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A dignidade da pessoa humana consiste em um dos maiores fundamentos da República Federativa do Brasil, compreendida como a oferta de oportunidades pelo Estado que tenham por fim o desenvolvimento do ser humano, na medida de suas potencialidades e limitações de cada cidadão.25

As pessoas portadoras de necessidades especiais ou portadores de deficiência possuem dificuldades adicionais que refletem em sua vida, seja esta individual ou social. Atos que para a maioria das pessoas são vistos como comuns, para os portadores de deficiência demandam certo esforço, por vezes, atos de superação.26

Buscando efetivar os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, a CF prescreveu uma série de direitos para os portadores de necessidades especiais, visando assegurar instrumentos para a inclusão social destes cidadãos.

Neste sentido, estabeleceu também a CF, em seu art. 37, VIII: “a lei reservará percentual dos cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência e definirá os critérios de sua admissão.”27

Conforme explícito no artigo constitucional, acima citado, ficou a cargo da lei dispor sobre os critérios de admissão dos deficientes físicos nos quadros da Administração Pública.

O decreto 3.298/99, baixado para regular a Lei 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, estabeleceu em seu art. 37 que fica assegurado à pessoa portadora de deficiência o direito de se inscrever em concurso público, tendo direito a igualdade de condições com os demais candidatos para os cargos compatíveis com a deficiência apresentada. Estabelece ainda a reserva de no mínimo 5% das vagas para os deficientes físicos.28

Por sua vez a Lei 8.112/90 que dispõe sobre o Regime Jurídico dos Servidores Públicos da União, em seu art. 5º, § 2º, estabelece que até 20 % das vagas dos concursos públicos deveriam ser destinadas aos portadores de deficiência.

25 MOTTA, Fabrício. A reserva de vagas nos concursos públicos para os portadores de deficiência – análise do

art. 37, inc. VIII da Constituição Federal. MOTTA, Fabrício et al. (Org.). Concurso público e constituição. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 184.

26 MAIA, Márcio Barbosa; QUEIROZ, Ronaldo Pinheiro de. O regime jurídico do concurso público e o seu

controle jurisdicional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 216.

27

BRASIL, 2007, p. 22.

Com isto, buscou o legislador reduzir as desigualdades que a própria natureza impôs ao portador de necessidade especial, dando ao princípio da isonomia um caráter formal.29

Seguindo este entendimento, o objetivo da constituição foi evitar a ocorrência de discriminações para com os portadores de deficiência, que apesar de suas limitações poderiam exercer várias atividades no mercado de trabalho. Neste sentido, importante citar novamente o princípio da dignidade da pessoa humana (art 1º, III da CF)30 e o princípio do valor social do trabalho (art 1º IV, CF).31

O constituinte, ainda vedou, no art. 7º, XXXI, qualquer discriminação ao portador de deficiência no tocante ao salário e critérios de admissão.

Entre os diversos casos envolvendo portadores de necessidades especiais e sua participação nos concursos públicos, é interessante destacar a questão dos portadores de deficiência visual.

Em 2005, um advogado, portador de deficiência visual completa, teve sua inscrição indeferida no concurso para juiz federal substituto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.32 Em 1999, uma candidata cega também teve sua inscrição indeferida para o concurso da magistratura e, à época, ficou escrito que a deficiência que a candidata apresentava indicava incapacidade absoluta com o exercício da magistratura.33

O Procurador da República Ricardo Tadeu Marques da Fonseca é o único membro do Ministério Público no país, com deficiência visual completa e exerce a função há mais de quinze anos. Realizou tal concurso após ter sido reprovado no exame médico para o cargo de juiz.34

Acerca do tema, cumpre registrar a decisão proferida pelo STJ em recurso ordinário interposto contra decisão que denegou a ordem no mandado de segurança impetrado

29 MOTTA, 2007, p. 188.

30 Art 1º da CF: A República Federativa do Brasil, formada epla União indissolúvel dos Estados e Municípios e

do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...]

