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PARTE 3: SENTIDOS DO TRABALHO INFORMACIONAL CORPORATIVO

7. O TRABALHO REFLEXIVO

7.3. Capacitação contemporânea e sua reflexividade limitada

Capacitar-se para tais desafios constitui-se, por seu turno, em um novo desafio. A educação tradicional procura responder a essas demandas com produtos sempre atualizados: de programas executivos de curta duração a MBAs com múltiplos focos. Ao mesmo tempo, multiplicam-se as críticas a tais modelos educacionais. Alguns dos argumentos que constituem essas críticas seriam:

• Adestramento – Nessa perspectiva, a educação fornecida pelas instituições de ensino ao mercado corporativo nada mais seria que um adestramento funcional. Seu conteúdo não passaria de uma coletânea de prescrições e de ferramentas gerenciais, generalidades nem sempre adaptáveis à realidade brasileira e nem sempre aplicáveis a qualquer tipo de organização. O aluno, nesse caso, nada mais seria que um consumidor de fórmulas perecíveis e de eficácia duvidosa. Esse adestramento seria, ainda, focado em problemas já diagnosticados – inútil, portanto, para novos

problemas – e teria, ainda, um caráter aniquilador da curiosidade de seus treinandos (MORIN, 2002).

• Indústria de diplomas – Os partidários dessa abordagem têm premissas semelhantes às do adestramento, mas enfatizam o mercado de qualificações como elemento propulsor desses modelos educacionais. O que estaria em jogo não seria a educação, mas o comércio de certificados de capacitação. Não a aprendizagem, mas a aquisição de um título com valor de mercado. Algumas características destacadas por essa abordagem podem ser enumeradas: padrão de indústria da moda, com o efeito grife na valoração de diplomas; padrão de indústria de entretenimento, com aulas-espetáculo para um público pagante que exige diversão, mesmo em detrimento de conteúdo; padrão de relação comercial, com alunos-clientes ditando as características do produto contratado, mesmo sem estarem habilitados para tal. • Foco científico na gestão – A principal premissa dessa perspectiva é que o tríplice

caráter da gestão – ciência, arte e ofício (craft) – não é adequadamente coberto pelos MBAs tradicionais. O foco predominante no caráter científico desconsideraria aspectos menos formalizáveis da gestão e, portanto, não alcançáveis pelo processo de ensino-aprendizagem tradicional. Nem mesmo em metodologias supostamente mais práticas, como os estudos de caso. A experiência seria um requisito fundamental para o exercício da gestão e deveria preceder qualquer exposição a conteúdos de caráter técnico-científico (MINTZBERG, 2004).

Não apenas as instituições acadêmicas se mobilizam nesse esforço coletivo e permanente de capacitação. Conforme apresentado no capítulo 5, os modelos de educação corporativa popularizados na última década procuram atender às demandas por conhecimento de maneira alinhada às estratégias e às peculiaridades de cada organização. Similarmente ao que ocorre no âmbito acadêmico, diversas objeções são feitas a essa modalidade educacional:

• Adestramento e foco científico – As mesmas críticas à instrumentalização funcional prescritiva e à desconsideração do tríplice caráter da gestão, dirigidas à educação acadêmica, seriam aplicáveis também aos modelos educacionais corporativos. • Mudança de rótulos – Os partidários dessa perspectiva enxergam, na popularização

muitas empresas já operavam sob as premissas da educação corporativa, mesmo sob a denominação de centros de treinamento, enquanto outras tantas adotaram a nova denominação sem alterar a forma de atuação: ou seja, mantêm-se focadas no treinamento operacional com foco no curto prazo, e não na educação ampla e alinhada às estratégias organizacionais.

• Humanismo ingênuo – Essa abordagem critica as iniciativas bem-intencionadas, mas pouco fundamentadas, de introduzir um discurso inovador e humanizante no mundo corporativo. Temas como espiritualidade no trabalho e holismo, segundo essa crítica, seriam disseminados de maneira quase messiânica; em muitos casos, em flagrante conflito com crenças e valores individuais. Nesse mesmo rol se encontrariam os discursos anti-cartesianos que, na pretensão de se opor a uma objetividade e a uma racionalização excessivas, não conseguem apresentar mais que um conjunto mal alinhavado de intenções, palavras de ordem e afirmações gerais. Tais discursos não-raro manifestam total desconhecimento sobre a contribuição filosófica de Descartes ao pensamento contemporâneo. Ademais, freqüentemente ignoram as alternativas filosóficas e epistemológicas à perspectiva científica ‘tradicional’, como as abordagens fenomenológica e estruturalista.

• Persuasão e poder – Schein (2002), um conhecido formulador dessa abordagem crítica, estabelece um paralelo entre a aprendizagem nas organizações e a lavagem cerebral em prisioneiros de guerra – fato esse, aliás, investigado por ele no início de sua carreira, com soldados americanos capturados na Guerra da Coréia. Em ambos os processos de aprendizagem – organizacional e prisional – Schein identifica o mesmo mecanismo básico a que denomina ‘persuasão coercitiva’. Lawrence et al. (2005) evidenciam o caráter político da aprendizagem organizacional descrevendo as maneiras como o exercício do poder afeta as quatro etapas dessa aprendizagem: intuição, interpretação, integração e institucionalização. A experiência de Welch (2001) na GE seria um exemplo ilustrativo dessa dinâmica do poder no processo educacional. No centro de treinamento de Crottonville, 85 % do corpo docente era constituído por executivos seniores da própria GE, numa estratégia de reforço e compartilhamento de princípios institucionalizados – princípios esses que condicionam as intuições individuais (ver definição de intuição já apresentada neste capítulo), as interpretações legítimas dessas intuições e a possibilidade de compartilhamento (integração) das interpretações realizadas. Em sua produção

teórica sobre cultura organizacional, Schein (1992) apresenta outra possibilidade de entendimento desse mesmo fenômeno sob um ponto de vista psico-antropológico. Defende a idéia de que a cultura é gerenciada, fundamentalmente, pelo líder da organização. O líder teria, por definição, a capacidade de ‘enxergar’ as pressuposições básicas compartilhadas e a possibilidade de empreender ações concretas para alterá-las. Cultura e liderança seriam dois fenômenos estreitamente vinculados e a cultura sobredeterminaria, em algum grau, os comportamentos possíveis no ambiente corporativo. Em síntese, essa abordagem compreende a aprendizagem organizacional como um processo fortemente impactado pelo exercício do poder – seja por meio de persuasão coercitiva, seja por ações políticas e de gestão da cultura.

Esse conjunto de críticas pode suscitar diversas questões, dentre as quais duas são especialmente relevantes aos rumos dessa investigação: De que maneira a reflexividade no trabalho é afetada pelos processos educacionais? E que tipo de reflexividade está sendo promovido por esses modelos? Cabe esclarecer, contudo, que as considerações a seguir não tomam as críticas apresentadas como fato incontestável. Ao invés, consideram-nas como algumas dentre várias possibilidades de apreciação dessa complexa questão educacional.

Inicialmente, vamos caracterizar dois tipos distintos de reflexividade – operativa e essencial – para, mais adiante, explicitar suas manifestações particulares.