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Muitos certames incluem a realização de testes de aptidão física como uma de suas fases. Essa imposição implica em vários questionamentos ao judiciário a acerca da legalidade e constitucionalidade desta espécie de avaliação.

Celso Spitzcowsky entende que a prova de avaliação física poderá ser realizada durante o concurso público se possuir amparo legal e se a exigência for compatível com a natureza do cargo a ser preenchido12, isto porque a CF deixou a critério do legislador a criação de requisitos diferenciadores em lei específica, conforme citado no art. 39, § 3º: “podendo a lei estabelecer requisitos diferenciados de admissão quando a natureza do cargo o exigir.”13

O teste de aptidão física terá sua legitimidade comprovada “para a apuração da eficiência dos candidatos tão somente se houver uma compatibilidade com a natureza e a complexidade dos cargos colocados em disputa, bem como anterior previsão em lei.”14

Neste sentido, apresenta-se a jurisprudência do Superior Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que este tipo de avaliação pode ocorrer somente com a expressa previsão na lei que deu origem ao cargo. Expressam ainda, que “o edital de concurso público não pode limitar o que a lei não restringiu.”

Tal entendimento é extraído da decisão do STJ, que declarou ilegal o teste físico realizado durante o concurso público da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina:

DIREITO ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. RECURSO PROVIDO.

1. O início do curso de formação não implica perda do objeto da demanda na qual o candidato busca a anulação do ato que o excluiu do certame.

11 SPITZCOVSKY, 2004, p. 29. 12 Ibid., p. 80.

13

BRASIL, 2007, p. 23

2. O edital de concurso público não pode limitar o que a lei não restringiu. Ou seja, somente pode haver exigência de teste de capacidade física se houver previsão na lei que criou o cargo. Precedentes do STF e do STJ. 3. Hipótese em que não há previsão na Lei Estadual 6.843/86 (Estatuto da Polícia Civil do Estado de Santa Catarina) para o teste de aptidão física a que foi submetida a recorrente, pelo que descabida sua exigência. 4. Recurso ordinário provido.15

Essa decisão foi orientada pelo voto proferido pelo ministro Arnaldo Esteves Lima, relator do referido processo que concluiu que, diante da ausência de previsão legal, torna-se descabido a realização de teste de avaliação física.

[...]

Sobre o tema, é firme a jurisprudência, tanto no Supremo Tribunal Federal quanto no Superior Tribunal de Justiça, no sentido de que o edital de concurso público não pode limitar o que a lei não restringiu. Ou seja, somente pode haver exigência de teste de capacidade física se houver previsão na lei que criou o cargo. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. PREVISÃO LEGAL. INEXISTÊNCIA. O edital do concurso não pode limitar o que a lei não restringiu. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no RE 398.567/SE, Rel. Min. EROS GRAU, Primeira Turma, DJ 21/2/06)

RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. CAPACIDADE FÍSICA. PREVISÃO LEGAL E EDITALÍCIA. LEGALIDADE. I – Previsão legal de que a capacidade física é requisito para o provimento de cargos de delegados de polícia civil, o que viabiliza a norma do edital que estabeleceu o meio para atestar tal condicionamento. II - Aprovação condicionada à capacidade física para o exercício do cargo de delegado de polícia, a ser avaliada por meio de prova descrito no edital do concurso. In casu, este requisito não foi atendido. V - Recurso ordinário desprovido. (RMS 18.854/PB, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, DJ 20/2/06)

[...].16

A propósito do tema, confira-se a seguinte decisão do STF:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

PREQUESTIONAMENTO. EXISTÊNCIA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. CANDIDATA SUBMETIDA A PARTO OITO DIAS ANTES. NOVA DATA. DESIGNAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. A oposição de embargos declaratórios visando à manifestação do Tribunal a quo sobre matéria anteriormente suscitada atende ao requisito do prequestionamento, ainda que persista a omissão. 2. Permitir que a agravada realize o teste físico em data posterior não afronta o princípio da isonomia nem consubstancia qualquer espécie de privilégio. A própria situação peculiar na qual a agravada se encontrava requeria, por si só, tratamento diferenciado.17

15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em mandado de segurança nº 23.111/SC. Relator Min.

Arnaldo Esteves Lima, 27 de agosto de 2008. Disponível em:

<https://ww2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200602469183&dt_publicacao=20/10/2008 >. Acesso em: 13 out. 2008.

16 Ibid.

17 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental no recurso extraordinário nº 376.607-4/DF.

