dois espaços de medidas, em que existe, para cada número, em um espaço de medida, outro número correspondente no outro espaço de medida.

Ao abordar o campo das estruturas multiplicativas, Vergnaud (2009) sublinha que podem ser distinguidas duas categorias de relações, a saber: ternárias e quaternárias. A mais importante é a relação quaternária, pois “forma o tecido da grande maioria dos problemas multiplicativos” (p.239) e não a relação ternária. Contudo, no ensino, geralmente, se trabalha todos os problemas do campo das estruturas multiplicativas como se envolvesse uma relação ternária, o que torna problemático o desenvolvimento do raciocínio proporcional, visto que este depende da compreensão e da capacidade de utilização destas estruturas.

É relevante conceituar essas duas relações que comportam uma multiplicação e/ou divisão. De acordo com Vergnaud (2009a, p. 71) as relações quaternárias possuem a seguinte forma: “‘𝑎 está para 𝑏 assim como 𝑐 está para 𝑑’, [reafirmando] que a relação entre 𝑎 e 𝑏 é a mesma que a relação entre 𝑐 e 𝑑”. Em relação as relações ternárias, estas conectam três variáveis entre si, ou seja, 𝑎 × 𝑏 = 𝑐, estas são variáveis de mesma espécie.

Os problemas do campo das estruturas multiplicativas, pertencem a três grupos: i) isomorfismo de medidas; ii) produto de medidas; e iii) proporções múltiplas. O isomorfismo de medidas refere-se a relação quaternária entre quatro quantidades, de naturezas distintas duas as duas. O eixo produto de medidas ou comparação múltipla trata da composição cartesiana de duas quantidades de mesma natureza para determinar uma terceira, o que requer uma relação terciária. Já o eixo proporções múltiplas, também, refere-se a relações quaternárias, em que há mais de duas quantidades relacionadas duas a duas. (VERGNAUD, 2009a).

Diante desse contexto, para aprofundar os entendimentos acerca do campo das estruturas multiplicativas, recorre-se ao esquema (Figura 13) elaborado pelos pesquisadores Magina, Merlini e Santos (2011), fundamentados nas ideias de Vergnaud (2009a) e Nunes et al. (2009). Entende-se que esse modelo sintetiza os diferentes conjuntos de situações desse campo, bem como, contribui para as pesquisas no que tange a categorização das situações e para as escolhas didáticas dos professores.

No esquema, verifica-se as duas relações que abrangem as situações multiplicativas, destacadas por Vergnaud (2009a): quaternárias e terciárias. As relações quaternárias são constituídas por dois eixos: proporção simples e proporção múltipla e nas terciárias destaca-se os eixos: comparação multiplicativa e produto de medidas.

Como o foco desta pesquisa é o raciocínio proporcional e a proporcionalidade descreve- se com maiores detalhes as relações quaternárias, evidenciando seus dois eixos (proporção

simples e múltipla). Quanto as relações terciárias49, destaca-se apenas o eixo comparação multiplicativa, pois esta envolve o conceito de razão, essencial para o desenvolvimento do raciocínio proporcional.

Figura 13: Esquema do Campo Conceitual Multiplicativo

Fonte: Organizado com base em Magina, Merlini, Santos (2011, p. 6)

O eixo proporção simples envolve uma relação entre quatro quantidades, de naturezas distintas duas a duas. Este eixo pode ser subdividido em duas classes de situações: um para

muitos e muitos para muitos. E, estas classes de situações podem envolver variáveis discretas

ou contínuas. Na classe um para muitos, pode-se ter três situações que requerem níveis de complexidade diferentes, a saber: multiplicação, divisão partitiva e divisão quotitiva. (MAGINA; MERLINI; SANTOS; 2011; SILVESTRE, 2012). O formato das situações da classe um para muitos é apresentado no Quadro 2.

