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Capacidade de ação das equipes, estrutura física e condições técnico-operacionais

Processos de implementação

DOCUMENTOS EXTERNOS À UFBA

5.2 CONDIÇÕES INSTITUCIONAIS/ORGANIZACIONAIS

5.2.2 Capacidade de ação das equipes, estrutura física e condições técnico-operacionais

Foi consensual nas falas dos 17 entrevistados – gestores, funcionários e representantes estudantis – a afirmação de que a quantidade de profissionais no órgão responsável pela gestão das políticas de permanência na UFBA é insuficiente para atender as demandas, o que revela fortes limitações na capacidade de ação das equipes. Segundo a maioria dos entrevistados, isso se deve ao aumento do número de estudantes nos últimos anos, sem que o número de servidores o acompanhasse. Ao explicar esse aumento dos discentes, o Funcionário 9 salienta que a infraestrutura e os recursos humanos da UFBA não acompanharam esse processo de expansão e a “Universidade está trabalhando acima de sua capacidade, especialmente, com o crescimento dos cursos noturnos, com o aumento do número de estudantes”. Com efeito, um fator que impactou de maneira relevante as estruturas de funcionamento da universidade foi a mudança do perfil dos discentes após o processo de expansão da universidade nos anos 2000 e a instituição do sistema de reserva de vagas, conforme referido. Esse fator se desvela na crescente busca dos estudantes por programas de assistência estudantil, de acordo com os relatos dos servidores do órgão responsável pela política.

É nesse sentido que uma das entrevistadas chama a atenção para a incessante busca por auxílios, serviço e bolsas, os quais têm uma natureza de permanência mais imediata:

[...] eu percebo em geral na Proae é a demanda por recursos, por auxílios. É sempre muito grande e nem sempre a capacidade organizacional, institucional, até de número de funcionários é suficiente pra poder responder a todas as demandas que aparecem, então o que eu vejo é um desafio de tentar se organizar e fazer isso. (Funcionário 5)

Além disso, a reestruturação relativamente recente da instância administrativa e os significativos repasses de recursos do Governo Federal por meio do PNAES, registrados, principalmente, a partir de 2011, influenciaram essa dinâmica de execução de recursos públicos na referida Pró-Reitoria da UFBA.

Estudos sobre a implementação do PNAES (TERRA, 2015; JESUS, 2016; REIS, 2016) têm demonstrado a limitação das condições organizacionais nas IFES para atender à crescente demanda por programas de apoio à permanência. Terra (2015), por exemplo, ao analisar o processo de implementação da Política Pública de Assistência Estudantil na Unifal, Unifei e UFLA constata essa crescente demanda por assistência estudantil em face de políticas que instituíram a reserva de vagas, o Reuni e o Enem/Sisu, sem que os recursos humanos e financeiros acompanhassem esse crescimento.

No IFNMG, Jesus (2016) identifica lentidão nos processos administrativos, os quais resultavam em atraso na distribuição das bolsas/auxílios em razão dos limites organizacionais impostos nos processos de execução da política. Na mesma direção, Reis (2016), ao analisar a trajetória da implementação da Política de Assistência Estudantil no IFB, evidencia que um dos principais problemas identificados foi a insuficiência de funcionários para a execução das ações. Tais limitações impactava os processos de execução, que resultava na lentidão dos procedimentos administrativos e no atraso do pagamento dos auxílios aos discentes. Um dos exemplos da limitação na capacidade de ação das equipes, neste estudo, é demonstrado na discrepância entre os créditos orçamentários recebidos e aqueles efetivamente aplicados na Política de Assistência Estudantil, pois com o crescente aumento dos recursos, parte deles foram devolvidos por não serem executados, o que desvelou a necessidade de profissionais para “melhorar o processo de planejamento das ações” e aperfeiçoar o controle orçamentário (REIS, 2016, p. 8). Essa realidade não se verifica na UFBA, pois os recursos orçados nessa instituição pesquisada são executados, conforme se pôde verificar com os dados apresentados no capítulo 3 (Tabela 8), quando se abordou os valores dos investimentos em ações de permanência. Dessa maneira, a UFBA demonstra forte capacidade de execução e aproveitamentos dos recursos financeiros repassados para essa política.