Relator Min. Eros Grau, 28 de março de 2006. Disponível em:

Esta decisão foi orientada pelo voto do relator Ministro Eros Grau, que concluiu que uma deficiência física transitória não bastaria para eliminar o candidato do certame e que, devido às circunstâncias especiais do caso, não haveria violação ao princípio da isonomia.

[...]

No mérito também não assiste razão às argumentações do agravante. Na data designada para realização do exame de aptidão física, a ora agravada ainda recuperava-se do parto realizado à oito dias. Daí o fato de encontrar-se plenamente impossibilitada de participar dessa fase do certame naquele momento.

[...]

Ademais, a agravada não pretende eximir-se da realização do exame, apenas requer a designação de nova data para que possa participar dele, após o período de licença- maternidade.18

Em sentido contrário, manifestou-se o STF, em decisão que negou ao candidato submetido ao exame de aptidão física para o cargo de escrivão de polícia do Estado do Rio Grande do Norte, acometido de lesão temporária, ocorrida durante a realização da referida prova, o direito de realizar o teste em nova data, cassando a segurança concedida em instância inferior.

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ISONOMIA. CONCURSO PÚBLICO. PROVA DE APTIDÃO FÍSICA. LESÃO TEMPORÁRIA. NOVA DATA PARA O TESTE. INADMISSIBILIDADE. 1. Mandado de segurança impetrado para que candidata acometida de lesão muscular durante o teste de corrida pudesse realizar as demais provas físicas em outra data. Pretensão deferida com fundamento no princípio da isonomia. 2. Decisão que, na prática, conferiu a uma candidata que falhou durante a realização de sua prova física uma segunda oportunidade para cumpri-la. Benefício não estendido aos demais candidatos. Criação de situação anti-isonômica. 3. Recurso extraordinário conhecido e provido.19

O voto da Relatora, Ministra Ellen Gracie expressa-se no sentido de que a permissão para realizar o novo teste de aptidão física viola não somente o princípio da igualdade, como também o princípio da impessoalidade. Confira-se:

[...]

Na realidade, ao acolher a pretensão da recorrida, a Corte de origem conferiu a uma candidata que falhou durante a realização de sua prova física uma segunda oportunidade para cumpri-la. Por isso, longe de dar efetividade ao princípio ora em discussão, ofendeu ao princípio da impessoalidade, com a criação de um benefício não estendido aos demais candidatos.

É certo que o princípio da isonomia pressupõe a criação de distinções entre pessoas que estejam em situações diversas, contudo esta discriminação precisa basear-se em pressupostos genéricos e impessoais. O afastamento da disposição editalícia ora em

18 BRASIL, loc. cit.

19 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário nº 351142/ RN. Relatora Min Ellen Gracie, 31

de maio de 2005. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp>. Acesso em: 13 out. 2008.

debate premiou a impetrante em detrimento dos demais candidatos que não lograram êxito.20

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina segue este posicionamento:

MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. FORMAÇÃO DE SOLDADO AO QUADRO COMBATENTE DO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR. PROVA DE CAPACIDADE FÍSICA. PREVISÃO LEGAL.

REPROVAÇÃO. CANDIDATO ACOMETIDO DE MAL ESTAR.

IMPOSSIBILIDADE DE RENOVAÇÃO DAS PROVAS EM OUTRA DATA. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. 1. A aplicação do exame de capacidade física para ingresso na carreira policial-militar tem previsão legal (art. 11, da lei 6.218/83) e, como tal, é intuitivo que tenha natureza eliminatória, segundo contempla o edital do concurso público. 2. O candidato que, no transcorrer das provas de capacidade física, é acometido de mal estar (acesso de náuseas e vômitos) não tem o direito de repetir ou completar os testes em outra data. Liberalidade dessa ordem implica quebra do princípio da isonomia, aquinhoando o candidato com tratamento diferenciado em confronto com os demais candidatos que se submeteram aos mesmos testes, enfrentando as mesmas condições de temperatura, adaptação ao local, metodologia dos instrutores ou examinadores, desgaste físico e pressão psicológica.21

Interessante destacar, ainda sobre o exame de avaliação física, o posicionamento do Tribunal de Justiça de Santa Catarina acerca da imposição de critérios diferenciados de tratamento durante o teste físico:

EMENTA: CONCURSO PÚBLICO - CURSO DE FORMAÇÃO DE SARGENTO DO QUADRO COMBATENTE DA POLÍCIA MILITAR DE SANTA CATARINA - EXAME DE AVALIAÇÃO FÍSICA - CRITÉRIOS DIFERENCIADOS PARA CANDIDATOS INTEGRANTES DA CORPORAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - LESÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. Considerando que a finalidade precípua da norma constitucional que determina a realização de concurso público para o ingresso nos quadros funcionais da Administração Pública em geral é, justamente, prestigiar o princípio da isonomia, é flagrantemente ilegal a exigência de Edital de concurso que estabeleça critérios diferenciados para a avaliação dos candidatos em razão de suas características subjetivas.22

O Relator do processo, desembargador Nicanor Calirio da Silveira, defende a impossibilidade da concessão de vantagens ou privilégios a determinadas pessoas ou servidores, devido à criação da desigualdade entre os concorrentes.