Quadro 2: Situações da Classe Um para Muitos

Multiplicação Divisão partitiva Divisão quotitiva Fonte: Elaborado pela autora com base em Silvestre (2012)

49 Ver Santos (2012); Merlini (2012); Gitirana et al. (2014) para uma discussão detalhada do eixo produto de

Nas situações de multiplicação, a quantidade que se relaciona à unidade é dada (1 → 𝑎) e busca-se determinar o valor correspondente a segunda variável de mesma espécie (𝑏 → 𝑥). Estas situações e as demais do eixo proporção simples podem ser resolvidas, conforme Vergnaud (2009a), por meio de duas estratégias de análise: escalar e funcional. A análise escalar centra-se “na noção de operador-escalar (sem dimensão), ela permite passar à outra em uma mesma categoria de medidas” (VERGNAUD, 2009a, p. 247). A análise funcional envolve “a noção 𝑓 de operador-função que permite passar de uma categoria à outra” (VERGNAUD, 2009a, p. 251).

Para ilustrar as situações de multiplicação, apresenta-se o seguinte exemplo: Uma

embalagem contém 5 figuras. José possui 4 embalagens, quantas figuras ele possui? Pode-se

resolver esta situação por meio da adição repetida (5 + 5 + 5 + 5 = 20), um esquema do campo das estruturas aditivas. Destaca-se que, se o intuito é abordar conceitos das estruturas multiplicativas, torna-se importante propor situações que permitam estabelecer rupturas com as estruturas aditivas, visto que o raciocínio multiplicativo é diferente, mais amplo e complexo que o aditivo (NUNES, 2010).

Considerando que essa situação pertence ao campo das estruturas multiplicativas, pode- se mobilizar a análise escalar ou a funcional. Se a escolha for pela análise escalar (Figura 14), verifica-se que 1 e 4 são números que designam a mesma medida (quantidade de embalagens), 5 e 𝑥 (na figura representada pelo símbolo ?) são números que, também, representam a mesma medida (quantidade de figuras). Os operadores verticais × 4 não tem dimensões (escalares), pois as quantidades são implicadas conforme a grandeza que representa, neste caso, (embalagens/embalagens ou figuras/figuras), permitindo passar de uma linha a outra na mesma categoria de medidas.

Figura 14: Exemplo situações um para muitos – multiplicação – Análise Escalar

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

Caso a análise funcional seja escolhida (Figura 15), realiza-se a passagem de uma categoria de medida à outra, ou seja, o número de figuras é igual a taxa (5 - número de figuras

por embalagens) multiplicado pelo número de embalagens. Em outras palavras, utilizar a análise funcional significa identificar a relação entre as variáveis de naturezas diferentes (constante de proporcionalidade), utilizando a relação de proporcionalidade (𝑓(𝑥) = 𝑘𝑥 em que 𝑘 é uma constante ou taxa).

Figura 15: Exemplo situações um para muitos – multiplicação – Análise Funcional

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

A Figura 16 expõe a representação auxiliar de transição, sugerida por Duval (2011, 2012) para a resolução de problemas multiplicativos. Para a situação, apresentada acima, a representação tabular permite colocar os dados da situação em correspondência um para muitos e verificar a relação fixa entre as duas variáveis (embalagens e figurinhas). Contudo, essas análises (escalar e funcional) e representações auxiliares de transição, geralmente, não são utilizadas por estudantes da Educação Básica (DUVAL, 2011; GITIRANA et al., 2014; SANTOS, 2012; SILVESTRE, 2012; VERGNAUD, 2009a). Talvez por não serem incentivadas e/ou abordadas nos materiais curriculares ou porque ainda há uma ênfase para o entendimento da multiplicação como a soma de parcelas iguais.

Figura 16: Representação Auxiliar de Transição

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

As situações de divisão são classificadas em dois modelos, a saber: partitiva (partilha equitativa) e quotitiva (medida). A divisão partitiva refere-se ao ato de dividir quantidades de naturezas diferentes. Nestas situações, o intuito é determinar o valor unitário 𝑓(1). Estas situações são, geralmente, exploradas com maior ênfase na escola do que as envolvendo divisão quotitiva (GITIRANA et al., 2014). Exemplificando as situações de divisão partitiva: Quatro

embalagens iguais contêm 20 figuras. Quantas figuras há em cada embalagem? Se a estratégia

escolhida for a análise escalar, constata-se que para passar de uma linha a outra (Figura 17) na mesma categoria de medida é preciso dividir por 4, neste caso, o número 4 não tem mais dimensão (operador-escalar).