III – a dignidade da pessoa humana.

31 Art 1º, IV CF:

[...]

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa.

32 FREIRE, Silvia. Cego é barrado em concurso para juiz federal. Disponível em:

<http://www.prt7.mpt.gov.br/mpt_na_midia/2005/julho/29_07_05_FOLHA_cego_barrado_concurso_federal.h tmacesso>. Acesso em: 27 out. 2008.

33

SANTANA, Jair Eduardo. Concurso público. Instrumento constitucional de investidura em cargos e empregos públicos. Restrições usualmente inseridas nos editais e o princípio da isonomia. Observância do prazo de validade do concurso. Preterição de ordem e seus efeitos. Fórum Administrativo - Dir. Público, Belo Horizonte, ano 6, n. 69, p. 8095-8104, nov. 2006.

34

AMIGOS METROVIÁRIOS DOS EXCEPCIONAIS. O ser humano pode ter limitações mas não tem limites. <http://www.ame-sp.org.br/noticias/entrevista/teentrevista01.shtml>. Acesso em: 27 out. 2008.

por uma candidata portadora de deficiência visual, inscrita no concurso público para o cargo de auxiliar técnico para o quadro de servidores do Ministério Público do Estado do Paraná:

RECURSO ORDINÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - CANDIDATO PORTADOR DE NECESSIDADE ESPECIAL - DEFICIÊNCIA VISUAL - RESERVA DE VAGAS PREVISTAS EM EDITAL - PRETERIÇÃO DO CANDIDATO EM RAZÃO DA LIMITAÇÃO FÍSICA - INCONSTITUCIONALIDADE - RECURSO PROVIDO.

1. Reconhece-se como discriminação legal em concurso público a chamada reserva de vagas para os portadores de necessidades especiais, prevista no art. 37, inciso VIII, CR⁄88; no art. 2º, inciso III, alínea ”d”, da Lei nº 7.853⁄89; no art. 5º, § 2º, da Lei nº 8.112⁄90, e no art. 37 do Decreto nº 3.298⁄99.

2. Se a lei e o edital previram a reserva de vagas aos portadores de necessidades especiais e se a autoridade coatora aceitou a inscrição e submeteu a candidata a exames objetivos, não há motivo para não nomeá-la, pela simples alegação de sua limitação total da visão.

3. O serviço público deve ser tecnologicamente aparelhado para o desempenho de atividades por agentes portadores de necessidades especiais, para atender ao princípio da isonomia e da ampla acessibilidade aos cargos públicos.

4. Recurso provido.35

O Relator do processo, Ministro Paulo Medina, em seu voto, expõe que a igualdade exigida nos concursos públicos deve ser analisada pelo ponto de vista material, pois segundo ele, quando a lei trata a todos de forma isonômica é porque distingue-se efetivamente, em razão de raça, sexo, cultura. Por tal motivo, torna-se de suma importância reconhecer estas diferenças e valer-se de um tratamento diferenciado, a seu ver, a única forma de realizar a verdadeira justiça.36

Quanto ao percentual de vagas destinadas aos portadores de deficiência, surgem controvérsias sobre a convocação destes candidatos e dos demais que não apresentam qualquer deficiência. O art. 42 do Decreto 3.298/99 determina que o resultado final do concurso deva ser divulgado em duas listas: uma geral e outra especial. A primeira conterá a classificação final de todos os candidatos aprovados; e a segunda, somente a classificação dos candidatos portadores de necessidades especiais.37

No entendimento doutrinário de Maia Barbosa Maia, para a nomeação ou contratação dos aprovados devem ser chamados alternada e proporcionalmente os candidatos das duas listas.38

35 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em mandado de segurança Nº 18.401 /PR. Relator Min.

Paulo Medina, 07 de abril de 2006. Disponível em:

<https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200400777452&dt_publicacao=02/05/2006>. Acesso em: 13 out. 2008.