20 BRASIL, loc. cit. 21

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Mandado de segurança nº 2006.000011-8. Relator Des. Nilton Janke, 14 de junho de 2006. Disponível em:

<http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qID=AAAIQGAATAAAN40ABH&qTodas= 2006.000011-8.+&qFrase=&qUma=&qCor=FF0000>. Acesso em: 13 out. 2008.

22

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Mandado de Segurança nº 2004.016207-3. Relator Des. Nicanor Calirio da Silveira, 8 de junho de 2005. Disponível

em:<http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qTodas=2004.016207-

3&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qFor o=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10&qID=AAAIQGAATAAAQ RpAAX>. Acesso em: 13 out. 2008.

Trata-se de mandado de segurança impetrado com o objetivo de ver reconhecida a ilegalidade da decisão administrativa que desclassificou candidato de concurso público destinado ao preenchimento do cargo de sargento da Polícia Militar de Santa Catarina, em face de ter a mesma sido fundamentada em critérios discriminatórios. [...]

Discorrendo acerca dos concursos públicos, leciona Hely Lopes Meirelles:

‘Desde que o concurso visa a selecionar os candidatos mais capazes, é inadmissível e tem sido julgada inconstitucional a concessão inicial de vantagens ou privilégios a determinadas pessoas ou categorias de servidores, porque isto cria desigualdade entre os concorrentes’.

[...]

Assim, considerando que a finalidade precípua da norma constitucional que determina a realização de concurso público para o ingresso nos quadros funcionais da Administração Pública em geral é, justamente, prestigiar o princípio da isonomia, é flagrantemente ilegal a exigência de Edital de concurso que estabeleça critérios diferenciados para a avaliação dos candidatos em razão de suas características subjetivas.23

O STJ demonstrou posicionamento no mesmo sentido:

Recurso em mandado de segurança. concurso publico. Edital. Diferenciação de pontos, na fase classificatoria, para os candidatos ja servidores da sef. principio da isonomia ferido. - os candidatos-impetrantes, que foram aprovados na fase eliminatoria, detem interesse de agir. 1- o mandado de segurança foi impetrado dentro do prazo decadencial, que iniciou com a efetiva ofensa ao subjetivo. 2- o indigitado subitem do edital, de carater discriminatorio, feriu o principio da isonomia, uma vez que concede pontos diferenciados para dois tipos de categorias de candidatos aprovados e ja servidores da sef, em gritante vantagem em relação aos candidatos não-servidores. 3- recurso que se conhece e a que se da provimento, em relação aos impetrantes aprovados na 1a. fase.24

Acompanhando-se os julgados dos tribunais, conclui-se que o teste de aptidão física demonstra-se dotado de legalidade quando mantêm seu caráter eliminatório, observados os preceitos legais. Desta forma, para sua realização é preciso que a lei do cargo preveja expressamente este tipo de avaliação como etapa do concurso público para provimento do cargo em carreira específica.

Além disso, o requisito ‘capacidade física’ deve estar dotado de razoabilidade e proporcionalidade com relação à natureza do cargo a ser preenchido. Observados estes requisitos torna-se, então, constitucional a exigência do teste de avaliação física nos concursos públicos.

23

SANTA CATARINA. Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Mandado de segurança nº 2004.016207-3. Relator Des. Nicanor Calirio da Silveira, 8 de junho de 2005. Disponível

em:<http://tjsc6.tj.sc.gov.br/jurisprudencia/acnaintegra!html.action?qTodas=2004.016207-

3&qFrase=&qUma=&qNao=&qDataIni=&qDataFim=&qProcesso=&qEmenta=&qClasse=&qRelator=&qFor o=&qOrgaoJulgador=&qCor=FF0000&qTipoOrdem=relevancia&pageCount=10&qID=AAAIQGAATAAAQ RpAAX>. Acesso em: 13 out. 2008.

24 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso ordinário em mandado de segurança 7940/MG. Relator

Min. José Arnaldo, 4 de março de 1997. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/webstj/Processo/JurImagem/frame.asp?registro=199600759928&data=14/04/1997>. Acesso em: 13 out. 2008.