Vale lembrar ainda que em 2006, ano de criação da Proae, registrou-se a distribuição de 635 tipos de benefícios aos estudantes, em sua maioria, oriundos do interior da Bahia e que tinham acesso a serviços de alimentação e moradia nas residências universitárias. Em 2013, registraram-se 3.419 tipos de apoio material distribuídos nesse ano (UFBA/PROPLAN/PROAE, 2016). Com relação a esse crescimento e diversificação das ações de apoio à permanência, uma das entrevistadas (Funcionária 1) apresenta uma reflexão acerca do que ainda denomina de pouco acúmulo de conhecimento sobre a operacionalização desse tipo de política pública:

[...] esta é uma Pró-Reitoria relativamente nova, com uma política também que é relativamente nova, um programa, na verdade, o PNAES, um programa de assistência ao estudante também relativamente novo, se a gente for olhar o que se tem publicado em relação a isso, embora se façam programas e auxílios ao longo da história da universidade. Mas algo mais sistematizado, com diretrizes, com critérios, é novo. (Funcionária 1)

Essa fala da entrevistada aponta para os desafios da administração pública no processo de implementação de uma política relativamente nova, se comparada às formas como foi desenvolvida pelas universidades ao longo dos anos. Nesse sentido, parece que o processo de execução ganha uma natureza de “aprendizagem coletiva”, conforme salienta Silva e Melo (2000), pois há constantes processos de “descobertas” e buscas por resolver determinados problemas de execução não vivenciados em políticas precedentes.

Com efeito, as experiências precedentes de programas de assistência estudantil na UFBA influenciaram positivamente a implementação da política a partir do PNAES. Experiências de outras instituições de educação superior têm demonstrado uma tendência à ampliação e diversificação das ações em instituições que tiveram experiências anteriores com programas de permanência enquanto aquelas que instituíram ações a partir do PNAES têm enfrentados maiores desafios na execução (TERRA, 2015). Os achados de Terra (2015) demonstram que houve melhores condições estruturais e de recursos humanos para a implementação de programas de assistência estudantil quando se tratava de instituições que já desenvolviam programas de assistência, como o caso da UFLA, que passou a aprimorar suas ações de assistência estudantil que eram desenvolvidas desde a década de 1970. As instituições que implantaram programas de assistência estudantil a partir do PNAES (2007) – Unifal e Unifei – tiveram custos mais elevados na implementação e não herdaram experiências na operacionalização da política de modo que enfrentaram maiores dificuldades na execução.

Vale lembrar que a depender dos contextos de implementação, as políticas ganham contornos diferentes, sobretudo, quando há maiores níveis de descentralização, conforme pode

ser observado com a implementação do PNAES. Na UFBA, os entrevistados deixam evidente que os caminhos estão sendo descobertos durante a execução e que há um processo de aprendizagem constante para a efetivação da política, muitas vezes permeados por conflitos, ambiguidades na legislação e na interpretação dos agentes. Um exemplo dessas ambiguidades é o debate sobre o conceito de vulnerabilidade socioeconômica, que não foi definido detalhadamente do ponto de vista normativo, de modo a complementar o indicador econômico com limite de renda per capita de até um salário mínimo e meio. Nesse sentido, nas concepções dos atores, percebeu-se certa imprecisão na compreensão de vulnerabilidade social que ora perpassava a questão da violência familiar ou na comunidade, ora dizia respeito às práticas discriminatórias relacionadas a questões de gênero ou orientação sexual, dentre outras, que dificultavam a operacionalização desse indicador no processo de seleção dos usuários.

Na UFBA, o histórico de ações de apoio à permanência tem seu início na década de 1950 com a instituição das residências universitárias, herança esta que impactou as formas de execução da política após o período de instituição e gerenciamento dos recursos do PNAES. A própria cultura organizacional da então Superintendência Estudantil, que se transformou em Pró-Reitoria, com a ampliação do quadro de funcionários e transformação de suas diretrizes, demonstra que essa universidade aprimorou suas formas de conceber as políticas de permanência e não se restringiu às diretrizes definidas pelo PNAES.

Apesar da UFBA ter um histórico de políticas de assistência estudantil, a análise dos dados aponta para os desafios enfrentados por funcionários no processo de aprimoramento da política por meio da reestruturação administrativa, conforme salienta o entrevistado:

[...] Eu sempre comento com o pessoal da gestão, dizendo assim: ‘olha, a gente tá arrumando a casa’, se a gente tiver condições de dar prosseguimento, maravilha. Eu acho que quem vai colher os frutos e, talvez, a próxima gestão. [...] Então, além de a gente tá trabalhando sob um inchaço, a gente ainda tá fazendo um trabalho retroativo. (Funcionário 9)

A atuação nos limites de ação dos servidores parece ser um imperativo, segundo os entrevistados. Expressões como “arrumar a casa”, “inchaço” institucional, trabalho “retroativo”, em condições materiais limitadas parece dar o tom da capacidade de ação das equipes no órgão responsável pela operacionalização das políticas de permanência na UFBA.