Figura 17: Exemplo situações um para muitos – divisão partitiva – Análise Escalar

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

Se for utilizada a estratégia funcional (Figura 18), verifica-se que o número de figuras por embalagem é 5 (taxa). Na representação algébrica a situação é dada por: 𝑓(𝑥) = 5𝑥, em que 𝑓(𝑥) representa o número total de figuras e 𝑥 a quantidade de embalagens (𝑓: ℕ → ℕ).

Figura 18: Exemplo situações um para muitos – divisão partitiva – Análise Funcional

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

Correa e Spinillo (2004, p. 110) chamam a atenção para as situações envolvendo divisão partitiva (distribuição) porque a resolução pode ser feita recorrendo a um

[...] raciocínio aditivo em que vai acrescentando mais um elemento a cada rodada até que não haja mais elementos para uma nova distribuição. No entanto, dividir, como

uma operação multiplicativa, implica que a criança possa também prestar atenção às relações entre as quantidades em jogo. Implica, em outras palavras, poder estabelecer relações de covariação entre os termos envolvidos na operação.

Verifica-se na citação acima que é importante pensar sobre as relações de covariação, variação entre medidas do mesmo espaço, bem como sobre a invariância, variação entre medidas de espaços diferentes, para compreender a divisão como operação multiplicativa. Em outros termos, tem-se duas variáveis e uma relação fixa.

Em relação à divisão quotitiva, esta refere-se ao processo de dividir quantidades de mesma natureza. Em tais situações, o objetivo é determinar o valor de 𝑥, conhecendo 𝑓(𝑥) e 𝑓(1). Por exemplo, “Uma embalagem contém 15 figuras. Quantas embalagens acondicionam

75 figuras?”. A figura 19 mostra resolução por meio da estratégia escalar.

Figura 19: Exemplo situações um para muitos – divisão quotitiva – Análise Escalar

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

Segundo Gitirana et al. (2014, p. 62), nas situações de divisão quotitiva os estudantes não entendem, por exemplo, como dividir 75 figuras por 15 figuras, resulta em 5 embalagens. O número de embalagens é compreendido pelo estudante como uma nova grandeza, principalmente, quando a resolução evidencia o cálculo numérico. Neste sentido, “o uso da razão já não é mais tão simples, pois ela terá que ser identificada pelos estudantes sem o valor da unidade”. Talvez, a identificação da relação entre as variáveis de naturezas diferentes (análise funcional) seja a estratégia que melhor justifique a variável embalagens na solução da situação (Figura 20), pois são: 75 𝑓𝑖𝑔𝑢𝑟𝑎𝑠 ÷ 15 ( 𝑓𝑖𝑔𝑢𝑟𝑎𝑠

Figura 20: Exemplo situações um para muitos – divisão quotitiva – Análise Funcional

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

Assim, ao utilizar as análises escalar ou funcional para resolver situações da classe um

para muitos pode-se identificar dois teoremas-em-ato essenciais à compreensão da

proporcionalidade: preservação da razão – se o número de figuras quadriplica o número de embalagens também (a razão é sempre mantida), cujo teorema matemático é dado por: 𝑓(𝑛𝑥) = 𝑛𝑓(𝑥), ∀ 𝑛, 𝑥 𝜖 ℝ ; taxa – o número de figuras é igual a taxa (número de figuras por embalagem) multiplicado pelo número de embalagens (propriedade linear da proporcionalidade), cujo teorema matemático é dado por: 𝑓(𝑥) = 𝑘𝑥, em que 𝑘 é a taxa. Essas análises permitem evidenciar o raciocínio proporcional envolvido na resolução das situações um para muitos, assim como a proporcionalidade como função.

Na classe muitos para muitos (quarta proporcional - Figura 21) tem-se os problemas que na escola, geralmente, são resolvidos somente pela “regra de três”. Nestas situações, o valor da unidade é desconhecido, ou seja, o valor correspondente a taxa está implícito.

Figura 21: Situações da Classe Muitos para Muitos

Fonte: Elaborada pela autora com base em Silvestre (2012)

O exemplo (Figura 22) mostra uma situação da classe muitos para muitos e resolução pelas análises escalar e funcional. Na resolução apresentada a esquerda há um operador escalar que transforma as quantidades do mesmo tipo. Já a resolução a direita utiliza a relação linear funcional entre os elementos correspondentes dos espaços de medidas.