36 BRASIL, op. cit. 37

MAIA; QUEIROZ, 2007, p. 220.

Cumpre registrar entendimento do STJ sobre tal questão:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA.

CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE CARGOS DE

PROCURADOR FEDERAL. EDITAL CESPE⁄UnB 1⁄2005. PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO E DE FALTA DE INTERESSE DE AGIR. REJEIÇÃO. CRITÉRIOS ADOTADOS NO EDITAL. NÃO-IMPUGNAÇÃO. PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. LISTA GERAL DE CANDIDATOS APROVADOS E CLASSIFICADOS. INOBSERVÂNCIA DO PERCENTUAL FIXADO. ART. 37, § 2º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ART. 5º, § 2º, DA LEI 8.112⁄90. SEGURANÇA CONCEDIDA EM PARTE.39

Posiciona-se o STJ, no sentido de que, no caso do não preenchimento de todas as vagas destinadas aos portadores de deficiência pelos candidatos, devem ser chamados os demais candidatos que se enquadrem na mesma condição, ainda que não tenham obtido a classificação estipulada pelo edital do concurso. Ilustrando tal entendimento, extrai-se o seguinte trecho do acórdão acima citado:

Desse modo, todos os candidatos portadores de deficiência aprovados, ainda que com média inferior aos demais, deveriam, para dar efetividade à norma constitucional, posicionar-se dentro do número total de vagas previsto, e não simplesmente de acordo com a nota final obtida.

8. Segurança concedida em parte para reconhecer aos impetrantes o direito de figurarem nas posições 269 e 270, respectivamente, na lista geral de candidatos aprovados e classificados do certame em tela.40

Ainda sobre o tema:

ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CONCURSO.DEFIENTE FÍSICO. ARTIGO 37, VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTIGO 5°, § 2°, DA LEI N° 8.112/90. RESER VA DE VAGAS. OBRIGATORIEDADE. A inércia do administrador público em não reservar percentual de vagas destinadas a deficiente físico, providência determinada pelo artigo 37, VIII, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 5°, § 2°, da Lei n° 8.112/90, não pode obstar o cumprimento do mandamento constitucional e afastar o direito assegurado aos candidatos de concurso portadores de deficiência. Recurso não conhecido.41

39 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Mandado de segurança 11.983/DF. Relator Min. Arnaldo Esteves de

Lima, 22 de outubro de 2006. Disponível em:

<https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200601364091&dt_publicacao=09/05/2008>. Acesso em: 15 out. 2008.

40 Ibid.

41 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 331.688/RS. Relator Min. Paulo Gallotti, DF, 20 de

março de 20083. Disponível em:

<http://www.stj.gov.br/webstj/processo/Justica/detalhe.asp?numreg=200100938430&pv=010000000000&tp= 51>. Acesso em: 15 out. 2008.

O STF mantém esta linha de pensamento, acompanhando o entendimento do STJ:

ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGAS PARA PORTADORES DE DEFICIÊNCIA. ARTIGO 37, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A exigência constitucional de reserva de vagas para portadores de deficiência em concurso público se impõe ainda que o percentual legalmente previsto seja inferior a um, hipótese em que a fração deve ser arredondada. Entendimento que garante a eficácia do artigo 37, inciso VIII, da Constituição Federal, que, caso contrário, restaria violado. Recurso extraordinário conhecido e provido.42

Os posicionamentos jurisprudenciais, ora analisados, partem do pressuposto de que a igualdade exigida nos concursos públicos refere-se à igualdade material. Demonstram que, para que os portadores de deficiência tenham direito de participar de concursos públicos, faz-se necessária à compatibilidade das atribuições do cargo com a deficiência da qual o candidato é possuidor, justificando-se tal fato pela supremacia do interesse social. Além disto, o serviço público deve adequar-se tecnologicamente para tender aos seus agentes portadores de necessidades especiais.