Tudo indica que a quantidade de servidores não é suficiente para atender às demandas no atual contexto de inserção social de jovens na educação superior e os achados vão na mesma direção da análise feita por Décia (2013) quando identifica os diversos desafios enfrentados pela Proae na execução dos programas. Na interpretação da autora,

[...] a Pró-Reitoria voltada para o desenvolvimento de ações afirmativas agoniza diante da desproporção entre a demanda e as reais condições de infraestrutura disponíveis de tal modo que integrar sua reduzida equipe parece um feito para poucos e não por longo período dado o dilema de ampliar a oferta e qualificar a permanência estudantil que garanta uma trajetória bem- sucedida na permanência e consequentemente na pós-permanência (DÉCIA, 2013, p. 178).

Um fato concreto pôde ser observado na constante demanda por serviço de psicologia na Proae, de modo que um único profissional lotado na unidade não dava conta das constantes demandas. Vale enfatizar que essa constatação pôde ser verificada na instância administrativa responsável pela implementação da política de permanência e não permite generalizar esses achados para outros setores da UFBA. Essa desproporção, entre número de servidores e o número de estudantes, impacta essa instância da universidade destinadas à execução dos programas de apoio à permanência, principalmente, em períodos em que ocorrem os processos de cadastro e seleção dos estudantes-usuários. Além disso, entende-se que o aprimoramento dos processos de implementação perpassa a qualificação dos servidores e a adequação dos recursos tecnológicos para atender as demandas com maior eficiência de modo que a melhoria desses processos não se restringe ao aumento do número de servidores.

Os dados permitiram identificar ainda forte percepção dos entrevistados de que os profissionais eram capacitados para atuarem na execução da política. Todavia, com relação à formação de parte dos servidores que compõem o quadro de funcionários terceirizados,61 os entrevistados apontaram a necessidade de desenvolver processos de formação para aprimorar o atendimento aos estudantes destinatários da política. De acordo com a Gestora 1, essa formação é necessária para melhor atender a esses estudantes que muitas vezes sofrem os diversos tipos de discriminação no ambiente universitário e isso precisa ser compreendido pelos servidores. Não se trata de uma capacitação técnica, mas relacionada com as atitudes desses servidores na relação com os estudantes, que em certa medida, tem relação com as formas de compreender o conteúdo da política e a “visão de mundo” desses atores que influenciam as formas como a política será colocada em prática, temática que será detalhada na seção 5.4, quando se abordará as “concepções dos atores sobre a política”.

61 Os servidores terceirizados são aqueles que prestam serviço intermediado por uma empresa e seu contrato de

trabalho não é definido pela instituição que usufrui dos serviços, mas pela empresa prestadora. Na UFBA, esses servidores não se caracterizam como funcionários efetivos do serviço público federal. Na Proae, os servidores terceirizados desempenham funções de vigilância, serviços de limpeza e auxílio administrativo, já os servidores do quadro efetivo, normalmente, são aqueles que ocupam os cargos de gestão, os serviços de assistência social, os técnico-administrativos, técnicos em assuntos educacionais, dentre outros.

Associado a esse aspecto da insuficiência do quadro profissional e da necessidade de formação profissional, encontram-se as limitações em termos de estrutura física do órgão gestor da política de permanência. Além disso, problemas de ordem técnico-operacional também são destacados como entraves para a melhoria dos serviços. Como exemplo, pode-se citar a falta de um sistema informatizado que permita o acompanhamento e controle dos estudantes cadastrados para o pagamento dos benefícios.

A falta de sistemas informatizados para o acompanhamento e controle das ações exige força de trabalho que poderia ser aproveitada em outras frentes, conforme assinala a servidora: “o esforço burocrático que a gente precisa fazer para implementar os programas é muito grande, e poderia ser solucionado de formas simples e nos deixaria mais livres para fazer, para pensar, para planejar outras ações que poderiam ter uma repercussão maior” (Funcionária 8).

Em síntese, os resultados reforçam a ideia de que as condições institucionais/organizacionais impactam a implementação da política (LOTTA, 2010; LIMA; D’ASCENZI, 2013) e isso pôde ser constatado nas limitações identificadas com o quadro de funcionários que não consegue atender as demandas, na inadequação da estrutura física e na ineficiência dos procedimentos técnico-operacionais. Por outro lado, as pressões exercidas pelos destinatários da política e as decisões colegiadas podem contribuir para a compreensão da influência desses fatores institucionais/organizacionais na implementação da política, conforme será visto a seguir.