Figura 22: Exemplo situações muitos para muitos

3 novelos de lã pesam 200 gramas. São necessários 8 para fazer um pulôver. Qual vai ser o peso do pulôver?

Fonte: Adaptado de Vergnaud (2009a, p. 240)

Para resolver essa situação por meio da análise escalar o estudante pode buscar o valor correspondente a unidade (se 3 novelos correspondem a 200 g, então 1 novelo corresponde a 𝑥 g) e assim trabalharia com um escalar inteiro ou determinaria o número racional que permite solucionar a situação (que é a aplicação sucessiva de dois operadores ÷ 3 e × 8). Na análise funcional o operador 𝑓 desta situação é dado por 200 𝑔

3 𝑛𝑜𝑣𝑒𝑙𝑜𝑠. Segundo Vergnaud (2009a, p. 252)

a “análise dessa correspondência em termos de função é, [...], muito mais delicada porque implica não somente a noção de relação numérica, mas também aquela de quociente de dimensões (no caso, gramas/novelos)”.

Acredita-se que as dificuldades sublinhadas por Vergnaud (2009a) na utilização da análise funcional estão relacionadas, em especial, a identificação das estruturas centrais do conceito de função, a saber: variável, correspondência, dependência, regularidade e generalização (CARAÇA, 2003), imprescindíveis ao conceito de proporcionalidade, visto que este está presente no pensamento multiplicativo implícita ou explicitamente e faz parte do campo conceitual das funções.

Para Pavan (2010) o conceito de multiplicação se constrói e ao mesmo tempo serve de apoio ao desenvolvimento das ideias básicas do conceito de função. Compreende-se que as concepções de Pavan (2010) são relevantes mas, para tanto, o pensamento funcional deveria ser abordado desde os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e as situações propostas estariam voltadas para o tipo de variação e dependência das variáveis envolvidas, principalmente, nas situações proporcionais. Além disso, o trabalho com as representações auxiliares de transição, evidenciado por Duval (2011, 2012), por exemplo, tabular precisa ser intensificado, visto a

importância destas representações para a compreensão dos enunciados dos problemas multiplicativos.

A operação cognitiva, colocar em correspondência, indicada por Duval (2011, 2012) como uma das atividades mais importantes da Matemática, também é destacada por Correa e Spinillo (2009) como fundamental para solucionar problemas de natureza multiplicativa porque está relacionada as estratégias intuitivas utilizadas pelos sujeitos aprendizes na resolução das situações.

Ressalta-se que na maioria das vezes as situações da classe muitos para muitos são trabalhadas apenas a partir do 7º ano. Contudo, pesquisadores (MERLINI, 2012; NUNES, 2010; OLIVEIRA, 2000, 2009; SANTOS, 2012) mostraram que estudantes de anos inferiores conseguem resolver, com sucesso, estes problemas sem recorrer a algoritmos. No que tange ao desempenho dos estudantes ao resolverem situações da classe muitos para muitos, Gitirana et al. (2014) realizaram um teste diagnóstico com 504 estudantes do Ensino Fundamental (2º ao 9º ano) das escolas públicas de São Paulo (SP), corroborando com os pesquisadores citados acima, mas mostrando que os melhores resultados são dos estudantes do 7º ano (65% de acertos). Infere-se que este resultado esteja relacionado a ênfase dada, neste ano, para as questões relacionadas a proporcionalidade.

As situações que pertencem ao eixo comparação multiplicativa envolvem duas variáveis de mesma natureza que “são comparadas de forma multiplicativa por um escalar (razão ou relação) - sendo uma o referente e outra o referido” (GITIRANA et al., 2014, p. 45). Estas situações são propostas desde o início da escolarização quando os conceitos de dobro, metade, entre outros são trabalhados, principalmente, na introdução de número racional. As atividades requerem que o estudantes determinem, por exemplo, quanto é 1/3 de 24 balões. Nesta situação, a interpretação do número racional mobilizada é de operador multiplicativo (na subseção 2.3.2 há mais detalhes acerca desta interpretação do número racional).

No eixo comparação multiplicativa há duas classes: referido desconhecido e relação desconhecida. Exemplificando: José tem o quádruplo da idade de seu filho, que tem 10 anos.

Qual é a idade de José? Nesta situação (Figura 23), a idade do filho é o referente (informação

necessária para se fazer a comparação), a idade de José é o referido (informação que é comparada) e o quádruplo representa a razão de comparação.

Figura 23: Exemplo situações comparação multiplicativa

Fonte: Elaborada pela autora com base em Vergnaud (2009a)

A atividade (Figura 24) exemplifica uma situação relação/razão desconhecida. Nesta atividade, na letra 𝑎 é dado o referente (número de robôs - 6) e o referido (número de computadores - 2), é preciso determinar a relação/razão (quantas vezes o número de robôs é maior que o número de computadores). Já na letra 𝑏 é dado o referente (número de espaçonaves - 4) e o referido (número de computadores - 2), é preciso determinar a relação/razão (quantas vezes o número de espaçonaves é maior que o número de computadores).

Figura 24: Exemplo de atividade envolvendo comparação multiplicativa – relação desconhecida

Fonte: Livro didático do 2º ano Anos Iniciais (DANTE, 2011, p. 204)

Outro aspecto, proposto por Vergnaud (2009a) para o ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos acerca do campo das estruturas multiplicativas, que merece destaque é a noção de relação e de cálculo relacional. “A noção de relação é uma noção absolutamente geral. O conhecimento consiste, em grande parte, em estabelecer relações e organizá-las em sistemas”. (VERGNAUD, 2009a, p. 23). Para o pesquisador, a noção de cálculo relacional

possibilita esclarecer e explicitar a noção, “muito vaga”, de raciocínio, pois este tipo de cálculo envolve mais que operações usuais da matemática (cálculo numérico).

Em outros termos, envolve também as operações de pensamento fundamentais para que a manipulação das relações envolvidas na situação seja possível (GITIRANA et al., 2014). Assim, ao escolher as situações o professor pode e deve levar em conta a classe de problemas, pois abordar a mesma classe, na maioria das vezes, prejudica o estudante na ampliação do seu conhecimento em relação ao cálculo relacional.

Ao tratar de raciocínio, em específico, o raciocínio matemático, recorre-se as ideias de Oliveira (2009, p. 55, tradução nossa) que entende este como “uma atividade que permite as pessoas organizarem seu conhecimento, numa sequência lógica que lhes permite atingir uma conclusão, e, assim, produzir novos conhecimentos50”. Há diferentes tipos de raciocínios matemáticos mobilizados no fazer matemática, a saber: intuitivo (presente na produção da matemática, na formulação de novas conjecturas a serem testadas e validadas posteriormente); lógico-dedutivo (próprio da Álgebra e Geometria, baseado em suposições explícitas, está relacionado às provas de propriedades em todos os campos da Matemática); visão geométrico- espacial (relacionada ao entendimento da geometria e de suas aplicações); e, não-determinístico (ligado a estatística e a probabilidade) (BRASIL, 2014).

Neste sentido, compreende-se que a materialização do cálculo relacional (raciocínio matemático) nas situações do campo das estruturas multiplicativas pode se dar por meio da

representação auxiliar de transição, representação tabular. Esta representação auxiliar

contribui na conversão dos demais registros (numérico, algébrico, gráfico), discriminando as unidades de sentido do conteúdo das representações, proporcionando a aquisição do conceito de proporcionalidade e o desenvolvimento do raciocínio proporcional.

Entende-se que as discussões já mencionadas sobre aprendizagem matemática, na perspectiva de Duval (2004, 2011, 2012), e as problematizações da natureza multiplicativa do raciocínio proporcional e da proporcionalidade, sob a ótica de Vergnaud (1993, 1996, 2009a), ainda, exigem aproximações e, principalmente, diferenças no que tange a gama de conceitos matemáticos a eles relacionados, principalmente, relações com os números racionais. Assim, na próxima seção apresenta-se as ideias de Lamon (2007, 2008) para o desenvolvimentos do raciocínio proporcional e aquisição do conceito de proporcionalidade.

50 [...] raisonnement mathématique est une activité qui permet aux individus d'organiser leurs connaissances, en

suivant une certaine logique qui leur permet d'arriver à une conclusion, et par là de produire de nouvelles connaissances.